Brasil
Irmão do
ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci atua no
gerenciamento de três programas do governo para
redução do uso de agrotóxicos, mas trabalha para
os maiores fabricantes desses produtos no país.
O engenheiro agrônomo Orlando Palocci, irmão
do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci,
participa do gerenciamento de três programas do
governo, responsáveis pela elaboração de normas
para reduzir o uso de agrotóxicos. Ao mesmo
tempo, ele trabalha para a Associação
Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF),
entidade que reúne os maiores fabricantes de
herbicidas, inseticidas e pesticidas do país. Em
um dos três programas, criado por iniciativa do
próprio Orlando Palocci, o agrônomo é
subcoordenador e participa de eventos com dupla
função: fala em nome do Ministério da
Agricultura e também no da indústria de
agrotóxicos.
Um exemplo recente dessa duplicidade ocorreu no
dia 23 de março. Orlando Palocci esteve em
Mucugê (BA), em um seminário promovido pela
pasta da Agricultura, e coordenou um grupo de
trabalho montado para elaborar o projeto de
redução de uso de agrotóxico na plantação de
batatas daquela região, situada nas cercanias da
área de preservação do Parque Nacional da
Chapada Diamantina. Apesar de ser recebido e
falar como subcoordenador do programa do
governo, Orlando estava lá oficialmente em
nome da ANDEF, como mostra a programação
oficial do evento. Uma das principais
preocupações das autoridades daquela região, em
relação a agrotóxicos, é a utilização do
Temik 150,
da multinacional alemã Bayer, um
inseticida de alta toxicidade responsável por
inúmeras mortes. O conselho diretor da ANDEF
é presidido por um funcionário da Bayer.
A ligação de Orlando Palocci com fabricantes de
agrotóxicos não é nova. Ele trabalhou por 10
anos para a francesa Du Pont, uma das
maiores indústrias do ramo, e foi dono de uma
empresa de venda de agrotóxicos. Sua atividade
como consultor da ANDEF, que o leva a dar três
ou quatro cursos e palestras mensais em nome da
entidade, começou em 2004, logo depois de ele
apresentar ao Ministério da Agricultura o
projeto para estender às batatas o chamado
sistema de produção integrada, que tem como um
dos objetivos principais a redução do uso de
agrotóxicos. Naquele período, Antonio Palocci
ocupava o principal ministério do governo de
Luiz Inácio Lula da Silva, mas Orlando
afirma não ter havido influência do cargo do
irmão nem na aprovação do projeto nem em sua
contratação pela ANDEF.
Fins
comerciais
Os projetos de plantio com menos agrotóxicos
foram criados na pasta da Agricultura mais por
uma preocupação econômica que sanitária ou
ambiental. O processo começou há cinco anos com
frutas, principalmente com a maçã, porque
importadores europeus estavam se negando a
receber produtos brasileiros cultivados com
excesso de agrotóxicos. O ministério cria normas
para cultivo, e os produtos que as obedecem
recebem um selo de qualidade que facilita sua
aceitação no mercado.
Em
2004, Elizângela de Jesus Araújo,
29 anos, estava agachada com outras
colegas colhendo batatas quando viu um
trator passar por perto pulverizando
agrotóxico. "A gente sentiu o fedor do
veneno, as minhas mãos começaram a
formigar, o coração acelerou e eu
corri", recorda. "Desmaiei e quando
acordei já estava no hospital. "Ficou
cinco dias internada e voltou ao
trabalho. Em fevereiro do ano passado,
quando lidava com a batata que tinha
recebido agrotóxico, desmaiou de novo e
voltou ao hospital. Ao voltar ao
trabalho, Elizângela foi
demitida. |
Como a iniciativa deu certo com frutas, foi
estendida para tomates, batatas, grãos, carne e
leite. Empresários e autoridades acreditam que,
em breve, mesmo consumidores brasileiros ficarão
mais exigentes e passarão a dispensar produtos
com excesso de agrotóxicos. Assim, a criação de
sistemas de produção com redução de inseticidas
e herbicidas é vista não como uma alternativa
politicamente correta, mas como uma maneira de
sobreviver no mercado.
