Faz tempo que a UITA, junto a outras organizações
sindicais e sociais, vem advertindo sobre a
concentração de toda a cadeia agroalimentar em um
círculo cada vez mais estreito de corporações
multinacionais. Também foram denunciados
insistentemente os efeitos -devastadores para a
humanidade - de um simples acordo entre estes
gigantes da agricultura (sementes e insumos
agroquímicos), a colheita, a distribuição e a
comercialização, cuja escala global coloca a
população do planeta nas suas mãos.
Aquele cenário que alguns chamaram de “ficção científica”,
de “catastrofismo”, por desgraça começa a virar realidade, e
o seu primeiro efeito é o encarecimento dos alimentos
junto a 100 milhões de novos famintos no mundo. A Comissão
Européia, o órgão executivo da União Européia, acaba de
reagir ao encontrar fortes indícios sobre uma manipulação do
mercado mundial de grãos por meio de acordos entre as
principais corporações. Veja a seguir, uma nota editorial da
Secretaria Geral da UITA sobre essa questão.
Sidrolândia, Mato Grosso do Sul / 21 de
julho de 2007
ATO PELA DIGNIFICAÇÃO DO TRABALHO NA
CARGILL |
Inspeção nos escritórios da Cargill e da Bunge
Suspeita de acordo ilegal
para aumentar os preços dos grãos
A Comissão Européia inspecionou
na quinta-feira os gigantes da
agroindústria
Cargill Inc.
e
Bunge Ltd.
numa grande operação de fiscalização de
comerciantes e distribuidores de cereais
e de outros produtos agrícolas para
consumo humano e comida para animais em
dois países da UE. Estas
operações ocorrem em um momento de forte
demanda em que os preços dos grãos
chegaram a um valor tão alto e sem
precedentes, pelos problemas da produção
e pela utilização de grãos para produzir
biocombustíveis, o que acabou elevando
os preços dos alimentos. "A Comissão tem
motivos para acreditar que as companhias
envolvidas podem ter violado os
regulamentos (da UE) no que tange
ao cartéis e às práticas comerciais
restritivas", afirmou o organismo em uma
declaração.
Reuters | 11 de julho | 2008 |
O consórcio agrícola
Cargill
comunicou na segunda-feira que seu lucro para o
terceiro trimestre aumentou em 86 por cento,
chegando a 1.030 milhões de dólares, registrando um
forte crescimento tanto no seu estoque de produtos
básicos, como no âmbito financeiro. Manifestou que
os maiores lucros vieram do segmento de criação e
processamento, que elabora e vende produtos
alimentícios básicos.
Associated Press | 14 de abril | 2008 |
"O aumento do comércio oferece um sistema alimentar
mundial mais estável e seguro. O comércio promove a
prosperidade e a prosperidade promove a paz",
Rich Torres, Vice-presidente da
Cargill.
Feira da alimentação, Chicago | 23 de maio | 2008 |
A Cargill,
o gigante da agroalimentação cujo ex-vice-presidente
redigiu o texto original do Acordo sobre Agricultura
da Organização Mundial do Comércio (OMC),
sempre utilizou da sua posição no mercado para
manipular a ascensão e a queda dos preços
(freqüentemente de maneira simultânea), com o
propósito de extrair o máximo valor em cada um dos
pontos da cadeia alimentar, ao mesmo tempo em que
faz a prédica ao evangelho do "livre comércio".
Tanto é assim, que não foram surpresa as recentes
inspeções da UE em seus escritórios europeus.
Afinal, a
Cargill
é a companhia que foi suspensa da Chicago Board of Trade (CBOT)
de Chicago por ter abocanhado o mercado do milho em
1937 e que encarou situações similares com respeito ao trigo
(1963) e à soja (1973). Em 2004, a
Cargill
pagou 24 milhões de dólares para concluir um processo
judicial coletivo empreendido por mais de dez das principais
companhias agroalimentares (poucas delas inocentes com
relação a terem aproveitado de sua posição de predomínio em
seus próprios mercados), que impugnou os pactos entre as
coalizões de empresas mundiais para manipular o mercado
internacional multimilionário, dos adoçantes de milho de
alta frutose.
