Os sindicalistas, que fazem parte da comissão interna da
sucursal Wal-Mart da localidade de Avellaneda,
nas imediações de Buenos Aires, denunciaram
reiteradamente a “política anti-sindical da empresa na
Argentina, similar às praticadas habitualmente
nos próprios Estados Unidos e em quase todos os
países onde está instalada”.
“Cada vez que os trabalhadores tentam se organizar de
forma autônoma, em organizações que não estejam sob o
controle da empresa, são despedidos”, acrescentaram.
Diretores da companhia, que deviam
comparecer à Comissão de Legislação do Trabalho da
Câmara de Deputados da Argentina, antes tiveram que
aceitar, por iniciativa da Delegação Avellaneda do
Ministério de Trabalho, reunir-se com os trabalhadores
sindicalizados, rompendo uma “tradição” da empresa de
negativas quanto a negociar com os sindicatos.
Um projeto de resolução, apresentado por quatro
deputados da base do governo do presidente Néstor
Kirchner, e que ainda está sendo estudado pela
Câmara, manifesta “a preocupação (do Parlamento) pela
situação de falta de proteção trabalhista e pelas
práticas de perseguição sindical implementadas pela
empresa Wal-Mart Argentina”.
Os legisladores também denunciam a contratação feita
pela empresa de “ex-membros das Forças Armadas que
participaram da última ditadura cívico-militar”
(1976-1983).
Entre eles, mencionam o ex-oficial do Exército
Alfredo Saint Jean, atual diretor geral de Segurança
da empresa, que durante a ditadura exerceu cargos em
regiões nas quais a repressão alcançou pontos
particularmente altos, como Tucumán, Bahia Blanca, Azul
ou Tandil.
A Wal-Mart Argentina é reincidente neste aspecto,
já que, em 1998, um grupo de caixas da filial da empresa
na cidade de Córdoba denunciou que foram desnudadas
devido a uma suposta falta de dinheiro. Quem atuava como
chefe da segurança da companhia nesse hipermercado era
outro militar, que havia colaborado com um dos mais
conhecidos chefes da repressão, o general Luciano
Benjamín Menéndez.
Também é certo que a Wal-Mart está longe de ser a
única rede de supermercados que recorre à “mão-de-obra
desocupada” da ditadura para tarefas de vigilância.
Outro Saint Jean, Alejandro Roberto, é o
responsável pela segurança da rede de supermercados
Disco, enquanto que os encargos de vigilância nos
supermercados Norte e Carrefour são da
empresa Segar Seguridad, integrada por ex-repressores.
A Wal-Mart Argentina também contratou Buston
Mastellers, como responsável pela “imagem”
corporativa da empresa. Mastellers foi quem
inventou, em 1978, um slogan, que era usado com
freqüência pelas juntas militares argentinas visando se
contrapor às campanhas de denúncias que - naqueles anos
- eram realizadas a partir do exílio: “os argentinos são
direitos e humanos”.
“O modelo repressivo posto em prática pela Wal-Mart
fecha por todos os lados”, diz Gustavo Córdoba,
um sindicalista de 31 anos da filial de Avellaneda que
foi despedido em duas ocasiões pela empresa, a primeira
em agosto de 2006 e a segunda em março passado.
“Na Wal-Mart não só pagam péssimos salários como
as condições de trabalho são mais do que precárias, não
só despedem quem tenta criar um sindicato independente
como há uma total falta de respeito pelos empregados.
Por exemplo, nos fazem cantar o hino da empresa, um ato
degradante, um vexame, que é acompanhado de outras
agressões culturais”, assinalou.
Em declarações ao jornal Página 12, que nos últimos
meses publicou dois relatórios documentados sobre a
situação trabalhista na transnacional norte-americana, o
sindicalista denunciou que os trabalhadores da
Wal-Mart, assim como os de outras empresas de origem
norte-americana, entre elas a Mac Donald‘s
e a Burger King, sofrem “uma constante
contaminação lingüística. Por isso é que pedimos que
estas companhias traduzam os termos em inglês para o
espanhol e que seja criada uma lei para isso”, disse.
Porém, para a Wal-Mart, formular essas
reivindicações, assim como outras, “é o mesmo que
quebrar um molde. A empresa está acostumada a delegados
servis, em estado vegetativo, que se ocupam de qualquer
coisa menos de garantir os direitos do trabalhador. E
quando esse molde é quebrado, aparecem as demissões, as
perseguições”, disse Córdoba. “A Wal-Mart
é responsável por violar a lei argentina contra a
discriminação e o Convênio 98 da Organização
Internacional do Trabalho”, assegurou.
