Conheça as
incríveis práticas de um homem que nasceu e se desenvolveu na maior
companhia de alimentos do mundo
Em 1866, um
empregado de farmácia chamado Henri Nestlé teve a idéia de misturar
leite com farinha de trigo e açúcar para criar um alimento destinado a
alimentar os bebês que não podiam ser alimentados pelas suas mães. Assim
nasceu, na cidade suíça de Vevey, a companhia Nestlé, que logo
se expandiria internacionalmente. Como Nestlé significa "pequeno
ninho" em suíço-alemão, um ninho com dois filhotes que estão sendo
alimentados passou a ser o símbolo da empresa. Nos
144 anos transcorridos desde então, o ninho passou a acolher uma série de
personagens que nada têm a ver com aqueles cândidos filhotes.
Um dos privilegiados ocupantes do ninho se
chama Ivan Fábio de Oliveira Zurita. Nascido
há 56 anos em Araras (interior de São Paulo) na mesma cidade em que a
Nestlé instalou, em 1921, a sua primeira fábrica na América Latina,
e onde também nasceram seu avô e seu pai. Coincidentemente,
a fábrica foi instalada na Avenida Zurita, assim chamada em homenagem ao seu
avô. Ivan
Fábio entrou na Nestlé em 1972, onde fez uma meteórica carreira:
do Brasil passou a trabalhar nas filiais da empresa no Chile,
Argentina, América Central e México, sendo que, neste
último país, alcançou o posto de diretor-presidente. Com
o mesmo cargo, que até hoje ocupa, retornou ao Brasil em 2001.
Na sua
condição de presidente da
Nestlé Brasil, recebeu inúmeros prêmios e homenagens. Entre
eles podemos citar que, em outubro do ano passado, a revista Carta
Capital concedeu-lhe o prêmio "Lider Empresarial", destacando-o entre os
“empresários e executivos mais admirados no Brasil". Mais adiante veremos
que Zurita compete em ambas as categorias. Participaram da cerimônia
de entrega o Presidente
da República Luiz Inácio Lula da Silva
e vários de seus ministros.
Um mês mais tarde, nos
escritórios da fábrica da
Nestlé em Araraquara (cidade vizinha à sua cidade natal
Araras), a Câmara Municipal lhe concedeu o título de "Cidadão
Araraquarense", com a presença dos vereadores de todos os partidos
políticos. A homenagem respondia à decisão da Nestlé de construir uma
nova fábrica na cidade. Contam
que, para agradecer o título, Zurita transmitiu as saudações do
popular cantor Roberto Carlos
ao povo de Araraquara, onde recentemente tinha feito um show
patrocinado pela Nestlé.
Em 2001, a
Assembléia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro também lhe outorgou o título de cidadão do Estado,
“pelos importantes serviços que o homenageado vem prestando ao país”.
Recentemente, a Sociedade Afrobrasileira de
Desenvolvimento Sócio Cultural (Afrobras) o condecorou, junto a
outras pessoas, por sua contribuição "para os valores de respeito às
diferenças, tolerância e igualdade de
oportunidades e por sua contribuição pela elevação moral, social e inserção
socioeconômica, cultural e educacional dos negros brasileiros".
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Zurita Executivo |
O
desempenho de Zurita
como presidente da Nestlé Brasil realmente é merecedor das homenagens
recebidas? Temos
sérias dúvidas e acreditamos que alguns dos títulos recebidos merecem ser
revistos. Vamos rever alguns fatos:
• Quando Zurita foi nomeado presidente
da Nestlé
Brasil, uma de suas primeiras medidas foi despedir 800 funcionários,
para em seguida contratar um número praticamente igual. Esta medida foi
considerada uma grosseira demonstração de força. "Lá
dentro muita gente tem medo de Zurita", declarou na época um
fornecedor à revista Portal Exame.
• Em 2008, pela
segunda vez em menos de um ano, a Nestlé Brasil foi multada
por ter reduzido o peso de alguns produtos, como no caso do Neston 3
Cereais, que de 1 quilo passou a 900 gramas. Segundo
Zurita, em carta resposta ao jornalista Elio Gaspari, que
havia escrito a matéria, as multas foram anuladas.
• Em maio passado,
a Nestlé Brasil foi multada pelo Ministério do Trabalho (MT)
por violar o acordo intitulado "Termos de Ajuste de Conduta relativo à
jornada e ambiente de trabalho", assinado em 2007 com os sindicatos e com o
MT como garantia de seu cumprimento. (Ver:
Ministerio do Trabalho multa a Nestlé por impor jornadas de trabalho
excessivas)
• Também no ano passado, para promover a
marca Ninho e
levado por seu histrionismo desenfreado, posou para uma
polêmica foto que apareceu na capa da Dinheiro Rural de maio. Os
leitores qualificaram a foto como repugnante.
