No dia 12 de março de 1976, um telegrama
secreto chegou ao Itamaraty, vindo de
Buenos Aires, avisando sobre o
acontecimento que dias depois marcaria a
história argentina: o golpe militar
contra a viúva do general Juan Domingo
Perón, Isabelita Perón.
O despacho transcrevia uma conversa
entre um alto funcionário da embaixada
brasileira e o então chefe da
inteligência naval argentina, na qual o
argentino prevenia o brasileiro do golpe
de Estado de 24 de março, para que o
Brasil, na época uma ditadura
militar, estivesse preparado. Segundo
uma série de telegramas revelados pelo
governo brasileiro a pedido da
Reuters, as Forças Armadas
argentinas também avisaram o Chile
com antecedência sobre o golpe. O
Chile era governado havia mais de
dois anos pelo regime militar instaurado
por Augusto Pinochet.
"(Lorenzo de)
Montmollín, declarando que estava
expressamente autorizado pelo
comandante-geral da Armada para fazê-lo,
indicou as linhas principais do futuro
regime que estava prestes a ser
instalado no país", escreveu no
telegrama o então embaixador do
Brasil na Argentina, João
Baptista Pinheiro. Embora em 1976
não fosse grande segredo que o governo
peronista estava com os dias contados,
numa Argentina abalada por
conflitos sindicais, pelo caos econômico
e pela ação de guerrilheiros de esquerda
e milícias de ultradireita, esta é a
primeira vez que são reveladas provas do
fato de os militares argentinos terem
avisado outros países com antecedência
sobre o golpe.
O golpe militar inaugurou uma grande
caçada à oposição e o combate à
guerrilha à margem da lei, com ações
como sequestros, tortura e reclusão de
detidos em campos de concentração. "Montmollín
comentou que já tinham feito o governo
chileno sentir que era preferível que o
Chile "não estivesse entre os
primeiros" a reconhecer o novo regime,
havendo as autoridades chilenas
manifestado perfeita compreensão da
sugestão argentina", afirmava o
telegrama secreto. O argentino
justificara o pedido assegurando,
segundo o documento, que o novo regime
militar reprimiria a oposição, "mas com
o cuidado necessário para evitar a
repressão ostensiva e violenta, para não
sofrer uma campanha internacional como a
que se deflagrou contra o Chile".
A repressão à guerrilha esquerdista e à
oposição deixou na Argentina um
saldo de entre 9.000 e 30.000 mortos,
segundo estimativas diversas.
Coordenação
Os telegramas revelaram também que,
depois do golpe, Pinheiro
comunicou ao governo brasileiro o início
da cooperação entre Argentina e
Paraguai para eliminar a
guerrilha e perseguir opositores, num
esboço do que logo se tornaria a
"Operação Condor". Essa operação, para
reprimir os opositores, envolveu os
governos de Argentina, Brasil,
Chile, Paraguai,
Uruguai e Bolívia. Menos de
um mês depois de assumir o poder, dois
generais do Exército argentino, Ramón
Genaro Díaz Bessone e Cristino
Nicolaides, viajaram a Assunção para
se reunir com o então ditador paraguaio,
Alfredo Stroessner.
A visita "buscou assegurar às
autoridades paraguaias que o governo
argentino está mais que nunca empenhado
em aniquilar a subversão, eliminando
inclusive os focos guerrilheiros
situados na área fronteiriça dos dois
países", indicou um documento com a data
de 23 de abril de 1976. A cooperação
entre as ditaduras para a repressão e o
aviso dos militares argentinos ao
Chile sobre os planos de golpe não
impediram que Argentina e
Chile ficassem à beira de uma guerra
em 1978, por causa de um conflito sobre
as fronteiras.
Neoliberalismo
Os documentos mostraram também que o
governo militar brasileiro previu com
precisão o rumo econômico que a ditadura
argentina provocaria. No dia 1o. de
abril de 1976, um dia antes de o então
"czar econômico" argentino, José
Alfredo Martínez de Hoz, anunciar
seu plano econômico para o país,
Pinheiro enviou um telegrama
confidencial a Brasília classificando as
políticas a ser implantadas de
"neoliberalismo". Logo depois da
divulgação do plano, que em poucos anos
arrasou a indústria local, o diplomata
brasileiro informou ao Itamaraty que a
política econômica argentina teria como
"grandes sacrificados" a "pequena
empresa e o setor assalariado," para
favorecer grandes empresas
multinacionais.
Tomado de Reuters
22 de março de 2007
Destacados: Rel-UITA
Volver
a Portada