Apesar do trabalho que presta para a ANDEF,
Orlando Palocci não entrou no programa do
ministério como representante oficial da
entidade. Como morava em Pouso Alegre, município
do sul de Minas Gerais, onde ele ainda cultiva
sementes de batata, ingressou como porta-voz dos
bataticultores. Hoje reside em Ribeirão Preto
(SP) e também faz parte dos comitês técnicos do
governo para cultivo de amendoim e morango.
Integrantes desses colegiados, como Orlando
e outros especialistas, não são remunerados pelo
governo, mas desempenham uma função estratégica.
Com recursos federais saídos do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), criam as regras que
precisarão ser seguidas por produtores. No caso
da batata, por exemplo, o grupo coordenado pelo
irmão de Palocci e pelo professor Laercio
Zambolim, da Universidade Federal de Viçosa,
em Minas Gerais, já concluiu que os agricultores
devem usar menos inseticida, mas podem aumentar
a aplicação de fungicidas. Ou seja, por essa
regra a indústria de agrotóxicos não deverá
perder muito dinheiro.
Ação
sem conflito
Dentro do programa de redução de agrotóxicos do
Ministério da Agricultura, a dupla função de
Orlando Palocci - como criador de normas do
governo e consultor dos fabricantes de
inseticidas e pesticidas - não é vista como um
problema. "A produção integrada trabalha em uma
faixa do uso seguro e correto de defensivos e
tem o apoio da ANDEF", afirma o próprio
engenheiro agrônomo. O uso da palavra
defensivos para se referir aos produtos contra
insetos e ervas daninhas que atacam lavouras é
um eufemismo comum entre fabricantes do setor e
seus representantes.
Ambientalistas, pesquisadores e integrantes do
governo, inclusive do Ministério da Agricultura,
utilizam o termo agrotóxicos. "Palocci
representa os produtores de batatas no programa,
não representa a ANDEF", diz José Maurício
Teixeira, chefe da Divisão de Fruticultura
do ministério e responsável pelas iniciativas de
redução do uso de agrotóxicos. "Não há conflito
de interesses, porque as empresas de agrotóxicos
estão com a gente neste programa", afirma
Laercio Zambolim, coordenador do projeto
para as batatas. "Orlando vestiu a camisa da
produção integrada." (SN)
As
vítimas do agrotóxico
Ibicoara (BA) - A noite de 23 de junho é para a
maioria dos nordestinos sinônimo de festa em
homenagem a São João, ruas enfeitadas, dança e
comida típica. Para o tratorista baiano Edmundo
Aguiar dos Santos, 37 anos, é aniversário de um
acontecimento trágico. Em 2004, enquanto seus
amigos participavam dos festejos, ele varou a
madrugada pulverizando agrotóxicos em uma
lavoura de batatas. A mangueira principal do
equipamento acoplado ao trator se soltou, e as
costas de Santos foram atingidas por um jato do
veneno agrícola. Ele sentiu uma ardência na
pele, lavou a área afetada num córrego e seguiu
trabalhando, para não ter o dia descontado do já
curto salário. A noite seguinte foi de insônia e
inaugurou uma fase de tontura, falta de ar e
tremores pelo corpo.
Santos foi exposto outras vezes a agrotóxicos e
ainda suportou o trabalho por um ano, apesar de
possuir um laudo da perícia médica do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) confirmando que
seu sistema nervoso fora afetado pelos produtos
químicos. Acabou tendo de pedir demissão. "Eu
não agüentava mais", conta.
A redução do uso de agrotóxicos na região
central da Bahia, discutida em um evento no qual
o agrônomo Orlando Palocci participou
tanto como representante do governo como dos
fabricantes de venenos agrícolas, não é apenas
uma alternativa de produtores para melhorar a
imagem da batata no mercado, mas uma forma de
diminuir os riscos de uma legião de
trabalhadores rurais que estão sendo intoxicados
na lide da lavoura.