Nos anos 70, a
Cargill
capitalizou a extrema volatilidade dos mercados
internacionais de trigo –volatilidade induzida em parte por
suas próprias operações– para aumentar as suas vendas de
2.200 milhões de dólares em 1971 para 28.500 milhões de
dólares no decorrer de dez anos. O lucro financiou a
consolidação de sua posição dominante em matéria de
comércio/processamento, a expansão até novos setores como a
carne e alimentos processados, ao mesmo tempo em que se dava
o desenvolvimento da rede de serviços financeiros da
companhia. Na segunda metade dos anos noventa, a
Cargill
exerceu fortes pressões para abater os sistemas de apoio de
preços para os produtores de grãos nos Estados Unidos,
esmagando muitos concorrentes graças ao excesso de oferta e
aos preços baixos, enquanto isso tirava proveito dos
subsídios à exportação, visando captar novos mercados no
exterior através do dumping.
Em 2004, a
Cargill
vendeu as suas operações brasileiras de elaboração de suco
de laranja para duas companhias, uma das quais, a Cutrale,
é atualmente líder mundial, abastecendo o concentrado para
aproximadamente um terço da quantidade total de suco de
laranja consumida em escala internacional. Durante mais de
uma década, as companhias que processavam laranjas no
Brasil foram autuadas por conspirar para fazer os preços
da exploração agrícola caírem (e violar repetidamente a
legislação trabalhista brasileira). Em 2007, as autoridades
norte-americanas começaram a investigar o suposto dumping
do suco concentrado de laranja brasileiro importado para os
Estados Unidos.
Em todas as ocasiões, a
Cargill e os outros comerciantes e elaboradores
de primeira linha utilizaram as
suas posições no mercado para se beneficiarem da
volatilidade dos preços e inclusive para gerá-la. A
concentração do poder aquisitivo lhes permite subir e baixar
os preços mediante sistemas de arbitragem internacional, bem
como realizar pactos formais e informais entre os cartéis e
"associações estratégicas" com outras CTNs, exercer
pressões políticas e contar com um regime internacional de
comércio e investimentos que reforça o seu poder acima dos
trabalhadores/as, dos agricultores e dos consumidores.
Nem o livre comércio nem a
liberdade de controle para
as Cargill do mundo
alimentarão o planeta.
A solução da fome em grande
escala começa por revelar,
compreender e transformar os
mecanismos do poder que
abalam o atual sistema
alimentar internacional. |
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A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação (FAO), em sua World
Commodity Review (Resenha Mundial de Produtos Básicos)
para 2007 - 2008, assinala laconicamente nos seguintes
termos: "A presença [de grandes companhias multinacionais]
pode também se transformar numa diminuição da
competitividade, com efeitos negativos para os consumidores
e as empresas nacionais, durante o período 1996 – 2002,
descobriu-se uma série de cartéis internacionais de
ingredientes de alimentos e de comida para animais, ainda
que a fixação ilegal de preços já existisse, em certos
casos, desde os anos oitenta".
O ex-diretor da
ADM,
Dwayne Andreas, disse isso com muito mais força (em
um momento no qual a companhia também estava sendo
investigada por fixar o preço do xarope de milho com alta
frutose) quando afirmou: "Não existe um só grão de nada que
se venda em um mercado livre. Nenhum! O único lugar onde se
pode ver um mercado livre é nos discursos dos políticos". A
Bunge, a outra companhia em destaque pelas recentes
inspeções da UE, aumentou em 77 por cento o seu
lucro no primeiro trimestre de
2008, apoiada pelos enormes subsídios pagos para a social e
ambientalmente devastadora indústria do biodiesel produzido
em base a sementes oleaginosas. Elas também conhecem um par
de coisas sobre o "livre comércio" demostrado no último
grande salto no número de pessoas com fome no mundo.
Os políticos e os grupos de pressão que promovem a rápida
conclusão da “Agenda de Doha para o
Desenvolvimento" da OMC, também chamada Rodada
Doha,
como sendo a solução para a fome mundial são cúmplices deste
cinismo sem igual. O Grupo de Especialistas de Alto Nível da
ONU sobre a Crise Alimentar Mundial também está
impulsando a agenda da Rodada Doha como sendo
o ingrediente essencial para a receita da eliminação da
fome. O Grupo de Especialistas procura definir uma função
para as reservas estratégicas de grãos, sem referência
alguma ao poder das multinacionais para engolir,
reconstituir, manipular e comercializar estas reservas em
todas suas formas reais e (através dos mercados financeiros)
virtuais. A colocação em prática de uma agenda completa da
OMC expandiria ainda mais o domínio corporativo sobre
as realidades mundiais de alimentos existentes.