Caro
Sr. Ministro da Justiça
Faz
muitos anos que acompanhamos pelos jornais e pela televisão o
sofrimento dos povos Tupiniquim e Guarani no Estado do Espírito
Santo. Estes dois povos tiveram suas terras ocupadas ilegalmente
pela multinacional Aracruz Celulose, para o plantio de
eucaliptos, desde os anos 60.
Seu
território, identificado originalmente com 18.070 hectares, foi
demarcado com apenas 7.061 hectares.
Em 1998, as comunidades indígenas realizaram uma auto-demarcação,
mas a Funai e a Polícia Federal invadiram as aldeias indígenas,
seqüestraram as principais lideranças e as levaram a Brasília,
isolando-as de qualquer aliado ou assessoria jurídica e forçando-as,
sob constrangimento físico, moral e ameaças, a assinar um “acordo”
inconstitucional com a empresa, cedendo 11.009 hectares de suas
terras em troca de pagamento.
Em maio
de 2005, as comunidades indígenas voltaram a ocupar parte de seu
território tradicional, exigindo a saída da Aracruz Celulose.
Em dezembro do mesmo ano, uma ação de reintegração de posse
favorável à empresa obriga os indígenas a se retirarem de suas
próprias terras.
Em 20
de janeiro de 2006, uma ação conjunta de 120 policiais federais de
vários estados, com apoio logístico da Aracruz Celulose, empreende
uma ação brutal para expulsar os indígenas, resultando em inúmeros
presos, espancados e feridos gravemente. Uma retroescavadeira da
empresa multinacional consolida essa ação de cunho militar, de
“busca e destruição”, arrasando com as pequenas casas construídas
pelas comunidades Tupiniquim e Guarani em seu próprio território.
No dia
12 de setembro passado, a Funai encaminhou o processo das terras
Tupiniquim e Guarani do Espírito Santo para o Sr. Ministro da
Justiça, recomendando a demarcação. Desde então, o Sr. não tomou
nenhuma decisão, apesar da promessa feita aos indígenas em uma
reunião pública na Assembléia Legislativa, com a presença do
Presidente da OAB/ES, de parlamentares e de representantes da
sociedade civil capixaba em fevereiro deste ano, de que emitiria a
Portaria de Demarcação até agosto de 2006.
Sem
qualquer resposta do Sr. Ministro, no dia 12 de dezembro último,
cerca de 300 indígenas Tupiniquim e Guarani, entre mulheres, homens
e crianças, tiveram que se mobilizar para, mais uma vez, pedir ao
governo brasileiro a demarcação de 11.009 hectares de suas terras
tradicionais. Os indígenas ocuparam o porto de exportação da empresa
e de outras, como a Stora-Enso.
Surpreendeu a reação da Aracruz Celulose,
que no
dia 13 de dezembro mobilizou cerca de 2.500 trabalhadores, próprios
e de empresas terceirizadas para atacar os indígenas, sob o olhar
complacente e de apoio subentendido da Polícia Militar e do Governo
do Estado do Espírito Santo. Líderes sindicais chegaram a incentivar
o linchamento dos aliados dos povos indígenas presentes, inclusive
do deputado estadual do Partido dos Trabalhadores, Cláudio Vereza,
portador de deficiência física.
Parece
que a empresa multinacional procurou reviver os tempos e as práticas
do “gangsterismo sindical”, tão comum nos países de origem das
multinacionais, colocando em risco a vida de crianças, mulheres e
homens indígenas. No dia 13 de dezembro estivemos na iminência de um
massacre indígena, feito por brancos, comandados por uma
multinacional, com a cumplicidade do Governo do Estado do Espírito
Santo e a ação omissa do Governo Federal. Um 13 de dezembro para
deixar esquecido o 13 de dezembro de 1968, do famigerado AI-5, da
ditadura militar.
Por
sorte, o bom senso venceu e um diretor da multinacional se fez
presente no porto, à tarde, para recolher os seus agressivos
trabalhadores. À noite, os indígenas Tupiniquim e Guarani decidiram
aceitar o convite para uma reunião com o Sr. Ministro da Justiça e
desocuparam o porto voluntariamente.
Sr.
