A
fotografia utilizada pelo coronel uruguaio Manuel Cordero para atestar
saúde frágil, e assim comover as autoridades brasileiras na esperança de evitar
a extradição, mostra um senhor esquálido de inspirar dó. As faces chupadas, o
cabelo em desalinho, o olho esquerdo caído, o da direita embaçado, os lábios
como a pedir uma colher de sopa, a testa vincada de rugas, tudo configura os
penares de um avô solitário.
Mas o retrato é enganador. O passado do militar que se refugiou em Santana do
Livramento é de crimes de lesa-humanidade. Manuel Cordero, aliás
Manolo ou 303, foi um dos mais implacáveis agentes da Operação Condor – o
pacto secreto entre as ditaduras militares da Argentina, do Chile,
do Uruguai, do Paraguai, da Bolívia e do Brasil para
caçar adversários políticos além das fronteiras, na década de 1970 e início dos
anos 1980.
O
coronel Cordero integrava o temido OCOA (Organismo Coordenador de
Operações Antissubversivas), um dos ramais da Condor, que perseguia uruguaios
escondidos na Argentina. O OCOA mantinha um centro de torturas em
Buenos Aires, a Automotores Orletti, exclusivo para prisioneiros políticos do
Uruguai capturados no país vizinho.
Se for mesmo extraditado para a Argentina, Manolo ou 303, aliás
Cordero, terá de se explicar sobre o seu envolvimento nas atrocidades
cometidas na Orletti – um garajão de carros usado para triturar ossos e mentes.
Pesa contra ele, além de torturas e sequestros, o assassinato do senador
Zelmar Michelini e do deputado federal Hector Gutiérrez Ruiz, líderes
da oposição uruguaia apanhados em Buenos Aires, em maio de 1976.
A
expressão sofrida da fotografia esconde outra maldade. Cordero está
implicado no sequestro do filho recém-nascido da professora uruguaia Sara
Rita Mendez, torturada quando asilada em Buenos Aires. Levado em 1976,
Simon Riquelo só foi reencontrado pela mãe 26 anos depois. Fora rebatizado e
adotado por outro casal, simpático aos repressores.
Com sua aparência debilitada, Cordero talvez ficasse esquecido na
aprazível Livramento, longe das suas vítimas que clamam por justiça. O azar dele
é que o ativista de direitos humanos Jair Krischke, de Porto Alegre,
jamais desistiu de denunciar as artimanhas de Manolo, os embustes do 303.
Fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Krischke é chamado
de “El Sabueso” (farejador) no Cone Sul pela abnegação com que localiza
predadores de gente. Este nunca maquiou seu retrato.
Nilson Mariano
Zero Hora
14 de agosto de
2009