Esta terça-feira não foi um dia fácil para o presidente
da Cargill no Brasil, Sérgio Barroso. Convidado
pelo Instituto Ethos para ser um dos palestrantes da
Conferência Internacional 2006 - Empresas e
Responsabilidade Social, que começou nesta segunda-feira
(19), em São Paulo, ele se viu em uma situação
constrangedora durante a mesa redonda cujo tema era "Desmatamento
da Amazônia - como é possível evitar?". Justamente o
calcanhar de Aquiles da Cargill.
Ao contrário dos colegas de mesa (como Sérgio Amoroso,
do Grupo Jari-Orsa, e Maurício Reis, da Companhia Vale
do Rio Doce) o empresário da soja começou a palestra sem
nenhum case para apresentar. Utilizou seus 20
minutos de fala para defender o agronegócio e a
utilização do transporte fluvial no Brasil (leia-se:
defender o porto construído pela empresa em Santarém/PA,
que corre o risco de ser embargado por falta de licença
ambiental). Barroso também mostrou um mapa das
plantações de soja no país, tentando mostrar que a
cultura do grão praticamente não afetava esse
ecossistema.
No final da palestra, entre as medidas que citou para
proteger a região, o presidente da Cargill
ressaltou a importância de "observar" a assinatura do
Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo,
organizado pelo Instituto Ethos e pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), em que empresas se
comprometem a manter sua cadeia produtiva longe do
trabalho escravo. O detalhe é que a Cargill não
havia assinado o documento.
Pesquisas, como a da ONG Greenpeace, identificaram que a
empresa comprava soja de fazendas que estão na
"lista suja" do trabalho escravo. Organizada pelo
governo federal, essa relação divulga as propriedades
comprovadamante flagradas cometendo esse crime. As suas
concorrentes ADM, Amaggi
e Bunge também demostraram o mesmo
problema em suas cadeias produtivas. A Amaggi
e a Bunge assinaram o Pacto.
A maior saia-justa da Cargill veio quando subiu
ao púlpito Eugênio Scannavino, do Projeto Saúde e
Alegria, que atua junto a comunidades extrativistas da
Amazônia. Ele apresentou à platéia uma reportagem do
programa Fantástico, da Rede Globo, que mostrava a
devastação da Amazônia causada pela soja e o pé-de-guerra
instalado no Pará quando a ONG Greenpeace tentou
bloquear o porto de Santarém, em protesto contra o
comportamento da Cargill. Pela primeira vez na mesa
redonda, o auditório lotado, com mais de mil pessoas
e formado principalmente por empresários (e não por
"ambientalistas xiitas"), aplaudiu em pé. Scannavino, em
sua palestra, afirmou que a população da Amazônia não
precisa da soja para se desenvolver e sim da floresta,
da qual já sobrevive.
Como Sérgio Barroso já havia avisado que sairia mais
cedo, como é de praxe quando grandes empresários
envolvidos em polêmicas participam de debates, Oded
Grajew, mediador do evento e presidente do Conselho
Deliberativo do Ethos, resolveu modificar o programa do
evento. E abriu um espaço para que Barroso - cujo rosto
já passava do vermelho ao roxo - pudesse responder às
críticas.
Três pessoas fizeram a mesma pergunta: por que a
Cargill não assinou o Pacto contra o trabalho
escravo? Barroso explicou que a Associação Brasileira
das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), da qual sua
empresa faz parte, já havia assinado, mas, se fosse
necessário, a Cargill também poderia assinar
individualmente. Questionado após a palestra, Sérgio
Barroso finalmente cedeu à pressão da sociedade civil. "Sim,
nós vamos assinar o pacto."
A empresa, uma das maiores de capital fechado do mundo,
agora poderá ter suas atividades monitoradas. O que, é
claro, não irá resolver os problemas causados pelo
impacto da expansão da soja na Amazônia, da qual a
gigante norte-americana é um dos atores principais. Mas
já é um alento para a floresta e seus moradores.