Um relatório do Centro de Estudos de Investigações
Trabalhistas citado pelo jornal Página 12 corrobora as
denúncias sindicais.
Segundo a autora do estudo, a socióloga Paula Abal
Medina, “A cultura anti-sindical da Wal-Mart
se vê beneficiada e potencializada pela contratação, em
nível de gerência, de mão-de-obra proveniente das forças
armadas, com toda a carga nefasta que isso implica para
a memória dos militantes sindicais tendo em vista a
recente história da Argentina”.
O relatório dá detalhes sobre a perseguição a que os
diretores da empresa submetem os sindicalistas e também
sobre o recurso a representações “falsas”. “Geralmente
os sindicatos têm sido funcionais para os interesses da
empresa”, ao mesmo tempo em que na maior parte dos
supermercados da rede na Argentina não existe
representação trabalhista alguma, como é habitual na
maior parte da dezena de países onde possui de filiais,
destaca Abal Medina.
A política anti-sindical da transnacional assume também
aspectos mais sutis. Um deles, diz a socióloga, “é o
desterro da alteridade, evitando, a partir do exercício
de uma multiplicidade de práticas ínfimas e cotidianas
nos lugares de trabalho, que os trabalhadores percebam a
empresa como um álter, como um ator com interesses
divergentes, antagônicos aos do coletivo de
trabalhadores. O trabalhador modelo da Wal-Mart é
aquele que, despojado de uma concepção do mundo como
campo de forças, seja capaz de ‘entregar-se’ à reiterada
metáfora empresarial da ‘grande família’”.
Daí recorrerem permanentemente ao conceito de “parceiro”
para se referirem “ao integrante da empresa, desde o
diretor geral até o eventual trabalhador contratado por
uma agência”, esclarece o jornal Página 12.
Abal Medina,
informa o jornal, teve acesso a um manual confidencial
para executivos onde são estabelecidas medidas de
precaução para não sejam contratadas pessoas que possam
ter inclinações sindicais.
A organização humanitária Human Rights Watch já
havia denunciado a existência de instruções similares
nos Estados Unidos, como uma chamada “Caixa de
Ferramentas Gerais” onde era mostrado aos quadros
gerenciais como deviam fazer para “permanecer livres de
sindicatos no caso de que os representantes sindicais
escolhessem o seu estabelecimento como o próximo alvo”.
Hernán Carboni,
gerente de Relações Institucionais da Wal-Mart,
negou ao jornal Página 12 que a sua empresa praticasse
uma “política anti-sindical”, mas Gustavo Córdoba
lembrou que, só na sucursal Avellaneda, já houve, desde
março de 2006, dez demissões por causas sindicais.
Assim são as coisas e, enquanto se vê enfrentando
abertamente uma resistência sindical pela primeira vez,
a direção da empresa tem planos para aumentar sua
presença na Argentina.
A rede, que hoje conta com 15 supermercados em
diferentes províncias e emprega mais de 5.600 pessoas,
planeja investir em curto prazo cerca de 450 milhões de
dólares em novos estabelecimentos, segundo informou o
suplemento “Empresas y Negocios” do jornal Clarín, no
domingo 15 de julho.
A Wal-Mart desembarcou na Argentina em
1995 e hoje controla 6% do mercado de supermercados,
ainda longe da líder Carrefour, que domina quase
a terça parte. A transnacional de origem
norte-americana, que para 2007 prevê um faturamento
superior aos 1.700 milhões de pesos argentinos (pouco
menos de 600 milhões de dólares), acaba de adquirir três
sucursais da rede Auchan.
Tanto quanto as suas concorrentes, a Wal-Mart
estima que em 2008 haja na Argentina uma forte
recuperação do setor, como conseqüência do maior consumo
registrado no país, principalmente os setores médios.
Os novos estabelecimentos da Wal-Mart, como os
das outras redes, em geral serão menores que os atuais,
mas a modalidade de contratação de seu pessoal não
variará substancialmente.
De acordo com o relatório publicado no Página 12, a
maioria dos empregados argentinos da Wal-Mart são
jovens e muitos deles são contratados através de
agências ou são terceirizados.
En Montevideo,
Daniel Gatti
© Rel-UITA
27 de julho de 2007 |
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