2010

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Nicaragua

"Como se fosse o primeiro dia"

ANAIRC: começando um novo ano de luta

 

Já se passaram quase dez meses de sua chegada a Manágua e os ex-trabalhadores do açúcar, bem como as viúvas da Associação Nicaraguense de Portadores de Insuficiência Renal Crônica (ANAIRC), organização filiada à UITA, estão se preparando para começar o ano novo, renovando a sua demanda para ser estabelecido o diálogo com a Nicarágua Sugar Estates Limited (NSEL), proprietária do Engenho San Antonio e membro do poderoso Grupo Pellas, a fim de obter uma indenização, por considerar que a NSEL está diretamente vinculada aos danos ocasionados à saúde dos trabalhadores durante o seu desempenho no engenho de açúcar.

Carmen Ríos

 
No meio de uma cidade que parece adormecida, a poucas centenas de metros da nova Catedral de Manágua, onde as pessoas vêm para demonstrar seu fervor católico, o acampamento da ANAIRC lembra, para uma população que prefere dar as costas, que o drama de milhares de ex-trabalhadores do açúcar portadores de insuficiência renal crônica (IRC) continua sem solução, e que a luta iniciada há quase dez meses por esta valente organização não tem descanso, nem sequer durante as festividades que acabam de acontecer.

 
Nove pessoas morreram desde que chegaram à capital. A última,
Jacoba Muñoz, 63, morreu poucos dias antes do Natal, enquanto que aproximadamente 20 por cento dos ex-trabalhadores tiveram de voltar para casa devido ao agravamento do seu estado de saúde e não puderam voltar a Manágua.

 
Segundo
as estatísticas da ANAIRC, que monitora constantemente os registros de mortes nos diversos municípios do oeste do país, seriam 3.649 ex-trabalhadores do Engenho San Antonio mortos por IRC.  Um extermínio silencioso que já não pode mais ser calado e para o qual urgem soluções e respostas imediatas.

 
"Foi um ano muito difícil" - disse a presidenta da ANAIRC, Carmen Ríos, ao fazer uma análise desta longa temporada de luta.

 
No entanto, como em tudo, houve momentos difíceis, mas também momentos de grande solidariedade com o nosso esforço. Nós sofremos fome, frio e calor, o desprezo de um pequeno setor da população e o silêncio da imensa maioria dos meios de comunicação nacionais.
 
Também não podemos esquecer a indiferença da Nicarágua Sugar Estates Ltd e do Grupo Pellas, que continuam nos denegrindo e se negando a abrir um diálogo com a nossa organização, continuou Ríos.

 
A presidenta da ANAIRC lembrou também a enorme solidariedade das várias organizações e pessoas que, a nível nacional e internacional, mobilizaram-se ao longo desses últimos dez meses, apoiando a luta dos ex-trabalhadores do açúcar.

 
"Recebemos uma grande demonstração de solidariedade, e nossa luta ficou conhecida no mundo inteiro graças ao apoio incondicional da UITA, da Associação Itália-Nicarágua, da Organização Povos Solidários, da campanha de boicote ao rum Flor de Caña, da
Communications and Internet Services Adjudication Scheme (CISAS)
e do Movimento Social Nicaraguense 'Outro Mundo é Possível', e graças, ainda, a muitos outros que nos últimos meses vieram ao nosso acampamento, como por exemplo a Fundação Solidária Entre Pueblos e ALBA Sud”.


 
A repressão não os dobrou

 
Enquanto tirava fotos para esta nota, apareceu uma daquelas caminhonetas 4x4 do ano. Do interior do veículo uma voz me gritou dizendo que não acreditasse nestes “vagabundos” porque são uns mentirosos.

Em seguida, acelerou e desapareceu. Fiquei pensativo, enquanto os membros da ANAIRC zombavam da ignorância dessas pessoas. Rapidamente pensei que com o valor deste carro de luxo dava para pagar três transplantes de rim e ainda dava para garantir a vida de mais 3 ex-trabalhadores.

 
"Quando chegamos a Manágua nossa idéia era ficar cerca de três meses. Infelizmente, a intransigência da empresa nos obrigou a ficar muito mais tempo. Têm sido meses de perseguição constante e de repressão, especialmente contra a minha pessoa"- lembrou a presidenta da ANAIRC -.

 
A empresa e os sindicatos organizaram passeatas em frente da minha casa e em Manágua para fazer com que nos dobrássemos a eles, visando nos isolar e nos incitando a entrar em conflito com os trabalhadores ativos do Engenho San Antonio e da licoreira.

