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Frente em Defesa da Amazônia denuncia

"Ação da Cargill em Santarém é uma agressão ao meio ambiente e à dignidade nacional"

 

O fechamento do porto da Cargill em Santarém, determinado pela Procuradoria Geral do Estado do Pará, assim como a sua absurda reabertura sem a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental, as ameaças de morte contra a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade, Maria Ivete Bastos, o crescimento das áreas devastadas e o reconhecimento nacional e internacional à luta da Frente em Defesa da Amazônia, levaram o Portal do Mundo do Trabalho até a cidade portuária vitimada pela multinacional norte-americana.

 

Nesta entrevista, o representante da Frente, padre Edilberto Moura Sena, de 64 anos, "filho da Teologia da Libertação", fala sobre a gravidade dos desmandos da multinacional e a necessidade de que a lei chegue para fazer justiça frente à mega-exploração. Recentemente, padre Edilberto acompanhou liderança dos trabalhadores rurais, Maria Ivete Bastos, à Índia, onde ela recebeu das mãos da ativista e escritora Wandana Shiva, dirigente da Navdanya, entidade que luta pela defesa das sementes tradicionais, o prêmio Mahatma Gandhi.

 

-"Como amazônida, mais que ambientalista", qual a sua posição sobre a instalação da Cargill em Santarém?

-Eu me preocupo de ver o imbróglio da Cargill. Uma empresa estrangeira, que se instala no nosso país violando a Constituição brasileira e depois briga com muito recurso para se manter funcionando, é uma agressão à nossa dignidade nacional. Mas, lamentavelmente, uma parte da nossa população, especialmente a elite econômica e política da região, defende essa empresa estrangeira instalada à revelia da lei aqui no Pará.

 

-Quando começaram os abusos?

-Isso já vem desde 1999, quando a Cargill chegou aqui e resolveu destruir uma praia popular, bem na frente da cidade, a praia de Vera Paz. Com isso, ela destruiu duas coisas: a geração de renda para famílias pobres, que tinham baiúcas de vender churrasquinho e bebidas ali na praia. Na época, fizemos o levantamento, 20 famílias ficaram sem sua fonte de renda. Além disso, perdemos uma praia pequena, na frente da cidade, que era popular, porque ninguém precisava pagar ônibus para chegar. Terceiro: a empresa aterrou um sítio arqueológico, o que foi comprovado pela arqueóloga Ana Roosevelt. Este foi o primeiro grave problema na época, com a conivência do governo do Estado do Pará e das Docas do Pará, que é um departamento federal, que estava contente em arrendar uma área do seu porto – que eu não sei exatamente nem quanto paga anualmente – e o Estado do Pará, que não se sabe quanto ganhou neste jogo, mas que deu uma "licença" provisória que é ilegal.

 

-Uma armação descarada...

-Foi baseada nesta "licença" que a Cargill construiu seu monstro do Lago Ness, isto é, o monstro do Rio Tapajós. Deste porto você pode colocar a foto na reportagem, porque é uma agressão a uma cidade preparada pela natureza e por Deus para ser uma cidade turística. Invadiu o rio Tapajós, privatizou não apenas a praia, mas a enseada do Rio. Hoje, se algum pobre colocar algum bote ali naquela enseada, imediatamente vem um guarda da Cargill, quer dizer privatizou tudo.

 

-Como a denúncia contra a Cargill ganhou essa proporção?

-Nós da frente em Defesa da Amazônia denunciamos este fato da empresa estar fazendo uma agressão à Constituição. O Ministério Público Federal, à época na responsabilidade de Felício Pontes, que hoje é o procurador geral do Estado, acatou a nossa denúncia e processou a Cargill. Como a Cargill é poderosa financeiramente e arrogante na sua política, e você deve ter muitos exemplos da arrogância dela no Sul do país, lá na Índia e em outros lugares do mundo, ela não ligou para o Ministério Público e continuou seu trabalho. No ano 2000 um juiz federal em Santarém sentenciou a Cargill, mandando-a paralisar o serviço e realizar o Estudo de Impacto Ambiental, este é o xis da questão. O EIA-Rima. A Cargill não ligou, recorreu, e assim, de liminar em liminar, os anos foram correndo e chegou até agora quando finalmente o Tribunal Regional Federal decretou que o juiz de Santarém estava certo desde aquela época e que a ordem era a de paralisar o porto e fazer o Estudo. Foi então que o Ibama paralisou o porto (há um mês). A Cargill não se conformou e recorreu novamente, embora conforme o Tribunal dizia, não cabia mais recurso... Ela recorreu. Agora, a Cargill veio com uma outra conversa dizendo que ela estava disposta a fazer o EIA-Rima, contanto que deixasse o porto funcionando, pois ela iria ter prejuízo econômico, iria prejudicar os produtores de soja da região. Agora ela admite que errou, mas quer um ajuste de conduta. Quer dizer, qualquer réu que comete um crime, vai para o presídio. Paga o crime e depois é solto, a Cargill não quer ir para a prisão, quer deixar o seu porto aberto. Aqui está o grande problema.

