O campo pede justiça
Durante os dias 29 e
30 de junho, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI),
como a cada ano, realizou em Belém, capital do estado, o Grito da
Terra Pará, que reuniu mais de mil agricultores e agricultoras. Desta
vez, o contexto foi particularmente trágico, já que nas últimas
semanas foram assassinadas na região cinco pessoas vinculadas a
conflitos pela terra. A Rel-UITA participou dessa importante
mobilização contra a violência no campo, pelo fim da grilagem e por
uma reforma agrária integral.
Sob o lema "O
Campo Pede Justiça", o
Grito da Terra Pará
realizou duas jornadas de intensa mobilização durante as quais houve
audiências com vários órgãos do governo federal e estadual de
justiça, nas quais foram colocadas as reivindicações da
FETAGRI-PA.
Na análise que fundamentou esta ação, a
Federação filiada à Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG) lembra que "Ao longo de sua história, a
FETAGRI-PA esteve presente em todos os debates relativos à
violência no campo e à propriedade da terra, deixando claro a cada
momento que entre os seus princípios estão o de respeito irrestrito
à lei e ao cumprimento das decisões judiciais.
Então, hoje nós podemos levantar a
nossa voz acima de todas para lançar um lema que é ao mesmo tempo um
aviso, um alerta e uma advertência: O Campo
Pede Justiça".
Esta análise se amplia quando clamar por
justiça não se restringe apenas à investigação e punição dos crimes
cometidos contra trabalhadores e trabalhadoras rurais e seus
representantes, mas também ao se clamar por justiça com a terra, por
justiça social, justiça ambiental, bem como cobrar a dívida que os
poderes públicos têm com a população rural.
"Essa dívida histórica, –afirma o
documento da FETAGRI-PA- faz com que o estado do Pará
apresente índices preocupantes como: 'campeão' de mortes no campo;
maior quantidade de trabalhadores escravos do país; uma das cifras
mais altas de grilagem na Amazônia; e uma absoluta impunidade que
tanto caracteriza o poder público paraense".
Segundo cifras da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
entre 1985 e 2010 houve 1.186 assassinatos ligados a
conflitos pela terra, dos quais apenas 91 chegaram aos
tribunais e só um mandante permanece na prisão. |
Lembremos que a FETAGRI-PA, em
2006, sugeriu ao Tribunal de Justiça do Estado a criação de uma
Comissão de Inquérito e Acompanhamento sobre os Crimes contra
Trabalhadores Rurais, visando a retomar os 588 casos de violência no
campo registrados nos últimos anos, denunciando que na maioria deles
nem sequer foi aberto um processo judicial.
O documento afirma que segundo
cifras da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), entre 1985 e 2010 houve 1.186 assassinatos ligados aos
conflitos por terras, dos quais apenas 91 chegaram aos tribunais e
só um mandante permanece na prisão.
Também se denuncia que o Pará é o
estado com o maior número de trabalhadores escravos libertados,
entre os quais não é raro encontrar crianças. Os casos de
reincidência são bastante comuns.
Quanto à grilagem, basta mencionar
que a
Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo
e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem,
criada em 2007 e integrada por vários organismos do governo estadual
e da justiça, bem como por organizações sindicais e sociais,
constatou que se os registros da terra que figuram
nas secretarias do estado fossem válidos, –quase 500 milhões de
hectares-, o Pará teria uma área 3,8 vezes superior ao seu tamanho
real (125 milhões de hectares).
Com base nesta síntese de razões,
o Grito da Terra Pará
realizou audiências com o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), que teve a participação do
presidente Celso Lisboa, juntamente com um representante do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da FETAGRI
e de delegados das várias organizações sociais rurais do estado, que
um a um, foram expondo as suas necessidades e problemas vinculados
com a ausência de uma política sólida de reforma agrária e de
distribuição de terras para a agricultura familiar, mandato que, no
entanto, aparece nos próprios estatutos do INCRA como sua
primeira e fundamental missão.
O presidente Lisboa, as
autoridades locais do INCRA e o representante do MDA
se comprometeram a realizar gestões rápidas destinadas a desbloquear
terras e documentação para que os acampados e assentados possam
regularizar suas situações e ter acesso a créditos especiais
destinados a apoiar a agricultura familiar. Admitindo a justiça das
reivindicações, Lisboa explicou que "para satisfazer as
demandas o instituto precisa de um caminhão, mas como recurso tem
apenas uma motocicleta”.
Um
grileiro matou impunemente um vizinho que ainda não
tinha o título de sua propriedade, para poder retirar
madeira de suas terras e colocar gado. Este assassino
também ameaçou de morte toda a população local e não
permite que ninguém lhe dirija a palavra, se por acaso
topem com ele nas estradas rurais ou no centro da cidade. |
Carlos Guto Santos,
presidente da FETAGRI, disse que embora a resposta do
INCRA é por enquanto insatisfatória, há uma perspectiva de
trabalhar em conjunto para melhorar o que já foi conquistado. Ele
também ressaltou com forte ênfase a necessidade de, em breve, ser
feita uma reunião multipartite em Brasília, sede do governo federal,
com a presença de todos os organismos vinculados com os problemas
das populações rurais, para obter uma visão completa da situação e
de como devem ser articulados os esforços para encontrar e
implementar soluções.
O Grito
da Terra também se reuniu com o presidente
do Instituto de Terras do Pará (ITERPA), em
uma reunião com seu presidente, Carlos Lamarão.
Uma delegação de várias organizações
lideradas pela FETAGRI-PA também expuseram ali que os
numerosos conflitos vividos pelas populações rurais, como os
quilombolas, que são numerosos na região, grupos de assentados à
espera de seus títulos de propriedade, alguns esperam há 25 anos,
população esta acampada na beira das estradas em regiões isoladas,
esperando seu pedaço de terra para trabalhar e que estão vivendo em
extrema pobreza, sem acesso aos serviços de saúde e sem
possibilidades de produzir seu próprio alimento.
Durante a reunião, um agricultou deu
depoimento pessoal de como um grileiro matou impunemente um vizinho
que ainda não tinha o título de sua propriedade, para poder retirar
a madeira de suas terras e colocar gado. Este assassino também
ameaçou de morte toda a população local e não permite que ninguém
lhe dirija a palavra, se por acaso topem com ele nas estradas rurais
ou no centro da cidade.
Outros delegados informaram que se
aproveitando da mudança de governo, que se baldeou para a direita na
última eleição, está havendo a reintegração de terras para grileiros
que já as tinham abandonado, incluindo até mesmo as terras onde já
existem pessoas assentadas faz anos com a devida autorização
oficial, mesmo sem terem a documentação final como proprietários.
Carlos Lamarão, como presidente
do ITERPA há três meses, tomou nota de todas as
reivindicações, prometeu uma solução rápida e aceitou um mecanismo
de contato permanente com as organizações sociais para dar
seguimento a todas as questões levantadas e à situação geral de
distribuição de terras no estado.
Finalmente, o
Grito da Terra se dirigiu
ao Tribunal de Justiça do Estado, onde vários delegados e delegadas
foram acolhidos pelas autoridades judiciais que receberam o alerta
da FETAGRI-PA: "O Campo Pede Justiça".
Hoje, 1 de julho, dirigentes e delegados
da FETAGRI-PA farão um balanço do processo e das conquistas,
para então divulgá-lo nas bases e decidir o rumo das ações futuras,
o que será assunto para um próximo artigo.
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