República Dominicana

Nestlé e a lenda do “silbón”

Histórias da mitologia neoliberal

O “silbón” é um fantasma alto e magro que leva nas costas um saco cheio de ossos. Espreita nas planícies venezuelanas e se identifica pelo seu particular assobio. Conta-se que, quanto mais perto se escuta o assobio, mais longe está o “silbón”, e vice-versa. Na República Dominicana, Nestlé atua como este fantasma: quando é maior seu marketing e assobio publicitário, mais longe  está das pessoas.

Acontece que o compromisso social de Nestlé é apenas conto pra boi dormir.

 

Faz algumas semanas apareceram vários artigos que consignavam que Nestlé incrementava em 64 centavos de pesos dominicanos o preço do leite aos pecuaristas. O "assobio" mostrava a transnacional de mão com os produtores. Mas na realidade era muito diferente. Segundo Cesáreo Contreras, presidente da Associação Dominicana de Fazendeiros e Agricultores, "Nestlé sabia muito bem que essa quantia era totalmente insuficiente para compensar o incremento de custos dos produtores". O aumento proposto por litro estava 1,8 pesos dominicanos por debaixo do estabelecido na resolução do Conselho para a Regulamentação e Fomento da Indústria Leiteira (Conaleite).

 

Agora Nestlé anunciou na imprensa dominicana a baixa de seus produtos até fins de dezembro, destacando que com essa medida sacrifica sua rentabilidade. Para o leitor desprevenido se trata do presente de natal da transnacional suíça, que, com essa pirotecnia, cumpriria seu cometido: "vender" uma imagem de empresa comprometida com a sociedade. Enquanto isso ocorre, os trabalhadores da usina de San Francisco de Macorís vêm ao vivo e em direto o espantoso rosto de Nestlé.

 

O Sindicato de Nestlé de San Francisco de Macorís está avaliando a possibilidade de fazer uma greve pelo reclamo da reintegração de 11 trabalhadores despedidos arbitrariamente pela gerência local de Nestlé Dominicana S.A. O 17 de outubro, a empresa e o sindicato, SITRACODAL, acordaram em reduzir a jornada de 44 horas semanais para 40 e a continuação do plano de férias antecipadas ao pessoal. Contudo, duas semanas depois desse convênio, Nestlé despediu unilateralmente a 11 trabalhadores.

 

Samuel Santana, secretário geral de SITRACODAL, manifestou em reunião de imprensa que o único delito desses trabalhadores é ter contribuído com o incremento da produção. "Os trabalhadores não somos culpados de que as vendas tenham diminuído e do aumento excessivo dos preços de todos os produtos de Nestlé", comentou. Leche RICA (a outra grande do setor lácteo dominicano), sem tanto alarde publicitário, registrava preços mais baixos que Nestlé em iguais produtos.

 

Num comunicado de imprensa, SITRACODAL consigna que Nestlé gerou intencionalmente a atual situação, já que durante três meses (junho, julho e agosto) intensificou a produção com o cometido de encher os armazéns, e depois de conseguir esse objetivo, se propôs à redução do pessoal ou o fechamento da fábrica. No fundo, o que Nestlé procura é pressionar o governo para que lhe permita importar leite subsidiado, em detrimento da produção leiteira nacional, dos pecuaristas do país e de todos seus trabalhadores.

 

De acordo com o secretário geral do sindicato, a gerência da fábrica manifestou que continuarão os despidos, inclusive até o fechamento da fábrica, se SITRACODAL iniciava ações de pressão.

 

Terça feira 4, Santana chamou a todas as organizações sindicais e populares e as autoridades para que não se deixem confundir por Nestlé. "Devemos ter claro que a única intenção desta empresa é ganhar mais dinheiro, converti-los em dólares e leva-los do país, sem importar a sorte dos trabalhadores, dos pecuaristas, em especial desta zona, onde há muito poucas empresas e um alto número de desempregados. Este chamado tem como propósito pressionar a Nestlé para que reintegre os trabalhadores despedidos, pare sua chantagem e discuta seriamente sua posição com o sindicato e com as autoridades governamentais", concluiu o dirigente em reunião de imprensa.

 

O 30 de outubro a gerência de Nestlé emitiu uma circular na qual informa que durante três semanas técnicos suíços da Equipe de Target Setting avaliarão as operações da fábrica. A nota acaba dizendo: "trabalhando juntos como uma equipe unida e comprometida vamos a triunfar levando este barco, no qual estamos todos, a um porto seguro e não naufragando no caminho". Nestlé e a manha do “silbón” falam de todos num mesmo barco, e "assobia" nos meios de comunicação, depois que lançou aos tubarões a 11 trabalhadores. Agora a história parece de piratas.

 

 

Gerardo Iglesias

© Rel-UITA

5 de novembro de 2003

 

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