 
Desconhecidos atiraram em nós e arrancaram a bandeira da UITA, recebemos ameaças de morte e os nossos filiados foram constantemente pressionados a abandonar a organização. A empresa até retirou a ajuda alimentar de doze pensionistas da ANAIRC como mais uma forma de represália.

 
No entanto, nós seguimos em frente - continuou Ríos – e permanecemos no acampamento até mesmo durante todas as festividades, por temor de que os padres da Catedral aproveitassem para cercar o terreno e nos deixassem na rua".
 
Apesar de todas estas dificuldades, as pessoas continuam animadas e cheias de esperança para este novo ano que acaba de começar.

 
"Nós sabemos que estamos diante de um poderoso empresário que se sente ameaçado porque, pela primeira vez em sua vida, ele teve que enfrentar uma luta tão forte como a nossa e com um enorme apoio internacional.

Pela primeira vez, ele encontrou pessoas que não se vendem e que nunca nos deixamos chantagear. Esse é um acontecimento histórico e sabemos que seguiremos em frente com a nossa consciência tranquila e transparente", garantiu.

 
"Vamos ignorar estudos previamente montados"


 
Nos últimos meses, a Nicarágua Sugar Estates Ltd lançou uma forte e cara campanha de mídia desconhecendo as denúncias da ANAIRC e tentando desacreditar as organizações que apóiam a luta da ANAIRC, assim como os seus filiados.
 
Ao mesmo tempo, a Nicarágua Sugar Estates Ltd abriu negociações com outra organização de portadores de IRC, tendo a participação do Escritório do
Assessor em Cumprimento/Ombudsman (CAO) do Banco Mundial. Um dos acordos prevê um estudo sobre as causas que originam a IRC, estudo esse que será realizado pela Universidade de Boston.

 
"A empresa insistiu para que nos envolvêssemos nesta suposta negociação, mas não estamos interessados. Já temos a Lei 456 que define a IRC como uma doença de trabalho e pedimos sua integral aplicação, reconhecendo o nosso direito a sermos indenizados pelos danos causados à nossa saúde” - explicou Carmen Ríos-.

 
Desde já desconhecemos qualquer resultado vindo deste estudo a ser realizado, pois sabemos que vai haver a mão da empresa nisto. Por que, então, não querem falar sobre os resultados preliminares de um estudo realizado pela UNAN Leon? É muito simples: porque não lhes convêm, já que mostra claramente a relação direta entre o trabalho agrícola, especialmente no cultivo da cana-de-açúcar, banana e amendoim, e a IRC.

 
A única verdade que reconhecemos – afirmou Ríos – é a dos mortos. Diariamente, vemos homens que morrem, uma morte lenta e de forma esgotadora. Essa forma de morrer fere mais do que se os víssemos morrer por uma bala. Os mortos já não podem falar e serão as nossas vozes que falarão por eles.

 
Novas perspectivas para 2010

 
Apesar das poucas conquistas até agora, a ANAIRC começa o ano novo com muitas expectativas.

 
"Na Assembleia Nacional foi constituída uma comissão intersetorial para preparar um plano abrangente para abordar com urgência o drama da IRC, tentando envolver os proprietários dos engenhos como co-responsáveis por esta situação. Além disso – explicou a presidenta da ANAIRC – será enviado um projeto de lei sobre as boas práticas produtivas”.

 
Ao mesmo tempo, em razão de uma carta enviada em abril passado pela UITA ao presidente Daniel Ortega, na qual lhe pediam para assumir uma "atitude mais comprometida com esta etapa de luta em defesa dos mais fracos, dos trabalhadores e de suas famílias, no entendimento de que a riqueza de uns poucos não pode crescer sobre o túmulo de milhares de trabalhadores", a ANAIRC conseguiu ter seu caso tratado diretamente pelo Poder Executivo e transferido para a Procuradoria-Geral da República (PGR),  para facilitar o diálogo entre os portadores de IRC e a empresa.


"Já nos reunimos com o Dr. Juan Ortega da PGR e lhe entregamos toda a documentação do nosso caso. Nos próximos dias vamos nos reunir novamente para discutir e analisar a proposta que irão nos apresentar.

 
A PGR, assim como a Comissão Intersetorial do Parlamento e a máxima autoridade do Instituto Nicaraguense de Segurança Social (INSS), reconhece a existência de uma ligação direta entre a IRC e a indústria do açúcar, e isso nos enche de esperança.
 
Vamos começar este 2010 como se fosse o primeiro dia. Com o ânimo e a auto-estima lá em cima”, concluiu Carmen Rios.
 

Em Manágua, Giorgio Trucchi

Rel-UITA

11 de janeiro de 2010

 

 

 

Fotos: Giorgio Trucchi

 

 

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