Se no tempo de Chico Mendes os
seringueiros de Xapuri enfrentavam enormes problemas
para conseguir manter seu estilo de vida, hoje, 20
anos após a morte do líder sindical, as coisas não
andam muito diferentes.
De acordo com Dercy Teles de
Carvalho Cunha, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) de Xapuri, "as
Reservas Extrativistas (Resex) são insustentáveis e
não beneficiam os trabalhadores que nela moram.
Viver do extrativismo é praticamente impossível com
os valores cobrados atualmente. O produto chave da
resex é a borracha natural. A castanheira - e seu
fruto, a castanha - não é encontrada em todas as
áreas. Então, quem não tem castanha na sua unidade
produtiva tem q viver exclusivamente da borracha.
Isso significa viver numa condição
subumana'.
O preço da borracha natural está
avaliado entre R$1,50 e R$2,00 por quilo do produto.
Já o látex é vendido a R$ 4,10. Essa renda não
permite com que os trabalhadores dos seringais
adquiram nem mesmo os produtos de primeira
necessidade nos mercados de Xapuri. A situação
chegou a esse ponto, de acordo com a presidente,
porque no decorrer dos anos desde a morte de
Chico Mendes, as organizações populares,
sindicatos e cooperativas tenderam a um comodismo
que enfraqueceu sua pauta de reivindicações.
Dercy
falou com a reportagem do site Amazônia durante o
intervalo de uma assembléia realizada na sede do
STR de Xapuri que discutia a operação "Reserva
Legal" do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais renováveis (Ibama), que está
multando e dispensando dos limites da Resex Chico
Mendes seringueiros que se tornaram pecuaristas, por
conta dessa falta de alternativa de geração de renda
a partir dos produtos extrativistas. A unidade de
conservação tem quase um milhão de hectares, e mais
de 45 mil desses já foram transformados em pastagem
para alimentar um rebanho bovino de 10 mil cabeças.
"Nossa expectativa é que haja um
consenso, senão teremos que retomar as manifestações
que já ocorreram em Xapuri no passado, pois os
prejudicados estão dispostos e contamos com apoio da
população urbana. É inadmissível termos lutado tanto
pela preservação dessa floresta e hoje sermos
praticamente obrigados a deixá-la por não ter uma
política que garanta a renda através dos produtos
extrativistas".
Raimundo Mendes de Barros,
mais conhecido como Raimundão, primo de
Chico Mendes e seu companheiro na luta pelos
direitos dos seringueiros, conta que os mecanismos
usados pelo latifúndio hoje são mecanismos
silenciosos, "hoje ele [o latifúndio] não se
apresenta mais com seus grupos de pistoleiros, com a
ferocidade de destruição, mas conquista pessoas do
nosso meio".
Para ele, um dos principais problemas
enfrentado hoje na região é esse interesse pessoal
de algumas pessoas nossas que vendem parte das
colocações de seringas para pessoas de fora, como os
fazendeiros. "Nesse momento está sendo retirado
dentro de nossas reservas pessoas que compraram, que
invadiram. Isso é um problema muito sério e
precisamos equacionar a partir da resistência nossa,
a partir da fiscalização dos órgãos do Estado".
Raimundão
lamenta ainda a falta de escolas na região, o que
faz com que os filhos dos seringueiros se mudem para
a cidade para concluir seus estudos e não retornem
mais. E ressalta a necessidade de se continuar a
luta em defesa da industrialização local, para
transformar os produtos extrativistas em objetos já
prontos para o mercado.
Especial Chico Mendes
No dia 22
de dezembro de 1988, a Amazônia perdia
um de seus maiores defensores. O
seringueiro Chico Mendes era
assassinado a mando de fazendeiros de
Xapuri (AC), incomodados com a luta em
defesa da floresta e contra a exploração
e o latifúndio.
Passados
20 anos, algumas das ações de Chico
deram resultado, mas ainda existe muita
impunidade e destruição na Amazônia. Por
isso, o site Amazônia.org apresenta um
especial relembrando a luta de Chico e
questionando o atual estado da
florestas, dos seringueiros, das
Reservas Extrativistas.
|
Passado, presente e futuro
Dercy
milita no movimento sindical desde os tempos de
Chico Mendes. Ela foi o segundo presidente do
Sindicato dos Trabalhadores rurais de Xapuri. Depois
disso trabalhou em projetos de educação ambiental,
cooperativas, e no ano de 2006 retornou à
presidência, numa situação diferente, com chapa de
oposição.
Na época de Chico Mendes os
principais inimigos dos seringueiros eram os grandes
pecuaristas que se instalavam na região com o apoio
do estado. "Hoje vivemos praticamente a mesma
situação, com um diferencial que é o próprio estado,
a partir das suas instituições, que está oprimindo,
deixando os seringueiros em situação de terror".
A
situação chegou ao ponto em que se encontra hoje,
segundo a sindicalista, em função da desorganização
da classe e da falta de um mercado com valores
agregados aos produtos extrativistas, levando a
pecuária a se desenvolver dentro da reserva, "onde
hoje se vive um caos social. Em função das entidades
representativas (sindicatos, associações de
moradores, Conselho Nacional de Seringueiros) não
terem cumprido com suas obrigações, não trabalhando
a educação quanto ao plano de utilização da reserva,
que tipo de comportamento seus moradores devem ter.
A reportagem procurou o Conselho
Nacional de Seringueiros, mas não obteve resposta
até o fechamento da matéria. O sindicato afirma que
não é favorável a ilegalidade nem contrário à
execução da lei. "Mas somos a favor de que todos os
passos necessários sejam seguidos. Por exemplo, o
plano de utilização diz que o cidadão que infringir
a lei deve ser advertido. Deveria haver uma
fiscalização constante e, ao detectar as
irregularidades, a pessoa deveria ser advertida
oficialmente, por escrito e teria um tempo para se
adequar ao regulamento da reserva. Isso nunca foi
feito, então essa ação é criminosa, desrespeitosa".
Com relação ao prefeito eleito de
Xapuri, Francisco Ubiracy Machado de Vasconcelos,
que assumirá o cargo em primeiro de janeiro do
próximo ano, Dercy promete uma postura
vigilante: "Nossa relação com os governos enquanto
dirigente sindical é muito bem definida. O que não
contemplar a população a gente critica, discorda e
apresenta propostas. Eu particularmente espero que
ele seja bem sucedido, pois a cidade. E ele será
obrigado a dar essa resposta, porque foi eleito com
menos de 30% dos votos.
Então é uma eleição com uma pedra no sapato".
Abaixo segue a nota na qual o STR
de Xapuri divulgou repudia as comemorações da
"Semana Chico Mendes", organizada pelo Comitê Chico
Mendes e governo do Acre, no momento em que o
Ibama executa a operação "Reserva Legal".
|