Brasil Ι DESMATAMENTO
O Código Florestal virou instrumento
de barganha
A polêmica discussão sobre as alterações no Código
Florestal Brasileiro continua a mobilizar a sociedade e
o parlamento. É um assunto cujo interesse extrapola as
fronteiras nacionais, já que no atual contexto de
mudanças climáticas globais o mundo todo está atento aos
problemas que possam agravar o aquecimento do planeta, e
entre esses problemas o desmatamento merece destaque.
A proposta de alteração do Código encontra-se novamente
em tramitação na Câmara dos Deputados, que já tinha
aprovado um texto no ano passado. Como esse texto foi
alterado pelo Senado Federal, as regras constitucionais
determinam uma nova apreciação pela Câmara.
Há uma forte pressão do setor ruralista para que a
proposta seja aprovada o quanto antes. Com uma grande
representação no Congresso Nacional, alcançada por meio
de negociatas e abuso de poder econômico, a chamada
bancada ruralista quer que a legislação ambiental seja
flexibilizada a qualquer custo para livrar os
proprietários rurais das punições pelo descumprimento da
lei.
O Governo se preocupa muito mais com a imagem do país e
da Presidente da República perante a opinião pública
internacional do que com a conservação ambiental.
Articula em prol da aprovação do texto do Senado,
tentando vender a imagem de que esse texto é fruto de um
consenso entre ambientalistas e ruralistas e de que é
melhor, do ponto de vista ambiental, do que o projeto
originalmente aprovado na Câmara. Isso está longe de ser
verdade.
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A real intenção oculta é dar tempo aos
infratores até que o novo código seja
aprovado, quando serão beneficiados
definitivamente com a anistia, garantindo
assim que não sejam punidos por seus crimes,
infrações administrativas e danos praticados
contra o meio ambiente. |
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Em sua essência, a proposta do Senado difere muito pouco
em relação àquela da Câmara no que tange à garantia de
conservação da vegetação nativa. O grande embate travado
pelo Governo no Senado visando à modificação do texto
original da Câmara se deu em torno de garantir à União
maior governabilidade sobre a permissão do
desenvolvimento de atividades impactantes nas áreas de
preservação permanente (APP), que são as faixas de
vegetação protetoras que margeiam principalmente os
cursos d’água.
Os Deputados queriam transferir aos Estados a
competência para dizer o que pode e o que não pode ser
feito nas APPs, mas o Senado votou de acordo com o
interesse do Poder Executivo. Os Senadores fizeram
singelas melhorias no texto como, por exemplo, a
manutenção da proteção de ecossistemas costeiros, como
salgados e apicuns, que havia sido retirada pelos
deputados.
No entanto, os dispositivos mais perniciosos
permaneceram, como a anistia geral aos desmatadores
até 2008, a isenção de reserva legal nas propriedades de
até quatro módulos fiscais (que podem chegar a 400 ha) e
a utilização das áreas de preservação permanente (onde
estão as matas ciliares) no cômputo da reserva legal.
Apesar de receberem de volta do Senado uma proposta de
Código Florestal mais voltada aos interesses do
agronegócio do que à proteção das florestas, os
Deputados não aceitam as alterações no texto original e
querem retornar à versão que aprovaram no ano passado,
piorando ainda mais o texto submetido à sua apreciação.
O Governo, que posa de “ambientalmente responsável”,
acredita que a aprovação de um código nos moldes como
foi votado no Senado seria defensável perante a
Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável,
Rio + 20, mas teme uma derrota na Câmara, uma vez
que estamos em um momento de crise política entre
executivo e legislativo. Por isso, tentou postergar a
votação para depois da Conferência.
Acuado pelas tradicionais chantagens dos deputados, que
ameaçaram com a não aprovação da Lei Geral da Copa,
essencial para o governo devido aos seus compromissos de
organização do campeonato mundial de futebol, o Poder
Executivo cedeu, e a votação foi marcada para o dia 24
de abril.
É importante destacar que a aprovação da proposta do
novo código florestal representa um grande retrocesso na
legislação ambiental do Brasil, pois permitirá
mais desmatamentos, beneficiará com a impunidade aqueles
que deixaram de cumprir a lei e retirará instrumentos do
Estado que possibilitam a gestão ordenada dos recursos
florestais e da vegetação nativa.
Além disso, há amplo consenso na comunidade acadêmica
especializada em agricultura e meio ambiente de que o
Brasil tem plenas condições de expandir sua produção
agrícola sem alterar a legislação e sem permitir novos
desmatamentos, utilizando para isso apenas uma pequena
melhoria nas técnicas de produção. Os estudos mostram
que novos desmatamentos prejudicarão o próprio setor
agrícola no médio prazo.
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O que interessa é o lucro das transnacionais
que nos vendem sementes geneticamente
modificadas, os recursos para as campanhas
milionárias dos parlamentares bancados por
essas empresas e a manutenção de uma
oligarquia rural que comanda o país desde o
seu descobrimento. |
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Além de aceitar a chantagem, pactuando a votação do novo
código para este mês de abril, o Governo foi além nas
benesses concedidas aos ruralistas infratores. A
presidente Dilma acabou de assinar um decreto
prorrogando o prazo de isenção para que proprietários
rurais assumam o compromisso de recuperar a reserva
legal desmatada de suas propriedades.
Essa é a quinta vez que o governo federal prorroga o
prazo, que venceu pela primeira vez em janeiro de 2009.
Está enganado quem pensa que essas prorrogações
realmente visam garantir que os ruralistas tenham tempo
para recuperar seu passivo ambiental. A real intenção
oculta é dar tempo aos infratores até que o novo código
seja aprovado, quando serão beneficiados definitivamente
com a anistia, garantindo assim que não sejam punidos
por seus crimes, infrações administrativas e danos
praticados contra o meio ambiente.
Apesar do iminente prejuízo ambiental que governo e
parlamento querem infligir à sociedade e às futuras
gerações, em benefício único e exclusivo do grande
capital, nacional e internacional, há uma única vantagem
neste jogo sórdido em torno do desmonte da legislação
ambiental. A máscara ambiental que adorna os governos
Lula - Dilma vai cair às vésperas da Conferência
Rio+20, fazendo com que o país anfitrião mostre
ao mundo que seu real compromisso é com os grandes
produtores de commodities que promovem um efêmero
equilíbrio da balança comercial brasileira cujo custo é
a degradação e o atraso no futuro, quando teremos que
concorrer com nações que pautam seu desenvolvimento no
avanço científico e tecnológico.
Os Chefes de Estado e demais autoridades presentes à
Conferência constatarão ainda que o país que a sedia não
tem compromisso com a redução das emissões, com a
contenção do desmatamento ou com os pequenos produtores
rurais.
O que interessa é o lucro das transnacionais que nos
vendem sementes geneticamente modificadas, os recursos
para as campanhas milionárias dos parlamentares bancados
por essas empresas e a manutenção de uma oligarquia
rural que comanda o país desde o seu descobrimento.
Quem diria que a ascensão ao poder de um partido de
esquerda, de base operária, iria nos levar a uma
situação como essa?