Sendo assim, seu desempenho como executivo é,
do ponto de vista da ética, bem pouco louvável.
Zurita
Empresário
Zurita é também um empresário de
sucesso. Tudo
começou quando decidiu comprar uma fazenda em Araras para produzir
gado de primeira linha das raças simental e nelore, com exemplares que
chegam a valer um milhão de reais (581.000 dólares aproximadamente). O
empréstimo para comprar a fazenda
veio dos cofres da própria
Nestlé, com a aprovação do então presidente mundial da empresa,
Peter Brabeck. "Sou
amigo de Brabeck, e ele sabia que esse era meu sonho", disse
Zurita. Ao
que sabemos,
nem antes nem depois, nenhum outro funcionário da Nestlé teve o
direito de ver seu sonho realizado, ainda que este seja tão modesto como o
de manter o emprego.
Segundo relata o
próprio Zurita, nas sextas-feiras abandona em São Paulo o terno, os
sapatos e a gravata e parte para Araras usando roupa de boiadeiro. Agora
é o proprietário da empresa Agrozurita, que fatura R$ 70 milhões
(40,66 milhões de dólares) por ano. Agrozurita,
além de criar gado fino, possui uma fábrica de aguardente de cana com a
marca Cachaça do Barão, uma linha de carnes e plantações de laranjas
para fins industriais.
Já faz alguns anos que Zurita organiza
leilões de gado. Um
dos últimos leilões lotou a cidade de Araras com 1.500
convidados, 32
helicópteros e 19 aviões. Aproveitando-se
dos vínculos obtidos a partir do seu cargo na Nestlé, Zurita
realiza o que se chama "marketing de relacionamento" e aos seus leilões de
gado estão presentes, além de muitos empresários, uma constelação de
famosos, como Fausto Silva (Faustão),
Tom Cavalcante (humorista), Carlos Massa (Ratinho),
Hebe Camargo, Ana Maria Braga, e
Xuxa entre outros.
Alguns desses
famosos também são
contratados pela Nestlé para suas campanhas publicitárias, como é o
caso do Pelé, que representa a transnacional como patrocinadora da
seleção brasileira de futebol até 2014, com um investimento de R$ 400
milhões por ano (232,35 milhões de dólares). Outro
exemplo é o cantor Roberto Carlos, que foi contratado para as
campanhas publicitárias da Nestlé e é presença frequente nos leilões
da Agrozurita, da qual é sócio na qualidade de co-proprietário de
alguns animais de raça.
Outra atividade de
marketing em benefício da
Agrozurita é a "Confraria do Barão", composta por centenas de
celebridades e pessoas influentes no mundo dos negócios, incluindo o já
mencionado Ratinho (que deixa gado seu “hospedado” na fazenda de Zurita
e viaja em seu avião particular todos os fins de semana a Araras para
vê-los) e Benjamin Steinbruch (presidente da Cia. Siderúrgica
Nacional). O
grupo se reúne todas as terças no bar Agusta, do empresário e playboy
Álvaro Garnero, para saborear a aguardente elaborada em uma antiga
fazenda de propriedade do presidente da Nestlé.
Aquele desejo de Roberto Carlos,
expressado quando ele canta "eu quero um milhão de amigos", parece ter se
realizado no caso de Zurita.
Será que o seu cargo de presidente da Nestlé tem alguma coisa a ver
com isto? A
empresa investe no Brasil entre 203 e 262 milhões de dólares por ano
em publicidade, logo, não é arriscado inferir que Zurita use as
"sobras" desta fabulosa cifra em benefício de seus negócios particulares e,
como veremos a seguir, de seu
enorme ego.
"Eu sou a lei"
O último aniversário de Zurita foi
comemorado no dia 02 de fevereiro passado, no exclusivo Café de la
Musique, na cidade de São Paulo. Os
convidados o aguardavam vestidos como cowboys e, junto a eles, um cartaz com
a legenda "5
décadas e um pouquinho mais." Uma
das atrações da noite foi o show de música country da dupla Fernando &
Sorocaba, um show que sai em média 70.000 dólares.
