Cresce entre a população européia o movimento
contra os transgênicos, já proibidos em vários
países. França, Hungria e Polônia, principais
produtores europeus de cereais, proibiram o
cultivo de milho transgênico em seus territórios
e a Alemanha está no caminho de fazer o mesmo.
Na Espanha e em Portugal, dois redutos da
produção de milho transgênico, cresce
questionamento sobre benefícios do cultivo.
As pressões da presidência da Comissão Européia
não conseguiram dar um impulso nos transgênicos.
Apesar do poder do órgão executivo do bloco, os
países da União Européia vão gradualmente
desistindo destes cultivos. Isto se deve em
grande parte às dificuldades para convencer os
agricultores europeus deste modelo impulsionado
por grandes multinacionais da indústria
agroalimentar, mas também pelos crescentes
protestos da sociedade civil, que reclamam dos
governos um papel ativo, segundo uma
especialista entrevistada pela IPS.
Os organismos geneticamente modificados (OGM),
comumente chamados de transgênicos, são
variedades obtidas em laboratório, por meio da
introdução de genes de outras espécies, animais
ou vegetais, para melhorar propriedades ou dar
resistência a fatores externos. Para a alteração
genética são utilizados vetores, como vírus ou
bactérias. Na Espanha e em Portugal,
dois redutos da produção de milho transgênicos
com as maiores áreas plantadas na União
Européia, se começa a questionar os
benefícios de plantar e colher essas variedades
do cultivo originário da América, onde foi
alimento básico de várias culturas aborígines.
O milho demorou a entrar na Europa devido
à sua presença nas zonas americanas dominadas
pelos espanhóis, que durante a era católica da
Santa Inquisição consideravam que não se devia
comer alimentos dos indígenas porque estes não
eram “filhos de Deus”. Muito usado hoje como
ração para animais, o milho foi objeto de uma
forte polêmica inclusive dentro da Comissão
Européia. Por um lado, seu presidente, José
Manuel Durão Barroso, defende um aumento
significativo da produção de milho transgênico
na UE, apesar da oposição do comissário
europeu de Meio Ambiente, Stavros Dimas.
Em outubro de 2007, Dimas propôs aos
demais membros do Executivo do bloco de 27
países proibir o cultivo das variedades
transgênicas Bt-11 e 1507, devido a evidências
científicas sobre seu impacto ambiental
negativo. “Mas, o senso majoritário na Comissão
é a favor dos OGMs, e a decisão final foi adiada
duas vezes por falta de consenso”, explicou à
IPS a bióloga portuguesa Margarida Silva,
coordenadora nacional da Plataforma Transgênicos
Fora, integrada por 12 organizações
não-governamentais de Portugal da áreas
de meio ambiente e agricultura, associada ao
seus congêneres do bloco.
Barroso tentou convencer Dimas a levantar
sua objeção em abril deste ano, a tempo de pedir
uma avaliação à Autoridade Européia de Segurança
Alimentar, “com o propósito de retirar
legitimidade da proposta do comissário”, disse a
bióloga e catedrática universitária. “Não é
muito o que os europeus podem fazer, mas a força
dos números continua jogando a nosso favor, e
com eles podemos fortalecer Dimas”,
ressaltou. Esta especialista explicou que “na
sociedade civil de toda a Europa cresce o
movimento contra os transgênicos, já proibidos
em vários países”.
As políticas da União Européia nessa área
se baseiam na Regulamentação 1829 sobre
alimentos e rações geneticamente modificados,
adotada em 2003, e na Diretriz 18 de 2001, sobre
liberação deliberada de transgênicos no meio
ambiente. De acordo com essa norma, o cultivo e
consumo de OGM só pode ser autorizado após uma
“rigorosa avaliação de seus riscos”. O estudo de
riscos para a saúde humana e animal é
responsabilidade da Autoridade Européia de
Segurança Alimentar. Mas, a autorização dos OGM
depende em última instância dos países do bloco.