Desemprego
Em Ibicoara e na vizinha Mucugê são
cultivados 5 mil hectares de batata que
abastecem a região Nordeste com 175 mil
toneladas anuais do produto. É uma fronteira
agrícola relativamente recente, que se
desenvolveu a partir de meados da década de 90
com o plantio dominado por meia dúzia de grandes
empresários, em sua maioria originários de São
Paulo e do Sul do país. A estimativa é de
emprego para 3 mil trabalhadores, que se dividem
em tarefas como plantio, colheita e lavagem da
batata. O piso salarial é de R$ 365, alguns dos
empregados conseguem chegar aos R$ 500 ou R$ 600
graças a horas extras. Parte das empresas tem um
quadro fixo de funcionários, mas algumas fazem
contratações provisórias em determinadas fases
da produção, o que leva trabalhadores a
amargarem períodos de até três meses sem
rendimento. As lavouras de batata são de longe a
principal ocupação na região, e o medo do
desemprego faz agricultores suportarem jornadas
extensas e riscos à saúde.
O empresário Ivo Borre, presidente da
Associação dos Irrigantes do Alto Paraguaçu
(BA), que reúne os produtores de batata da
região, diz haver orientações claras sobre o uso
de agrotóxico, mas admite a ocorrência de
acidentes. "As pessoas aqui estão conscientes,
mas pode ocorrer algum lapso", afirma.
Desmaios na lavoura de batata não
são incomuns. Moradora de Mucugê,
Nilda Lopes Fernandez, 47 anos,
sofreu o primeiro e enquanto se
curvava para pegar batatas miúdas no
chão. Depois o mal-estar continuou
enquanto lavava os legumes para
retirar a terra e o excesso de
agrotóxico. "Quando eu sentia o
cheiro do veneno, me vinha um vômito
verde", recorda. Acabou aposentada
por invalidez e rejeita a sugestão
de amigos de "botar na autoridade"
seus antigos patrões. A expressão é
usada na região como sinônimo de
ingressar com uma ação na Justiça. |
De forma geral, os trabalhadores diretamente
ligados à aplicação de agrotóxicos têm
equipamento de proteção, como máscaras e luvas,
que nem sempre os protegem de acidentes, como
mostra o caso de Edmundo Santos. No entanto,
empregados de lavouras que estão nas
proximidades das áreas de aplicação costumam
também ser atingidos. Em 2004, Elizângela de
Jesus Araújo, 29 anos, estava agachada com
outras colegas colhendo batatas quando viu um
trator passar por perto pulverizando agrotóxico.
"A gente sentiu o fedor do veneno, as minhas
mãos começaram a formigar, o coração acelerou e
eu corri", recorda. "Desmaiei e quando acordei
já estava no hospital. "Ficou cinco dias
internada e voltou ao trabalho. Em fevereiro do
ano passado, quando lidava com a batata que
tinha recebido agrotóxico, desmaiou de novo e
voltou ao hospital.
O atestado assinado por um médico de Vitória da
Conquista revela que ela teve vertigens e
dormência em mãos, pés e língua. O diagnóstico:
"Intoxicação por agrotóxico". Ao voltar ao
trabalho, Elizângela foi demitida. Hoje
cria dois filhos com os R$ 100 mensais que o
ex-marido lhe envia e outra quantia igual que
ganha trabalhando como babá. Seu coração foi
afetado, ela sente falta de ar, tem dificuldade
para firmar um copo de água nas mãos e os
tremores não passaram. Falta dinheiro para
remédios e cuidados médicos. Vive no Renascer,
um bairro pobre de Ibicoara, onde não há esgoto
tratado e a água para as residências é obtida em
torneiras espalhadas pelas ruas.
Desmaios na lavoura de batata não são incomuns.
Moradora de Mucugê, Nilda Lopes Fernandez,
47 anos, sofreu o primeiro e enquanto se curvava
para pegar batatas miúdas no chão. Depois o
mal-estar continuou enquanto lavava os legumes
para retirar a terra e o excesso de agrotóxico.