O homenageado chegou vestido de terno e
gravata, mas rapidamente trocou por uma camisa xadrez e um chapéu de
vaqueiro, aceitou com prazer que lhe colocassem no peito uma estrela de
xerife. A
estrela e o título de xerife também faziam parte da decoração do bolo de
aniversário. Tanta
arrogância e vulgaridade, provavelmente vindas do poder do dinheiro,
possivelmente sejam a explicação para os acontecimentos inqualificáveis
que ocorreriam alguns meses mais tarde.
Um
xerife fora da lei.
Foram
suficientes 190 dias para
que o novato xerife mostrasse a sua falta de respeito pela lei e a mais
completa ausência de consideração com seus semelhantes. Em
meados de agosto passado, uma operação do Grupo Móvel de Fiscalização
Rural do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com o apoio
da Polícia Federal e da Polícia Militar, em resposta a
uma denúncia do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Araras e região, descobriu
uma série de irregularidades trabalhistas em várias fazendas produtoras de
laranjas no interior de São Paulo, especificamente nas cidades
de Aguaí, Araras, Conchal e Mogi Guaçu. Duas
delas, uma em Aguaí e outra em Araras, pertencem à
Agrozurita.
Na de Aguaí, que usa o nome de
Campo Alegre, os inspetores encontraram 55 pessoas que trabalham sem
carteira de trabalho, obrigatória por lei. Além
disso, os trabalhadores não tinham acesso à água potável nem a instalações
sanitárias. Também
constataram a falta de refeitórios adequados, a falta de equipamentos de
proteção e outras irregularidades. Outra
falta grave foi a descoberta de fraude no cálculo dos salários dos
trabalhadores. Em
vez de o peso de um saco de laranjas equivalente a 27 quilos, tal como
estipulado, o salário era calculado por saco de 34 quilos. De
acordo com os agentes autuadores, um capataz tentou remover os trabalhadores
do local, demonstrando que tinham plena consciência das condições ilegais
nas quais a fazenda operava. Na
fazenda de Araras (fazenda Santa Cruz) também foi constatada a
falta de equipamentos de proteção e de instalações sanitárias. No
total, a
Agrozurita recebeu 20 autos de
infração.
Porta-vozes da Agrozurita
disseram aos
jornais que, dentro de alguns dias, entregariam às autoridades documentos
probatórios de que os trabalhadores das duas fazendas estavam trabalhando em
condições legais. No
entanto, um expediente divulgado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT),
dias depois, negou que a Agrozurita tenha apresentado qualquer
documento demonstrando que os trabalhadores estavam registrados e que, além
desta irregularidade, a empresa é acusada de tentar
burlar a fiscalização, de fraudar o pagamento dos trabalhadores e de
oferecer condições de trabalho precárias nos laranjais. A
audiência foi marcada para o dia 29 de agosto, visando chegar a um acordo,
cujo resultado ignoramos.
Preocupante
Seja como executivo ou como empresário, Zurita se
converteu em um pertinaz infrator das leis do trabalho e um especialista em
chegar a acordos com o Ministério do Trabalho. O que, entre outras coisas,
questiona a sua capacidade para aplicar corretamente os princípios do "valor
compartilhado", de que tanto se vangloria a Nestlé.
Dada a sua gravidade, os acontecimentos
descritos acima nos preocupam muito, na medida em que o que está em jogo é,
nada mais nada menos, o futuro dos 15 mil homens e mulheres que trabalham na
Nestlé Brasil. Aqui,
o que está em jogo é a moral, a honestidade e a ética, valores que não
variam quando se troca de roupa. São
sempre os mesmos, seja usando terno e gravata, seja usando jeans e botas de
vaqueiro.
Diante destes
fatos, aqueles que premiaram e condecoraram Zurita, a não ser que
prefiram ignorar ou olhar para outro lado, poderão retirar-lhe as honras. Eu
me pergunto se a Afrobras pesquisará quantos afrobrasileiros foram
enganados e roubados nos laranjais de Zurita. As
cidades que
o nomearam cidadão também poderão lhe retirar o título.
Muito
mais complexa é a situação
dos acionistas da Nestlé. Uma
possibilidade é a de fecharem os olhos diante dos fatos, imaginando
Zurita como o "enfant terrible" da Nestlé, a quem tudo é
perdoado. Com
esta postura - de ignorar o problema - e levando em conta que Zurita
conseguiu mais do que duplicar os números das vendas no Brasil, a
mensagem estaria clara: o desempenho econômico é
tudo o que realmente importa para a Nestlé e seus acionistas. Se
é assim, estão obrigados a declarar publicamente e ao mesmo tempo, em um ato
de contrição, anunciar que a empresa deixará de lado qualquer referência à
responsabilidade social corporativa.