Em
março
de 2009 foi criada, na Assembléia Nacional da Nicarágua, uma Comissão
Nacional Multissetorial para abordar a problemática da insuficiência
renal crônica (IRC). A Comissão é composta pelas Comissões de Saúde e
Seguridade Social, Trabalhista, instituições governamentais,
organizações relacionadas com este drama, incluindo várias organizações
de ex-trabalhadores açucareiros portadores de IRC, cujos membros
expressaram seus principais problemas e demandas. Esta foi a base para
iniciar um processo que buscasse uma saída real para esta situação,
envolvendo o governo e empresas privadas do setor agroindustrial
canavieiro.
"Percebemos que a IRC, além de ser uma situação
de emergência, é um problema nacional de saúde
pública nacional que atinge a população
economicamente ativa" -
explicou ao
Sirel o coordenador da Comissão Executiva desta instância multissetorial, o
Dr. Wilfredo Barreto
- .
As principais reivindicações dos portadores de
IRC estavam relacionadas com a saúde, as
pensões e as cestas básicas, e foi neste sentido
que começamos a trabalhar para estarmos bem
seguros da problemática da IRC, e para
podermos formular propostas que busquem uma
saída para esta situação."
A
Comissão analisou em profundidade os resultados
preliminares de um estudo científico
desenvolvido pela Universidade Nacional Autônoma
da Nicarágua (UNAN León), sobre as causas da
IRC, as quais evidenciam que a atividade
agrícola, principalmente a da cana-de-açúcar,
e também a banana e o amendoim, tem uma relação
direta com as doenças renais sofridas pelos
trabalhadores e pela população que vive no
entorno das plantações.
"A partir desses
dados -
continuou Barreto -, a Comissão Executiva começou a preparar dois
documentos: um Protocolo de Entendimento, que
envolveria diretamente os órgãos governamentais
e as empresas privadas da indústria de açúcar
como sendo corresponsáveis por esta situação,
para dar resposta, em curto prazo, às demandas dos portadores de IRC, e
para criar uma lei que seja um instrumento
jurídico para ajudar a prevenir e resolver o
problema de forma definitiva, através da
promoção das boas práticas produtivas para o
setor agropecuário.
Antes do final do ano, as diferentes instâncias
do governo se comprometeram a apresentar planos
de ações e respostas para a problemática da IRC e, como resultado
desses planos, será criado um único Plano Estratégico no qual também
terão que se envolver tanto o setor empresarial como as várias Prefeituras das regiões mais atingidas.
No que diz
respeito ao projeto de lei, seu foco está voltado principalmente para a
questão da regulação do uso que as empresas fazem dos contratadores e
dos subcontratadores, e do fenômeno da terceirização. Outro objetivo é
regulamentar o uso, o manuseio, a aplicação e o armazenamento dos
agrotóxicos, bem como as condições de trabalho e as medidas de segurança
e higiene no trabalho.
As
empresas contra-atacam
Durante a
apresentação deste projeto de lei aos meios de comunicação, o presidente
da Comissão de Saúde e também secretário-geral da Frente Nacional dos
Trabalhadores (FNT), Gustavo Porrás, explicou que "o
objetivo desta legislação é ir eliminando as práticas produtivas
nocivas para o ser humano, e que podem causar vários tipos de doenças,
incluindo a insuficiência renal”.
Já o presidente do Instituto Nicaraguense
de Seguridade Social (INSS), Roberto Lopez,
reforçou a exposição de
motivos ao declarar que, durante muitos anos, ficou demonstrado que os
trabalhadores que trabalham nos engenhos de cana-de-açúcar foram
afetados por essa mortal doença, e que os proprietários dos engenhos
devem prestar atendimento a estas pessoas.
Segundo o jornal digital "El 19", López
propôs que, no caso das empresas agropecuárias, em particular no caso dos
engenhos, a contribuição patronal fosse aumentada de 1,5 para 5 por
cento para o caso de riscos profissionais. "Dessa forma, com esses recursos, podemos proporcionar um melhor
atendimento às pessoas com insuficiência renal crônica", disse o
presidente do INSS.
A reação das empresas açucareiras foi
imediata e em um anúncio pago, veiculado em nos principais jornais do
país, o
Comitê Nacional de Produtores de Açúcar (CNPA) atacou as declarações do
presidente do INSS e voltou a defender os seus interesses ao não aceitar
qualquer tipo de relação direta entre a indústria do açúcar e a IRC.
Além de explicar o "excelente sistema de saúde com o qual protegem seus trabalhadores e suas
famílias" e "as vigorosas práticas de responsabilidade empresarial onde
a proteção do meio ambiente ocupa um lugar fundamental”, os empresários
açucareiros voltaram a atacar "os setores que querem desacreditar a
nossa indústria e que promovem versões distorcidas das doenças renais,
gerando antagonismos, sendo que tudo que fizeram até agora foi
obstaculizar a busca de uma explicação e de uma solução para este
problema de saúde pública”.
Os padrões de produção de açúcar, mas
também de licor, energia e etanol, liderados pelo poderoso
Grupo
Pellas, pelas empresas
Nicarágua
Sugar
Estates
Ltd.
(NSEL) e pela Companhia Licoreira de Nicarágua SA (CLNSA), que o integram disseram que estas declarações "feitas poucos dias
antes do início da produção de açúcar e de energia para a safra 2009 -
2010, ameaçam a estabilidade da nossas
empresas e de todo um setor que é responsável por 4 por cento do PIB
nacional.
A
pantomima empresarial
A
estratégia de querer pôr em dúvida a estabilidade das empresas e, assim,
tentar fazer com que os trabalhadores ativos fiquem contra aqueles que
exigem uma solução para a problemática da IRC ou que defendem
seus direitos violados, não é novidade.
Há 9 meses que os antigos empregados do
Engenho San Antonio, de propriedade da
Nicaragua
Sugar
Estates Ltd, integrante do
Grupo
Pellas,
organizados na Associação Nicaraguense de Portadores de Insuficiência
Renal Crônica (ANAIRC), filiada à UITA, estão lutando em Manágua para que lhes seja reconhecida uma indenização por danos à saúde causados
pelo uso indiscriminado de agrotóxicos e pela contaminação dos recursos
hídricos.
Até à data de
hoje, mais de 3.500 falecimentos e mais de 8 mil portadores de IRC foram
contabilizados.
Apesar das repetidas
ameaças, da constante hostilidade e do vergonhoso silêncio da empresa,
que até agora tem se recusado a sentar em uma mesa de negociações, fatos
estes reiteradamente denunciados pelas próprias vítimas da IRC ou pela
UITA, os ex-trabalhadores do açúcar resistem e permanecem firmes no
propósito de conseguir que seus direitos sejam respeitados.
Neste sentido, a
iniciativa da Comissão Nacional Multissetorial e do governo da
Nicarágua, além de reconhecer o vínculo direto entre a agroindústria
açucareira e a IRC, como vem sendo afirmado durante muitos anos pelos
ex-trabalhadores portadores de IRC, pela UITA e por incontáveis
organizações que mundialmente manifestaram sua solidariedade com a luta
da ANAIRC, contribuirá para que milhares de pessoas portadoras de IRC se
sintam
menos sós e mais apoiadas nesta difícil situação.
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