"Quando eu sentia o cheiro do veneno, me vinha
um vômito verde", recorda. Acabou aposentada por
invalidez e rejeita a sugestão de amigos de
"botar na autoridade" seus antigos patrões. A
expressão é usada na região como sinônimo de
ingressar com uma ação na Justiça.
Parque Nacional e rio correm risco
Além da saúde de trabalhadores, o excesso de
agrotóxicos na lavoura de batata na região
central da Bahia significa um risco ambiental
para o Parque Nacional da Chapada Diamantina e
também para o abastecimento de água de parte da
população do estado. As maiores áreas de plantio
estão dentro de uma faixa de 10 km que circunda
os 152 mil hectares do parque, uma área rica em
orquídeas, bromélias e sempre-vivas, que também
serve de proteção para onças-pintadas,
suçuaranas, capivaras, antas e outros animais.
O Rio Paraguaçu entra na Chapada Diamantina
quase como um córrego e dentro dela é abastecido
por centenas de riachos. Sai dali já encorpado
e, depois de ganhar mais volume, é responsável
pelo abastecimento da região metropolitana de
Salvador e de importantes municípios do
interior. O posto do Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente (Ibama) responsável pelo parque
recebe do governo menos de R$ 3 mil mensais para
manter a estrutura de fiscalização de toda a
área, o que dificulta a detecção de abusos.
Apesar do uso exagerado de agrotóxicos na região
ser bem conhecido, não há notícias de nenhum
estudo sério para mensurar a contaminação do rio
ou de áreas do parque. "É um tema meio velado
porque há interesses grandes envolvidos", afirma
o promotor João Paulo Schoucair, que
coordenou discussões na região sobre o problema.
Proibição
Para Regina Malkut, integrante do
Conselho Consultor do parque, são necessárias
garantias ambientais mínimas na região, como a
proibição do uso do
Temik,
agrotóxico produzido pela
Bayer,
que tem como princípio ativo o
aldicarbe.
Utilizado clandestinamente para matar ratos em
cidades, o produto é responsável por inúmeras
mortes de pessoas no Brasil e em outros países.
Sua classificação é "extremamente tóxico", e
segundo informações da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) ele tem alto
potencial de deslocalmento no solo, podendo
atingir principalmente lençóis freáticos. "Um
produto como este não pode ser usado ao redor de
um parque e nacional", diz Regina. Ivo
Borre, presidente da associação que reúne os
produtores de batata da região, discorda. "O
produto aplicado corretamente não tem risco
nenhum", afirma. "Não há por que substituir o
Temik."
Junto a culturas como as de tomate, morango e
mamão, a plantação de batatas é uma das mais
expostas a agrotóxicos. Paulo Melo,
pesquisador da área de hortaliças da Embrapa, em
Brasília, afirma que parte desse uso se deve ao
fato de o custo do plantio da batata ser alto e
fazer com que produtores tentem evitar, com o
agrotóxico, riscos de perda da lavoura. Cada
hectare de batata plantado exige entre R$ 14 mil
e R$ 17 mil de investimentos. Outra causa também
do excesso de agrotóxico é o fato de a batata
ser atacada com freqüência pela doença conhecida
como requeima. "Ela é causada por um fungo de
multiplicação extremamente rápida, capaz de
destruir uma lavoura inteira em três dias",
explica Melo.
A batata é um tubérculo que em regiões como a
de Mucugê e Ibicoara, recebe pouco antes de ser
colhida um herbicida destinado a matar a planta.
Ou seja, é exposta a agrotóxico até a última
fase da produção. Em 2002, testes feitos
pela Anvisa detectaram a presença irregular de
agrotóxico em 22,2% das amostras examinadas.
As irregularidades estavam ligadas à utilização
de agrotóxicos em excesso e ao uso de produtos
proibidos. De 2002 para cá, o percentual de
amostras com problemas caiu. (SN)
Solano Nascimento
Tomado de Correio Braziliense
14 de julho de 2006
Nota remitida por Sebastián
Pinheiro
NdR: Destacados nossos.
FOTO: lacoctelera.com
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