Brasil│Código Florestal│Ambiente
A lei da anistia
que matou
o Código Florestal
A luta contra o retrocesso ambiental caracterizado pelas
alterações no código florestal brasileiro ainda não
acabou. Estão enganados os que pensam que os vetos
feitos pela Presidente da República, associados à edição
da Medida Provisória n° 571/2012, resolveram o problema
e encerraram a polêmica. Muitos aspectos ainda serão
debatidos no Congresso e é preciso que a sociedade saiba
o que realmente aconteceu e que continue acompanhando a
questão, pois a Lei que entrou em vigor após sanção
presidencial é muito ruim e ainda pode piorar.
O novo código florestal
Dilma tornou-se uma Dra. Frankenstein
O novo código florestal,
que nasceu em 25 de maio deste ano, é na realidade um
código agrícola. Sua publicação matou o verdadeiro
código florestal.
Qualquer pessoa que se
preocupe com a conservação das florestas brasileiras
deve estar de luto pela “morte” da lei que garantia a
proteção da vegetação nativa. Além de ser um código
agrícola, na medida em que prioriza os benefícios e
anistias aos produtores rurais que deixaram de cumprir a
obrigação de conservar os recursos florestais de suas
posses e propriedades, o novo código é uma lei
desconexa, desarticulada, de difícil entendimento e
aplicação.
A presidente vetou uma
série de dispositivos aprovados pelos deputados e editou
uma medida provisória para suprir as lacunas deixadas
pelos vetos. A MP basicamente retomou os trechos
inseridos pelos senadores quando revisaram a proposta
aprovada pela primeira vez na Câmara. Portanto, a nova
lei surge a partir de um texto extremamente nocivo, que
foi remendado em vários pontos na tentativa de
aproximá-lo da proposta dos senadores, que também de boa
não tinha nada, mas que retirava algumas maldades que a
Câmara havia aprovado.
A única solução que a
presidente tinha nas mãos quando recebeu o texto final
do Congresso seria o veto total, mas ela optou por não
fazer o que seria correto. Como resultado de sua
decisão, Dilma tornou-se uma Dra. Frankenstein,
montando uma lei horrível, feita de partes que não se
encaixam direito, cujo resultado será desastroso.
Durante a campanha
presidencial de 2010, Dilma tinha se comprometido
a não aprovar qualquer lei que promovesse anistia aos
desmatadores, e continuou com esse discurso até muito
recentemente. Embora a presidente tenha sido enfática em
seus pronunciamentos, o fato concreto é que ela
descumpriu solenemente suas promessas. A Lei 12651,
que ela sancionou com vetos e alterações, tem vários
dispositivos que não podem ser chamados de outra maneira
que não “anistia”.
A Anistia disfarçada e o desmonte
de todo o aparato federal
de proteção ambiental
Há dois tipos de anistia
no novo código florestal que está em vigor. O primeiro
deles diz respeito a uma anistia disfarçada. Está nos
dispositivos que isentam os proprietários rurais das
punições administrativas, cíveis e penais a que estariam
sujeitos pelos desmatamentos praticados até 2008, desde
que assumam o compromisso de reparar os danos,
reflorestando as áreas degradadas.
O governo retirou poder da União e
transferiu para os estados boa parte das
competências ambientais federais. Há alguns
anos o IBAMA vem fechando escritórios em
todo o Brasil, inclusive na Amazônia.
|
O governo rebate as
críticas dos ambientalistas, argumentando que esses
dispositivos não são anistias, pois não anulam o passivo
existente e não desobrigam os ruralistas da necessidade
de recuperação ambiental. A obrigação de reparação,
segundo o governo, seria mais eficaz do que a punição,
pois garantiria ganho ambiental na forma de
reflorestamento. Em tese o governo teria razão, pois a
obrigação de restaurar o passivo não seria uma anistia
do ponto de vista técnico. Porém, entre a teoria e a
prática há um abismo.
É bom que se diga que a
legislação que vigia antes da publicação do novo código
nunca desobrigou os infratores de reparar o dano caso
fossem punidos com multas ou sanções penais. A
recuperação das florestas que o governo diz que irá
conseguir suspendendo as multas e prisões já era
obrigatória.
O infrator, além de ter
que pagar multa e responder processo criminal, era
obrigado a reparar o dano na esfera cível. Se isso não
era feito de maneira geral, era porque o próprio governo
nunca criou mecanismos eficazes de exigir a recuperação.
Porém, há vários exemplos de ações civis públicas de
iniciativa do Ministério Público que culminaram com a
recuperação das áreas desmatadas.
Portanto, dizer que a
suspensão das sanções contra quem desmatou até 2008 é
uma medida que possibilitará ganho ambiental é uma
balela. Como é que o Estado vai exigir e acompanhar a
recuperação das áreas desmatadas se a União está
desmantelando todo o aparato federal de proteção
ambiental? Os órgãos ambientais mal conseguem
fiscalizar. O governo retirou poder da União e
transferiu para os estados boa parte das competências
ambientais federais. Há alguns anos o IBAMA vem fechando
escritórios em todo o Brasil, inclusive na Amazônia.
