Produção de etanol segue geopolítica
dos Estados
Unidos |
Se
por um lado a notícia de incentivo à produção do etanol anima usineiros e o
agronegócio em geral, movimentos sociais e entidades de defesa dos direitos
humanos entraram em alerta.
O interesse
pelo etanol (álcool combustível) foi um dos motivos da visita recente do
presidente estadunidense George W. Bush ao Brasil, já
que a perspectiva é de que os Estados Unidos reduzam o consumo de
gasolina em 20% até 2017. A substância, extraída da cana-de-açúcar, é vista
como uma das grandes apostas na geração de energia “limpa” e renovável.
Isso porque
a monocultura da cana substitui a produção de alimentos em diversas regiões
(o que ameaça nossa soberania alimentar), prejudica o meio ambiente, provoca
doenças respiratórias por conta das queimadas e superexplora os cortadores
de cana. Para falar sobre esse assunto, a Radioagência NP entrevistou
Maria Aparecida de Moraes Silva, professora de Sociologia da
Universidade Estadual Paulista (Unesp).
-Professora, como começou o cultivo da monocultura da cana-de-açúcar no
país?
-Historicamente as usinas de cana-de-açúcar em São Paulo surgiram na
primeira metade do século 20. Algumas delas eram importantes até o período
da década de 50, mas de toda a forma eram usinas que produziam, sobretudo, o
açúcar. A partir dos anos 60, houve a instalação de grandes usinas não
somente para a produção de açúcar, mas também de álcool. Essa produção foi
incentivada e na década de 80 ela se estabilizou. Mas na década de 90 houve
novamente um avanço da cultura canavieira no estado de São Paulo e este
avanço é mais notório no ano de 2000. Hoje acontece um verdadeiro “boom” da
cana de açúcar. O estado de São Paulo se transformou praticamente num imenso
canavial e, com esta crise energética atual mundial, a discussão passa a ser
se o etanol é uma alternativa para o fim da produção petrolífera mundial.
-E qual a
relação da monocultura da cana com a produção do etanol como biocombustível?
-Se você
verificar a historia do país, sempre respondemos às necessidades externas e
não às nossas necessidades internas. Produzimos sempre o que os países de
fora estão precisando. Primeiro foi cana-de-açúcar, depois o ouro, o café, a
borracha. Neste momento estamos vivendo esta situação. De acordo com o
avanço cientifico mundial, não sabemos exatamente se o etanol será a grande
alternativa energética do mundo. Mas, neste momento, essa produção do etanol
é uma resposta a esta produção externa e acredito que isto tenha a ver com a
geopolítica desenvolvida pelos Estados Unidos. Produzindo o etanol
para o mercado interno dos Estados Unidos, o Brasil se alia
muito mais à política deles. Então não seriam apenas aspectos econômicos que
poderiam explicar este avanço desta monocultura, mas talvez aspectos
políticos desta geopolítica mundial.
-E quais os
problemas ambientais tanto da monocultura como da produção do etanol?
-Fala-se
que o etanol seria a energia limpa, muito menos poluente que a gasolina. Mas
na medida em que defendemos esta tese, esquecemos os métodos utilizados para
esta produção. A cana precisa ser feita em grandes áreas justamente para
atender a modernização deste grande processo produtivo. Os seus prejuízos já
estão comprovados, porque é uma cultura que depende de muitos agrotóxicos.
Além disto, o método das queimadas, nesta região de Ribeirão Preto, onde eu
vivo, posso te dizer que durante oito meses do ano, nós respiramos fumaça.
Então eu pergunto que energia limpa é esta? Isso sem contar que todos os
caminhões, tratores e máquinas envolvidos nesta produção são movidos a óleo
diesel e não a álcool.
-Por que
existe tanta incidência do trabalho escravo na monocultura?
-Primeiramente, é melhor a gente pensar bem que tipo de trabalho é esse. À
primeira vista, não é trabalho escravo porque esses trabalhadores recebem um
salário. Quem são esses trabalhadores aqui em São Paulo? Na sua maioria não
são paulistas. Eles são nordestinos. São do Maranhão, Piauí, Paraíba, Ceará,
Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte e norte de Minas Gerais.
No ano passado, só no estado de São Paulo, a previsão da Pastoral do
Migrante foi de que aqui estiveram 200 mil trabalhadores migrantes. Na
década de 80, por exemplo, o trabalhador era obrigado a cortar, em média, de
cinco a oito toneladas de cana por dia. No ano passado, eles já estavam
sendo obrigados a cortar de 12 a 15 toneladas de cana por dia. Não se aceita
o trabalhador que corte menos do que dez toneladas por dia. Houve, com o
passar do tempo, uma imposição muito grande dos níveis de produtividade e,
conseqüentemente, é um trabalho que demanda muita energia e resulta em um
desgaste muito grande da força de trabalho.
Gisele
Barbieri
Radioagência
NP
26 de marzo
de 2007
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