No centro da polemica está o milho, um dos
quatro alimentos básicos da humanidade, junto
com o arroz, o trigo e a batata, segundo a
Organização das Nações Unidas para a Agricultura
e a Alimentação (FAO), e que tem produção de 677
milhões de toneladas por ano, destinada em sua
maior parte à alimentação animal. Do total da
produção global, o continente americano responde
por 58%, boa parte cabendo aos Estados Unidos,
berço dos OGM. Este país é o primeiro produtor,
com quase a metade do volume mundial. Suas
plantações consomem grandes quantidades de
fertilizantes e herbicidas e incorporam
variedades hibridas e transgênicas.
Os críticos como Margarida Silva lembram
que já foi provado que a abundante quantidade de
herbicidas usados em plantações transgênicas
contamina os solos, e a diversidade de espécies
também está em risco. Os críticos também dizem
que os grãos geneticamente modificados
desenvolvem imunidade, exigindo doses mais
fortes de agroquímicos, prejudicando o meio
ambiente e levando a uma uniformização das
sementes, que terão cada vez mais as mesmas
características. Também rebatem o argumento de
que as plantações transgênicas, por sua grande
produtividade, podem colaborar para elevar a
produção de comida e acabar com a fome no mundo.
“O interesse não é esse, mas os grandes
agronegócios de exportação, atualmente voltados
à indústria transgênica”, disse a especialista.
Os defensores da opção transgênica garantem que
não há outra saída diante da duplicação da
população mundial nos próximos 40 anos, que
obrigará a aumentar a produção alimentar em
cerca de 250%. Na Península Ibérica
existe um grande movimento unificado para
conseguir uma moratória no cultivo de
transgênicos, seguindo a decisão adotada em
março pela França apelando à chamada
“cláusula de salvaguarda”, que permite aos
membros da União Européia passar por cima
da direção comunitária.
Margarida Silva
recordou que Paris baseou sua decisão “em um
conjunto de 25 estudos científicos que apontam
para a existência de riscos para o ambiente, a
agricultura e a saúde humana quando é usada a
variedade de milho geneticamente modificado”. Em
Portugal, a especialista deu como exemplo
a região de Alentejo, que compreende um terço
dos 92 mil quilômetros quadrados do território
nacional, onde “metade das propriedades
abandonaram o cultivo de transgênico”. Os
agricultores preferem “tecnologias práticas mais
eficazes, que apresentem menos riscos para o
ambiente, a saúde humana e para a própria
economia”, afirmou.
Embora, “contrariando a lei, o Ministério da
Agricultura insista em não divulgar dados, o
quadro português aponta para um ciclo de
experimentação e posterior abandono dos cultivos
transgênicos por uma quantidade significativa de
produtores”, afirmou Margarida Silva.
Essa tendência “é conseqüência de um estudo da
UE recentemente divulgado, em que de três
regiões estudadas, o cultivo de milho
transgênico não propiciava nenhuma vantagem
econômica aos produtores de duas delas”,
acrescentou.
A bióloga recordou que o experimento dos
transgênicos na Península Ibérica esteve
desde 2005 a cargo principalmente da Pioneer
Hi-Bred International, a companhia de
sementes do grupo norte-americano DuPont,
e da empresa suíça Syngenta, “firmas com
amplo histórico de contaminação da agricultura
européia”. Além de Portugal, os
experimentos destas multinacionais “já afetaram
agricultores na Alemanha, Áustria,
Croácia, Eslovênia, Espanha
e Itália”, ressaltou Margarida Silva.
Quando França, Hungria e
Polônia, principais produtores europeus de
cereais, proíbem o cultivo de milho transgênico
em seus territórios e a Alemanha está no
caminho de fazer o mesmo, os países ibéricos
deveriam seguir o mesmo rumo, recomendou a
especialista. Ela fustigou a autorização por
três anos dada pelo governo português às duas
multinacionais que se associaram para
experimentos nas comarcas de Monforte e Rio
Maior, no centro do país, e em Ponte da Barca,
no extremo norte.
A luz verde para Syngenta e Pioneer
“não tem sentido econômico, é imoral e põem em
risco toda a imagem verde a natural dessas áreas
municipais e suas respectivas potencialidades
turísticas, com uma aprovação cujo objetivo é
aplicar mais herbicidas em um país que já sofre
o excesso de consumo de agroquímicos”, disse
Margarida Silva.
Mario de Queiroz
Carta Maior
9 de setembro de 2008