Vista
do Cerrado |
O Cerrado é conhecido como "pai das águas". Ele é responsável
por abastecer as principais bacias hidrográficas
do país. Em seu território estão as nascentes do
rio São Francisco e seus afluentes, como o
Samburá, o Santo Antônio e o do Peixe, além do
rio Grande, que deságua no Paraná. A fauna e a
flora são riquíssimas e guardam muitas espécies
ameaçadas de extinção. Na Serra da Canastra,
foram identificadas mais de 300 espécies de aves
e 7 mil de plantas.
No município de Lagoa da Prata, já existe uma usina de açúcar
desde a década de 1970, de propriedade de
Antonio Luciano, "coronel" e latifundiário,
conhecido como um dos maiores grileiros de Minas
Gerais. Mais recentemente, a transnacional
francesa
Louis Dreyfus adquiriu essa usina e expandiu o monocultivo de cana-de-açúcar
para a produção de etanol. Nos últimos dois
anos, outras empresas passaram a participar do
processo de expansão da monocultura da cana na
região.
Destruição
Os efeitos são devastadores. Na fazenda de Antonio Luciano,
chegaram até a desviar o curso do rio São
Francisco para facilitar o escoamentoda produção,
sem licença ambiental ou estudos técnicos.
Tanto no período inicial de implantação da cana, como nessa
fase recente, a monocultura substitui áreas de
lavouras e criação de gado, além de destruir as
reservas florestais e a mata ciliar. Na
implantação dos plantios, as empresas fazem
queimadas clandestinas das matas nativas à noite,
derrubam e enterram as árvores, para fugir da
fiscalização.
"Hoje é comum encontrarmos animais mortos nas estradas,
fugindo da devastação das matas. Já encontramos
lobo, raposa, tamanduá-bandeira, tamanduá-mirim,
lontra, quati, tatu, serpente, garça, coruja e
lagarto, além de peixes mortos no rio, como
surubins, que chegam a pesar 40 quilos. Plantam
cana até na beira dos rios e das lagoas", afirma
Francisco Colares, professor de zoologia
na Universidade de Iguatama. Segundo Colares,
a usina de Lagoa da Prata utiliza a água do São
Francisco em todo o processo de produção para
irrigação durante o cultivo, para lavar a cana
depois da colheita e para resfriar as caldeiras
no processamento. Em um dos pontos de captação,
o bombeamento é de 500 litros por segundo
quantidade de água suficiente para abastecer
todo o município.
Crescimento
O processo de expansão é intenso. A empresa Total constrói
uma usina em Bambuí e está prevista a
implantação de mais outras três na região duas
em Arcos e uma em Iguatama, além da expansão da
produção em Lagoa da Prata. O cultivo de cana
chega até a Zona de Amortecimento do Parque
Nacional da Serra da Canastra, considerada pelo
Atlas da Biodiversidade em Minas Gerais como
sendo de importância biológica extrema.
O parque fica entre as nascentes do São Francisco e a bacia
do rio Grande. A preservação da Zona de
Amortecimento (a área circundante ao parque) é
essencial para garantir sua conservação. A
produção de cana no local causa grande impacto,
por seu potencial invasor, o intenso uso de
agrotóxicos, entre outros. A usina Itaiquara se
instalou no município de Delfinópolis e plantou
cana em áreas de preservação permanente,
próximas ao grande reservatório de águas de
Furnas. Joaquim Maia Neto, chefe da
unidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(IBAMA), responsável pelo Parque Nacional
da Serra da Canastra, conta que a cana chega até
a margem do reservatório.
"Plantam praticamente dentro da água. Desmataram a área e
praticaram queimadas, o que representa um grande
risco a toda região. O Ministério Público moveu
uma ação contra a empresa e esperamos que a área
seja recuperada em breve, e os responsáveis,
punidos pelo dano ambiental. É necessário que os
órgãos competentes fiscalizem essa atividade,
pois a monocultura traz sérios problemas
ambientais. O Brasil deveria priorizar
uma agricultura diversificada", afirma.
Cercados de cana
O Secretário de Agricultura e Meio Ambiente do município de
Luz, Dario Paulineli, descreve outros
impactos na região: "A cana se expandiu
rapidamente nos últimos anos. A empresa
Louis Dreyfus fez muitos contratos de arrendamento com agricultores locais,
e o impacto ambiental foi enorme. A usina aplica
o veneno de avião e atinge os agricultores
vizinhos e a população das cidades. Desmatam
madeira de lei, árvores protegidas por lei como
o pequizeiro e a gameleira, plantam cana perto
das nascentes dos rios, não respeitam os estudos
de impacto ambiental. Muitos animais estão
morrendo com a devastação das matas".
Para o agricultor Gaudino Correia, não vale a pena
arrendar a terra. "Os contratos são de 12 anos,
e depois disso a cana já acabou com tudo. A
usina usa máquinas pesadas para preparar a terra
e causa erosão do solo. Depois, queimam a cana e
a cinza se espalha por toda a região. Eu não
quis arrendar e estou cercado de cana. Aqui não
tem mais terra para lavoura, e por isso subiu
tanto o preço dos alimentos.
Meus vizinhos deixaram de produzir milho, feijão, café, leite
e arrendaram a terra para a empresa Total. Eu
ainda planto milho, feijão e produzo leite, mas
para o produtor o preço não aumentou, só para o
atravessador e para a população. Ainda consigo
produzir leite porque faço a ração. Se fosse
comprar, não sobrava nenhuma renda. O preço da
ração aumentou 50 por cento e fica difícil criar
animais", descreve. O agricultor Sebastião
Ribeiro tem a mesma posição. "A usina
insistiu, mas eu não quis arrendar minha terra.
Meus vizinhos arrendaram e depois fi caram com
depressão, porque é o mesmo que perder a terra.
O que vai acontecer se os agricultores deixarem
de plantar alimentos?", indaga. Ribeiro
explica também que a usina faz irrigação da cana
com pivô central, usando água do São Francisco.