Soja no Pará
Ibama inicia análise em porto da Cargill
que pode levar a embargo
Órgão começa a analisar documentação sobre funcionamento do
terminal graneleiro da Cargill em Santarém (PA), que opera desde
2003 sem Estudo de Impacto Ambiental. MPF deu prazo até dia 26
para que órgão atenda requisição de embargo do porto.
Técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) iniciaram nesta terça (13),
em Santarém (PA), a análise da documentação referente a
consecutivos licenciamentos provisórios, concedidos pela
Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam),
que permitiram o funcionamento do terminal graneleiro da
multinacional Cargill no município sem a elaboração
prévia de um Estudo e um Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima).
No dia 26 de fevereiro, o Ministério Público Federal solicitou
ao Ibama que fiscalizasse e embargasse o porto (com paralisação
imediata das atividades), além de autuar a empresa por operação
irregular.
A batalha jurídica do MPF contra a Cargill teve
início já em 2000 com um pedido de antecipação de tutela, que
visava impedir que a Sectam expedisse alvará de funcionamento e
licenças provisórias sem a apresentação do EIA/Rima,
liminar deferida pelo juiz federal Dimis da Costa Braga. Depois
de a Cargill ter recorrido e ter perdido em todas as
instâncias, a Sectam fica agora definitivamente proibida de
conceder outras licenças ao porto, segundo o MPF.
Segundo o procurador do MPF em Santarém, Felipe Braga,
o temor de que o porto levasse a impactos socioambientais graves
na região acabou se confirmando, já que os plantadores de soja
da região têm expandido a atividade indiscriminadamente “até
quase a fronteira com o Amazonas” através de desmatamentos
ilegais da floresta. “O corte raso (ilegal) em regiões remotas
na floresta veio com o porto. Hoje está mais que confirmado que
o porto trouxe grandes impactos regionais”, explica Braga.
Segundo Rosaria Sena, gerente substituta do Ibama em Santarém, o
órgão pediu ao MPF uma extensão do prazo para finalizar a
análise da situação – que inicialmente foi de 10 dias úteis a
partir de 26 de fevereiro -, e deve entregar seu parecer no
próximo dia 26 de março. O primeiro passo deste processo será a
análise de toda a documentação enviada ao Ibama pela Sectam, e
depois se seguirá uma inspeção do porto e dos locais impactados
pela atividade.
“Ainda não podemos dizer se o porto será embargado, mas sabemos
que a Cargill sempre operou através de recursos na
Justiça. De toda forma, a legislação é bem clara em relação aos
impactos ambientais”, pondera Rosária.
Se a ilegalidade das atividades da Cargill for
confirmada, o procedimento mais provável será a interrupção do
funcionamento do porto para que a empresa elabore o EIA/Rima
de acordo com um termo de referência elaborado pelo Ibama.
“Utilizaremos um critério amplo para avaliar os impactos sociais
e ambientais do porto em toda a região, e o procedimento do
EIA/Rima incluirá todos os tramites previstos, como
consultas, audiências públicas etc”, diz a gerente do Ibama.
Qual o prazo deste procedimento ainda não é previsível, afirma o
procurador Felipe Braga
Reações
Como reação ao procedimento do MPF e do Ibama, a
Cargill ajuizou, no último dia 7, um mandado de segurança na
Justiça Federal de Santarém exigindo que o MPF seja
proibido de divulgar detalhes do processo e falar com a
imprensa. O mesmo mandado demanda que o Ibama seja impedido de
realizar diligências no porto sem autorização judicial.
Segundo a ação da empresa, "o MPF não é competente para
dar consecução administrativa a mandados judiciais, expedidos ou
não expedidos. O Ibama não tem justificativa
administrativa para ser portador das ordens do MPF,
visando paralisação do terminal por motivo de cunho judiciário,
mormente quando não há mandado judicial para tal fim”. O mandado
também insta a Sectam a não atender as ordens do MPF,
afirmando que “cumpre-lhe expedir as licenças e autorizações que
entender tecnicamente legítimas".
Acionados pela Justiça, Felipe Braga e o Ibama
terão até o dia 17 para responderem aos questionamentos da
empresa, mas o procurador já adianta que acusará a Cargill
de litigância de má-fé, tentativa de coerção e censura à
imprensa.
De acordo com reportagem da Agência Amazônia do último domingo
(11), a Associação Comercial e Empresarial de Santarém (Aces)
também protocolou no Ibama uma petição, assinada por 16
entidades, pedindo ao órgão que agisse com “o máximo cuidado” em
relação às ações do MPF.
“Fizemos isso por dois motivos. Primeiro, o socioeconômico, que
traduz a própria defesa da sociedade contra os prejuízos que a
paralisação do terminal graneleiro pode provocar; e segundo, o
jurídico, pois as alegações do Ministério Público Federal se
baseiam num emaranhado de atos judiciais dispersos, de duvidosa
validade”, disse o empresário Olavo Rogério Bastos das Neves,
presidente da Aces, à Agência Amazônia.
“Os sojeiros estão acuados. Dizem que são 17 mil hectares que
deverão começar a ser colhidos em dois meses – acredito que é
mais para criar um clima, já que a colheita ocorre geralmente
depois das chuvas, a partir de junho. Muitos estão inadimplentes
com os bancos e a própria Cargill. Mas fora eles, não
vejo que a região sofrerá prejuízos econômicos muito grandes com
o fechamento de uma empresa que emprega cerca de 80 funcionários
diretos e 500 indiretos”, avalia o padre Edilberto Sena,
membro da Frente de Defesa da Amazônia (coletivo de movimentos
sociais, sindicais e ambientalistas que tem atuado como
principal oposição à Cargill em Santarém).
Verena Glass
Carta Maior
15 de fevereiro de 2007