 

-Como é esse processo?

-Acontece que o processo da Cargill tinha dois ramos, dois galhos: um que era o chamado resposta às liminares e outra que era a ação principal. Em resposta ao monte de liminares, o Tribunal encerrou e disse chega, agora não tem mais. O julgamento da ação principal já era para ter ocorrido, mas, estranhamente, um outro desembargador deu nova liminar para a Cargill mandando reabrir o porto. Aqui está o estranho e que deixa a gente numa insegurança e numa suspeita, pois neste mesmo período três desembargadores foram presos no Espírito Santo por venda de sentença. Ora, nós, comuns mortais, temos ou não o direito de suspeitar que tem jogo nessa coisa? Se o Tribunal tivesse julgado, o que não fez, e ainda não sabemos as razões do não julgamento da ação principal, nem o procurador Felício Pontes sabe, por que foi suspenso o julgamento? Estamos todos tentando entender o que aconteceu. Tem também o fato do Tribunal Regional Federal funcionar em Brasília para o Norte do Brasil, o que dificulta a comunicação.

 

-Da chegada da Cargill, até agora, o que mudou?

-De 1999, quando a Cargill chegou aqui, até hoje, os impactos ambientais se avolumaram. Na época o processo aberto pelo Ministério Público Federal era em cima do Porto, para não construir o porto sem o EIA-RIMA. A Cargill construiu à revelia, em 2003 começou a funcionar e de lá para cá já exportou mais de 2 milhões de toneladas de soja pelo porto dela, à revelia da lei e da Constituição. Pois bem, ainda estamos aguardando o julgamento da ação principal de 1999, que estava restrita ao porto. Agora, nós vamos apresentar novos fatos ao tribunal porque hoje os impactos ambientais não estão mais restritos ao porto, ao local, atingem toda área de influência da Cargill, que é onde se produz soja, até o Mato Grosso, que é de onde vem a soja. 95% da soja da Cargill no Porto de Santarém provém de Mato Grosso, Santarém até agora é 5%, o que parece mínimo, no entanto para nossa região de Floresta é um impacto tremendo. Só neste ano, são 17 mil hectares plantados, que serão colhidos daqui há pouco.

 

-Com o estímulo da multinacional, vieram os sojeiros...

-O primeiro passo dos sojeiros ao chegar em Santarém foi comprar terra da produção familiar, ou seja, lotes que tinham uma ocupação tradicional. Foram oferecendo dinheiro, 20 mil, 30 mil, 40 mil, conforme o caboclo ia descobrindo o valor da terra dele, ia subindo o preço. Em 2000, 2001, lotes foram vendidos por dez mil reais, já os últimos chegaram a 52 mil. Então, o primeiro passo foi destruir a agricultura familiar, porque o sojeiro comprou um lote onde estava plantado mandioca, cana, manga, laranja, milho, coco, tinha um poço, tinha uma casa. Uma vez comprado o terreno, passou o trator. Porque para a soja, interessa a terra plana, nua, para revirar com máquina e plantar a soja. Então: o primeiro prejuízo foi o da agricultura familiar. Quando não tinha mais terra da agricultura familiar, aí eles começaram a entrar na terra pública, da União, aí veio a devastação de florestas, a grilagem, nos anos de 2005 para cá... São dois ramos do impacto. Então, quando o sojeiro diz: não destruímos floresta, usamos terra já entropisada, falam meia verdade, pois diminuiu nossa mesa, derrubou manga, laranja, macaxeira, limão... Tudo para plantar soja, que vai alimentar galinha e porco na Europa.

 

-A ausência de políticas públicas também pesa contra.