A maioria dos estados não
dispõe de estrutura compatível com a necessidade de
acompanhar os projetos de recuperação. É verdade que
isso já era um problema antes da aprovação da nova lei,
mas agora os infratores, além de serem beneficiados
com a inoperância do Estado no que diz respeito a
fazê-los recompor o que destruíram, ainda deixarão de
pagar multa e de serem processados.
A nova lei absurdamente
permite que quem desmatou a reserva legal possa
recuperar metade da área degradada com espécies exóticas,
como pinus, eucalipto ou qualquer outra cultura. Para
quem não sabe, espécies exóticas se prestam apenas à
produção e representam praticamente nada em termos de
conservação ambiental.
A anistia absoluta e seus dispositivos
perversos. O governo mente ao dizer que não há anistia no
novo código florestal
Há também a anistia
absoluta em vários artigos do novo código, aquela que
não pode ser contestada com base no enquadramento no
conceito de anistia. Esse segundo tipo é o que permite
afirmar sem medo que o governo mente ao dizer que não há
anistia na nova lei.
A presidente sancionou
muitos artigos que impedem a punição contra
desmatamentos anteriores a 2008 sem que o infrator seja
obrigado a recuperar o dano. No caso das chamadas
“áreas rurais consolidadas” em APP, que são aquelas
desmatadas até 22 de julho de 2008, além de se impedir a
punição, apenas uma pequena parte do desmatamento deverá
ser revertida.
O artigo 61-A da nova lei
estabelece o quanto da APP deve ser recuperada. A Lei
estabelece uma faixa de vegetação marginal a ser
protegida que varia de 30 a 500 m de largura, mas para
quem desmatou a recuperação obrigatória será de 5 a 100
m.
Nas grandes propriedades os infratores poderão ser
anistiados em até 80 por cento de suas matas ciliares
destruídas,
pois em uma APP de 500 m, apenas 100 m deverão ser
recuperados. Ora, se isso não é anistia, o que será?
Há ainda muitas outras
anistias. No caso da reserva legal, quem tem até 4
módulos fiscais está automaticamente anistiado sem ter
que recuperar nada. O mesmo ocorre com as
propriedades da Amazônia que deixaram apenas 50 por
cento de reserva, quando a lei determina que quem não
desmatou deve preservar 80 por cento.
O novo Código Florestal já representa um
marco de retrocesso das políticas ambientais
brasileiras e pode abrir a porteira para a
boiada ruralista entrar e desmontar o que
ainda resta de instrumentos para a boa
gestão dos nossos recursos naturais. |
Quem desmatou APP em topo de morro, também está
anistiado.
Quem construiu casa nas áreas de preservação
permanentes, os conhecidos ranchos, também está
anistiado, independentemente da distância em que a
edificação se encontra da água (art. 61-A, § 12). Até
mesmo as nascentes das grandes propriedades que tiveram
suas APPs desmatadas foram objeto de anistia, o que
prejudicará drasticamente a proteção dos recursos
hídricos. Ao invés do raio de 50 m, os infratores só
precisarão recuperar 15 m.
Um dos dispositivos mais
perversos é o que permite que os proprietários ou
posseiros de terra na Amazônia que tem mais de 50 por
cento de reserva legal (a lei exige 80 por cento),
possam utilizar o que exceder os 50 por cento para
constituir servidão ambiental ou cota de reserva
ambiental (art. 68, § 2º). Fazendo isso, o “excedente”
(que não excede nada, pois está aquém dos 80 por cento
estabelecidos na lei) poderá ser utilizado para
compensar a falta de reserva em outras propriedades.
Na prática, isso quer dizer que uma nova área poderá ser
desmatada, mediante compensação por meio de uma
vegetação que já faz parte da reserva legal de outra. Um
verdadeiro estímulo a novos desmatamentos.
A oligarquia ruralista patrocina
irresponsavelmente o retrocesso
Não bastasse esse incrível
retrocesso ambiental inédito na história do país,
representado pela aprovação do novo código, ainda
corremos o risco de ver a situação piorar ainda mais.
A comissão mista criada no Congresso para analisar a
medida provisória tem em sua composição ampla maioria de
parlamentares ruralistas
que votaram a favor do texto aprovado na Câmara, o mais
retrógrado de todos.
Há mais de 700 emendas protocoladas, a maioria delas nos
sentido de desmontar ainda mais os mecanismos de
proteção ao meio ambiente,
em benefício da oligarquia ruralista irresponsável que
patrocinou a mudança da lei. Parlamentares da base
governista e da oposição acenam com a possibilidade de
rejeição aos vetos presidenciais.
Em pleno Século XXI, durante a realização da Rio + 20, é
triste constatar que o Brasil ainda é, em grande medida,
refém de coronéis da política que promovem o desmonte da
legislação ambiental para obter vantagens aos setores
mais atrasados da sociedade.
Só estão aguardando a
Conferência do Rio terminar, a pedido da Presidente da
República, para que ela não passe vergonha perante os
demais chefes de Estado que virão ao Brasil.
Piorando ou não em
decorrência dos próximos desdobramentos em sua
tramitação, o novo Código Florestal já representa um
marco de retrocesso das políticas ambientais brasileiras
e pode abrir a porteira para a boiada ruralista entrar e
desmontar o que ainda resta de instrumentos para a boa
gestão dos nossos recursos naturais.