Poucos estudos
têm sido produzidos para entender as transformações sociais
que regem os processos sucessórios na agricultura familiar,
contudo, já não há mecanismos seguros que garantam a
permanência da juventude rural junto às propriedades dos
pais, o que parece demonstrar que estes não vislumbram
expectativas e atrativos que venha a transformar o meio
rural em um local adequado para o projeto de suas vidas.
Deve-se promover uma reflexão incômoda e necessária buscando
responder se as atividades agrícolas conferem o status de
profissão aos agricultores e de como a agricultura é vista
pelo conjunto da sociedade no que diz respeito a sua função
social.
A meio
rural está envelhecendo e masculinizando
(Camarano e Abramovay, 1998).
Os
agricultores têm mais de 55 anos, tem baixa escolaridade,
tem dificuldade de produzir renda regular, sendo este um dos
tantos fatores que geram dificuldades para fazer com que os
filhos permaneçam nas propriedades.
Os filhos por sua vez têm escolaridade mais elevada,
cresceram com uma cultura diferente da dos pais e
incorporaram parte do modo de vida urbana; além de não terem
sido preparados para a gestão frente aos desafios da
produção e mercados da atualidade e vêem poucos atrativos
para continuar a profissão dos pais.
Esse fenômeno cabe na concepção das “rupturas” da
agricultura descritas por Hervieu (1990), no tocante a
ruptura demográfica,
característica
da metade do século XX, quando há uma rápida redução da
população que se ocupa das atividades agrícolas, ao mesmo
tempo em que aumenta a idade dos chefes das propriedades
rurais.
População Rural/Total - Brasil |
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Projeção
da FAO
Fonte: CEPAL/IBGE/FAO |
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Para o exercício profissional na agricultura familiar pelos
jovens está implícito, além do aprendizado de ofício de
agricultor, a gestão do patrimônio imobilizado em terras,
instalações e equipamentos.
Gasson e Errington (1993) destacam três partes: a sucessão
do oficio profissional, que significa o preparo para a
gerência do negócio e da capacidade de utilização do
patrimônio para a próxima geração; a transferência legal da
propriedade da terra, instalações e equipamentos existentes;
e, a aposentadoria, quando diminui o trabalho e, sobretudo,
o poder de mando da atual geração a gestão da propriedade.
Até final da década de 60 a reprodução era garantida através
da expansão agrícola (“colocar os filhos”) pressão moral
pela continuidade da profissão de agricultor, “ética da
continuidade” (Munton, Marsden, Ward, 1992).
A terra foi transformada em ativo
que pode ser convertido em capital
(dinheiro), dessa forma, ela se
transforma em mercadoria e sua
valorização está muito mais
relacionada ao valor de troca do que
ao valor de uso. |
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Nessa visão, os esforços das famílias alocavam seus recursos
materiais e humanos para propiciar a “colônia” de terra para
os filhos mais velhos especialmente em áreas de expansão
agrícola (Oeste de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso), e o
mais novo (minorato, ultimogenitura) era alçado à condição
de futuro sucessor da propriedade familiar.
A partir da década de 70; o padrão da sucessão foi alterado,
há agora a repartição patrimonial dos bens, onde todos
recebem terra e capital igual, o que pode representar uma
grande dificuldade quando o tamanho da propriedade for
pequeno, o que resultará em inviabilidade para todos, em
virtude do parcelamento das terras, transformando-as em lote
pequenos demais incapazes de garantir a sobrevivência.
A terra foi transformada em ativo que pode ser convertido em
capital (dinheiro), dessa forma, ela se transforma em
mercadoria e sua valorização está muito mais relacionada ao
valor de troca do que ao valor de uso.
Os estudos sobre o tema parecem concordar que há um
despreparo e uma despreocupação quanto à sucessão,
demonstrando que um contingente bastante significativo de
propriedades que não tem nenhum sucessor, nos casos pela
Univates (2005) no Vale do Taquari (RS), o percentual foi de
32,5%, e no estudo de Mello et. al., (2003) em Santa
Catarina foram de 78% para os rapazes e 75% das moças que
ainda não tinham sido escolhidos. As respostas dos pais
foram de 61%.
A pesquisa realizada pela Univates (2005) enumera alguns
fatores que externalizam as escolhas dos jovens a ficar ou
abandonar as propriedades rurais paternas.
