Com a frustração da
experiência, agricultores abandonam as terras
e sobrevivem da
doação de cestas básicas.
Depois de três anos, o sonho do presidente Lula de produzir
biodiesel de mamona parece ter chegado ao fim. Ao colherem este ano uma safra
irrisória, os pequenos agricultores do projeto Santa Clara, localizado entre as
cidades de Canto do Buriti e Eliseu Martins, no sul do Piauí, sobrevivem de
favores, de cestas básicas, e estão convencidos de que plantar mamona não é um
bom negócio.
A própria empresa Brasil Ecodiesel, encarregada do
empreendimento, já procura alternativas à mamona e passou a fazer experimentos
na região com outras plantas, como o girassol e o pinhão manso. Mas as
iniciativas são preliminares, pois ainda faltam conhecimentos técnicos mais
profundos sobre as culturas alternativas.
Como resultado do fracasso do empreendimento, a usina de
produção de biodiesel mantida pela empresa em Floriano, a 260 quilômetros de
Teresina, capital do Piauí, está em ritmo lento e vem utilizando basicamente a
soja como matéria-prima, na ausência da mamona. No projeto Santa Clara, a imagen
é de abandono, com muitas famílias deixando a área e as casas, construídas no
início do projeto, desocupadas e destelhadas.
Primeira
colheita
No dia 4 de agosto de 2005, Lula participou da
primeira colheita de mamona no projeto Santa Clara, que serviria de modelo para
a integração da agricultura familiar ao programa do biodiesel. Na época, o
entusiasmo do presidente era grande. Ele chegou a dizer aos pequenos
agricultores presentes na solenidade que era possível fazer "uma revolução" a
partir da mamona. A realidade, porém, mostrou-se bastante diferente do sonho
vendido pelo presidente.
"Não colhi mamona nenhuma este ano", disse o agricultor
Pedro José de Souza Filho, que guarda uma foto de Lula, quando o
presidente visitou a sua modesta casa, durante a solenidade da colheita de 2005.
"Só colhi mesmo dois sacos de feijão." E Pedro não foi o único que não colheu
nada ou quase nada.
No início do ano, uma praga de lagartas dizimou os primeiros
plantios de mamona do assentamento. A empresa Brasil Ecodiesel, parceira dos
agricultores no empreendimento, foi obrigada a fazer o replantio. Mas não houve
tempo. Em algumas áreas, a empresa chegou a arar a terra, mas a mayor parte
ficou sem plantio, o que afetou o rendimento dos agricultores.
O montante da safra deste ano ainda não é conhecido, mas as
evidências indicam enorme frustração. "A safra de 2008 foi um desastre", disse
Lino Hipólito Neto, um dos líderes dos agricultores. Ele próprio não
colheu uma saca sequer de mamona. A empresa Brasil Ecodiesel informou ao Estado
que "os volumes são relativamente baixos frente ao tamanho do projeto de
agricultura familiar que a empresa desenvolve no Brasil, com cerca de 30
mil famílias". Os agricultores, que são chamados de "parceiros", dizem que a
produção vem caindo ano após ano.
Em 2005, o primeiro ano do empreendimento, a colheita foi
excepcional. Um levantamento feito pelos próprios agricultores indica que a
safra do ano em que Lula visitou o empreendimento foi de 1,8 mil
toneladas. No ano seguinte, a produção caiu para 1,2 mil toneladas. Em 2007, ano
de pouca chuva, a produção caiu para somente 643 toneladas. Este ano,
acredita-se que a colheita não tenha chegado à metade daquela obtida no ano
passado.
A expectativa da empresa Brasil Ecodiesel era que cada
parceiro conseguisse uma produtividade de pelo menos uma tonelada de mamona por
hectare. "Em 2005, alguns parceiros chegaram a colher 2 toneladas por hectare",
lembrou Lino Neto. Mas a produtividade foi caindo a cada ano, por causa
de uma série de fatores, incluindo a falta de correção do solo e a piora na
qualidade das sementes utilizadas, segundo informaram os agricultores.
Células
O projeto Santa Clara impressiona por suas dimensões. No
início, eram 665 famílias distribuídas em 19 assentamentos, chamados de
"células". Cada uma das famílias ganhou um lote de 8,5 hectares. Deste total, 5
hectares deveriam ser destinados ao plantio da mamona e 2,5 hectares ao plantio
do feijão.
A empresa ficaria com 30% da produção de cada "parceiro" para
cobrir os seus custos com o empreendimento e os adiantamentos de dinheiro feitos
aos agricultores. Não seria permitido o cultivo de qualquer outro produto na
área. Apenas um hectare ficaria para que o "parceiro" pudesse cultivar o que
desejasse. Mas essa regra não foi seguida por todos. Como o cultivo da mamona
não apresentou os resultados esperados, alguns agricultores passaram a plantar
mandioca e milho para aumentar sua renda. A empresa terminou aceitando a solução.
Porém, mesmo com essa flexibilização, a sobrevivência dos "parceiros"
está dependendo da boa vontade da Brasil Ecodiesel, que paga, por mês, R$ 164
para cada família e ainda distribui uma cesta básica. Mas isso é um favor
prestado pela empresa, pois não está no contrato, e os agricultores não sabem
como irão um dia pagar esses benefícios. Por causa das dificuldades, os
agricultores estimam que cerca de 40 famílias já deixaram o empreendimento.
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