Ministro, causa-nos profunda estranheza seu silêncio sistemático com
relação a esta questão dramática, vivida há tanto tempo pelos povos
indígenas Tupiniquim e Guarani no Estado do Espírito Santo.
Inevitável relacionarmos tal atitude com a frase recente do
Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, elencando os
indígenas, juntamente com quilombolas, ambientalistas e o Ministério
Publico, entre os “entraves ao desenvolvimento” do país.
Inevitável relacionarmos tal atitude ao fato do BNDES ser acionista
da multinacional Aracruz Celulose, ter investido 2 bilhões de
reais no setor em 2006 e ter liberado 595,9 milhões de reais para a
própria Aracruz Celulose.
Inevitável relacionarmos tal atitude ao fato da multinacional
Aracruz Celulose ter realizado significativas contribuições para as
campanhas eleitorais do atual Presidente da República, Luis Inácio
Lula da Silva e do atual governador do Estado do Espírito Santo,
Paulo Hartung.
Está em
suas mãos, Sr. Ministro da Justiça Márcio Tomás Bastos, o futuro dos
povos indígenas Tupiniquim e Guarani no Estado do Espírito Santo.
Esperamos sinceramente que o Sr.Ministro, nesta segunda-feira, dia
18 de dezembro de 2006, dê finalmente a resposta que tanto esperam
as comunidades indígenas, retirando a Aracruz Celulose e
demarcando finalmente seu território tradicional, pelo qual lutam
tenazmente e demonstram claramente a disposição de entregar a vida.
Esta é
nossa expectativa e a nossa exigência, como cidadãos brasileiros e
como aliados dos povos indígenas, com os quais o Estado brasileiro
possui uma imensa dívida histórica.
Se a
indecisão prevalecer, para nós ficará evidente que se trata de uma
decisão explícita do governo Luis Inácio Lula da Silva, favorável
aos interesses da multinacional Aracruz Celulose e contrária
aos povos indígenas em nosso país. A responsabilidade sobre tal
opção e suas respectivas conseqüências, muito provavelmente trágicas
e marcantes para nossa História, recairá sobre o nome do Presidente
da República e sobre seu nome como Ministro de Estado responsável
pelas questões referentes aos povos indígenas em nosso país e,
especialmente, sobre a questão Tupiniquim e Guarani no Estado do
Espírito Santo.
Brasília, 18 de dezembro de2006
Cordialmente,
1.
MPA/ES – Movimento dos Pequenos Agricultores/ES
2.
SINDIPREV –
Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde
Trabalho e Previdência no Estado do Espírito Santo
3.
PSOL – Partido Socialista e Liberdade
4.
Wonibaldo Wutzen – Pastor da Igreja de Confissão
Luterana no Brasil e Coordenador da Comissão Pastoral da Terra ES/RJ
e Coordenador de CDDH da região norte do ES (São Mateus)
5.
Marta Falqueto – Coordenadora Estadual do Movimento
Nacional dos D. Humanos /ES e Conselheira Nac. MNDH regional Leste
(ES/RJ)
6.
José Carlos Nunes – Presidente da CUT/ES
7.
Domingos Firmiano dos Santos – Comissão Quilombola do
Sapê do Norte
8.
MST/ES – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
9.
Pastor Odair Cruz – Pastoral indigenista da Igreja
Metodista
10.
Cláudio Vereza – Presidente do PT /ES
11.
Iriny Lopes – Deputada Federal do PT
12.
Alexandre Passos – Presidente da Câmara de Vereadores
de Vitória
13.
FASE/ES – Federação de Órgãos para Assistência Social
e Educacional
14.
APEDEMA - Assembléia Permanente das Entidades em
Defesa do Meio Ambiente
15.
João Batista da Silva – geógrafo
16.
GT Ambiente AGB-Rio e AGB-Niteroi
17.
Associação dos Geógrafos Brasileiros – RJ
18.
Bicuda Ecológica
19.
Roberto Zwetsch – Secretário executivo do Centro de
Estudos de Teologia Latino Americano – CETLA
20.
João Baptista Herkenhoff –Jurista
21.
Jorge Eduardo Saavedra Durão – Diretor Executivo da
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
22.
Carlos Casteglione – Deputado Estadual/PT-ES
23.
Brice Bragato – Deputada Estadual PSOL-ES
|