Uma legião de doentes na
esteira
Ritmo intenso de trabalho e postura
inadequada
são algumas das dificuldades
enfrentadas
Na contramão do crescimento do setor avícola brasileiro, cuja produção
saltou 104,5% e a exportação, 317% na última década, trabalhadores de
frigoríficos deste segmento estão sendo abatidos por uma epidemia, que
tem raízes na própria atividade que lhes garante o sustento. Estima-se
que, atualmente, entre 20% e 30% dos 500 mil empregados que trabalham no
setor em todo o país estejam com algum problema de saúde. O percentual
só não é maior porque as notificações de acidentes e adoecimentos estão
distantes da realidade. Chancelado por recentes estudos vinculados à
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o alerta vem
sendo feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e por
entidades de classe, que agora prometem endurecer a fiscalização e as
negociações junto às indústrias. Os objetivos são reduzir o tempo de
exposição aos riscos e aumentar as escassas pausas na jornada. Contudo,
a falta de pessoal nos órgãos fiscalizadores e o valor baixo das multas
estimulam o descumprimento das leis.
Frio, ritmo intenso ditado pelas máquinas, postura inadequada, umidade,
falta de intervalo adequado para descanso, exposição contínua a níveis
de ruído acima de 80 decibéis, pressão de superiores e, principalmente,
repetitividade. Esses são alguns dos fatores que desencadeiam o
surgimento de doenças ocupacionais e até mesmo depressão. Corriqueiras,
as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) ou Distúrbios
Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) se justificam:
são 120 movimentos por minuto na separação de coxa de sobrecoxa
desossada, 80 na desossa de coxa e sobrecoxa e 78 na retirada da
cartilagem de peito na carcaça. Ao final do expediente, um trabalhador
pode chegar a 63 mil movimentos para finalizar 14,4 mil peças. Para
permitir a recuperação dos tendões, por exemplo, pesquisas recomendam
até 30 movimentos/min. "As atuais condições de trabalho são
absolutamente incompatíveis com a saúde física e mental do trabalhador",
avalia o procurador do Trabalho Sandro Sardá, gerente
nacional do projeto de Regularização das Condições de Trabalho em
Frigoríficos do MPT.
Ele chama a atenção para o fato de hoje haver uma "verdadeira legião de
lesionados", sobretudo jovens, o que gera um elevado custo social. De
acordo com Sardá, as empresas preferem dispensar os que adoecem ou
contratar novos empregados no lugar dos que são afastados, que passam a
ser bancados pela Previdência Social. "O Brasil é a China do setor
avícola, pois nenhum país consegue produzir frango tão barato. O custo
social é que é muito caro", ressalta, destacando que também há
precariedade no trabalho envolvendo o abate de gado e suínos, porém,
neste caso, o problema é mais grave devido ao ritmo excessivo de
trabalho. A conduta médica de profissionais contratados por empresas
também é questionada. Conforme ele, diante das queixas dos operários,
muitos receitam medicamentos que só inibem a dor.
Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Indústria da Alimentação, Agroindústria, Cooperativas de Cereais e
Assalariados Rurais (CONTAC), Siderlei de
Oliveira, a situação chegou a um ponto que não há outra saída a não
ser relatar as condições precárias de trabalho a organismos
internacionais. A entidade planeja fazer a denúncia, tendo representante
da Justiça como porta-voz, em maio, durante o congresso da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra, na Suíça. "Não
estamos falando de empresas de fundo de quintal."
O setor industrial admite que é preciso evoluir, mas se defende. De
acordo com o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav),
Nestor Freiberger, a incidência de doenças ocupacionais é
resquício de um passivo de 20 anos, em função do crescimento acelerado
do ramo, mas diz: "Há muito sensacionalismo". Ele prega o diálogo entre
órgãos de fiscalização, empresas e trabalhadores para encontrar o
caminho adequado, que pode passar, inclusive, pela diminuição de ritmo.
Para o presidente da União Brasileira de Avicultura, Francisco
Turra, a tendência é que o setor parta para a mecanização. Ele
considera irresponsável a conduta de entidades que pretendem denunciar
as mazelas às autoridades internacionais.
Frente a outros segmentos, um trabalhador de frigorífico tem:
- 8 vezes mais chances de sofrer de transtorno dos nervos;
- 5 vezes mais chances de ter transtorno dos tecidos
moles;
- Quase 4 vezes mais chances de desenvolver
transtornos do humor;
- 2 vezes mais chances de adquirir dorsopatias.
Fonte: Ministério
da Previdência/Abate de suínos,
aves e outros pequenos animais (Cnae)