-A produção familiar é ao Deus dará, pois não existe subsídio, não existe nenhum tipo de fomento público. Este ano está se falando que vai ter uma produção de cinco milhões de abacaxi aqui na região. O mercado local não tem possibilidade de absorver. Acontece que a Conab não compra esse abacaxi, o município não compra esse abacaxi. Vocês no sul plantam banana, pêra, depois acondicionam, botam em caixas e vêm vender para nós aqui. O contrário não acontece, pois não tem como garantirmos ao produtor como acondicionar o abacaxi, encaixotar, para vender no Rio Grande do Sul ou no Rio de Janeiro. Aí, um abacaxi que na entresafra custa dois reais, passa a custar na safra cinco por um real. Que estímulo tem isso para a agricultura familiar? Os preços das frutas ficam o tempo todo oscilando e quando tem muito produto, cai o preço. Antes o pequeno produtor podia vender em Manaus ou em Macapá, que são os dois mercados que absorvem o pouco que conseguimos mandar para fora, agora é só para o mercado local.

 

-E o resultado disso é a penúria do campo...

-Claro. Uma parte do pessoal que vendeu sua terra foi para a periferia, outra parte foi mais para dentro. Um saco de farinha custa R$ 120,00 e em dois hectares dá para colher 70 sacos de farinha, mas é isso. Com somente dois hectares, o produtor fica sem o seu instrumento básico de trabalho, que é a terra, cresce o êxodo rural. Outros, pequenos, entraram na mata virgem, e vão ocupando. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária proliferou os assentamentos, que inclusive estão agora sob suspeita, com a Polícia Federal entrando no escritório do Incra de Santarém, fiscalizando os computadores.

 

-Com que realidade o homem do campo se depara na cidade?

-Com a perda do instrumento de trabalho do produtor, que sai do campo e vem para a periferia, ele não é pedreiro, nem carpinteiro, vem passar necessidade na cidade. Este é o impacto social mais grave da soja, que aqui na nossa região não se conhecia antes de 2001. O que se conhecia de soja era o que se comprava no supermercado. Tenho a impressão que ela vai durar aqui uns dez anos, porque a terra nossa não é de larga escala de agricultura, é de floresta. O húmus é pequeno. Claro que a soja tem uma virtude, que ela é uma oleaginosa, oxigena a terra. Mas se você planta em larga escala durante um ano, dois anos, cinco anos, o que vai acontecer? Você está oxigenando mas tirando nutrientes, aí haja botar nutrientes artificiais. E junto com os fertilizantes químicos ou minerais, fosfato e outros, que é um mal que acompanha a grande escala, vem inseticida, vem herbicida, que envenenam a terra, que é outro problema grave da soja na nossa região. Então, quando dizem que apenas 5% da soja da Cargill vem de Santarém, para nós são 17 mil hectares plantados, um grave impacto ambiental. É o caso da borrifação com agrotóxico. Na nossa terra chove muito, só que ela lava isso aí. E vai para onde? Vai envenenando os igarapés, os rios, que é outro grave impacto na nossa região.

 

-E os conflitos de terra?

-Na redondeza de Santarém ainda não se percebe isso, mesmo porque o caboclo vendeu o seu terreno, então ele não vai brigar. Agora, onde o sojeiro começou a criar conflito é porque ele foi para as áreas planas e entrou na terra da floresta, que já tinha seus ocupantes... Aí o sojeiro procurando terra foi entrando, como na Gleba Pacoval, e aí começaram os conflitos. É o grileiro que vem criando conflito. Na minha interpretação tem 3 tipos de grilagem: para soja, tipo Donizetti, para madeireiras e para fazendas. Um dos conflitos mais graves foi a queima de 24 casas de um assentamento...

 

-E as ameaças de morte feitas contra a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, Maria Ivete Bastos?

-Quando um grileiro que tem capangas, e dos mais perigosos, começou a ameaçar a Ivete, a questão ganhou maior repercussão. Ele já foi preso, solto, mas não fica preso. O procurador Felício Pontes cunhou uma expressão para os conflitos mais ao sul, falando de um consórcio da morte, a partir do assassinato da irmã Dorothy. O que eu sinto é que os sojeiros estão acuados com esta crise da Cargill e aí está o perigo, porque se o cidadão não tem o mínimo de civilidade e se vê acuado, fica como cachorro, morde o dono. São perigosos...

Leonardo Wexell Severo

CUT - Portal do Mundo do Trabalho

27 de abril de 2007

 

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