Fatores que atraem os
jovens para a área
urbana, na opinião dos
responsáveis das atuais
propriedades |
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Fatores que mantêm os
jovens na área rural na
opinião dos responsáveis
das atuais propriedades |
-
Salário constante
-
Trabalho menos
penoso
-
Mais tempo livre
(férias,
fim-de-semana livre)
-
Possibilidade de
estudo
-
Liberdade de escolha
de opções de
trabalho
-
Ilusão
-
Possibilidades
maiores de
aposentadoria
-
Mais lazer
-
Vida social mais
intensa
-
Melhor Status
|
|
-
Apego e amor a terra
-
Custo de vida mais
barato
-
Um lugar mais seguro
-
Ser dono de seu
próprio negócio
-
Melhor qualidade de
vida
-
Garantia de trabalho
-
Tradição
-
Dificuldade de
arrumar emprego
-
Vocação
-
Mais próximo á
família
-
Melhor remuneração
|
|
Fonte dos dados: Pesquisa Dinâmica
populacional e a sucessão na
agricultura
familiar do Vale do Taquari –
UNIVATES / FETAG / MDA (novembro de
2005) |
|
O pai é a
figura central no processo sucessório na agricultura
familiar, que tem para o poder para decidir qual o momento e
a forma da passagem das responsabilidades de gerenciamento e
gestão do estabelecimento para a próxima geração.
O meio
rural é um local sabidamente conservador que por vezes cria
dificuldades na relação entre pais e filhos no tocante à
administração dos negócios da propriedade, que via de regra,
os pais somente atribuem responsabilidades aos filhos nos
destinos da sucessão quando se aposentam, enquanto os filhos
gostariam de ter este poder antecipado.
O que o Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais pode fazer?
A
inserção do tema da sucessão rural
deve ser a prioridade número um do
MSTTR, dado que esta não é apenas um
problema referente a sucessão nas
propriedades agrícolas, mas, tem a
ver também com a reposição de
lideranças e dirigentes nos posto
dos sindicatos e demais instâncias
do movimento sindical. |
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Os agricultores familiares e suas organizações
representativas ainda não deram a devida atenção que o tema
merece, cujo desafio posto é a continuidade da agricultura
familiar enquanto categoria social e econômica, expresso
como uma das tantas transformações que vem ocorrendo no meio
rural que encontra dificuldades em se transformar em agenda
positiva.
A inserção do tema da sucessão rural deve ser a prioridade
número um do MSTTR, dado que esta não é apenas um problema
referente a sucessão nas propriedades agrícolas, mas, tem a
ver também com a reposição de lideranças e dirigentes nos
posto dos sindicatos e demais instâncias do movimento
sindical.
Para tanto, deve-se aproximar e fortalecer relações
institucionais com universidades, centros de pesquisa, a fim
de produzir conhecimentos sobre o tema e, internamente ser
objeto de discussões nos cursos de formação do Instituto de
Formação Sindical Irmão Miguel (IFSIM), ao mesmo tempo em
deve ampliar a inserção e discussão de temas conexos com a
educação no meio rural, inserindo conteúdos adequados à
realidade da agricultura familiar.
A
pluriatividade deve ser um assunto a ser ampliado a sua
discussão, podendo esta, se converter em uma alternativa de
ampliação de renda nas propriedades rurais, onde haja esta
vocação, dada a insuficiência de renda das atividades
exclusivamente agrícolas.
A criação de assessoria de planejamento e gestão para a
sucessão da profissão de agricultor familiar pode ser um
passo significativo a dar um novo sentido à função social
dos agricultores e valorização da agricultura familiar, como
elemento estratégico para a reorientação das políticas
públicas que visam o desenvolvimento rural.
Eliziário Noé Boeira Toledo
1
29 de julho de 2008
Referências:
ABRAMOVAY, R. et. al.
Juventude e agricultura familiar: desafio dos novos
padrões sucessórios.
2. ed. Brasília: Edições
Unesco, 1998. 101 p
CAMARANO, A. A.; ABRAMOVAY,
R. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil:
panorama
dos últimos cinqüenta anos.
Revista Brasileira de Estudos de População, v. 15, n. 2,
p. 45-66, jul./dez. 1998
GASSON, R.; ERRINGTON, A. The farm family
business.
Wallingford: Cab International, 1993.
MELLO, M. A. A
trajetória da produção o e transformação do leite no Oeste
catarinense e a
busca de vias alternativas.
1998. 165 p. Dissertação (Mestrado)
Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 1998
HERVIEU, B. L’Agrilcture en
Ruptures. Alternatives Economiques, Paris, n.90, 1990
MUNTON, R.; MARSDEN, T.;
WARD, N. Uneven agrarian development and the social
relations of farm households. In: BOWLER I.; BRYANT, C.;
NELLIS, D. Contemporary rural systens in transition
Wallingford: Cab
International, 1992.v. 1
UNIVATES/FETAG/RS. (2005).
Dinâmica populacional e sucessão na agricultura familiar no
Vale do Taquari,
pesquisa de opinião pública.
UNIVATES/FETAG/RS/MDA. Dezembro
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