Parentes e entidades ligadas a desaparecidos políticos reclamam do governo
Lula, que lança propaganda em busca de informações junto à população, mas
não abre arquivos secretos da União
Ao gastar R$ 13,5 milhões em uma campanha para arrecadar informações que
levem aos corpos de desaparecidos políticos, o governo Lula inaugurou um
novo foco de litígio com as famílias das vítimas do regime militar. Enquanto
a própria União admite que a iniciativa pode fracassar, entidades e parentes
pedem a abertura dos arquivos secretos da ditadura, ainda hoje mantidos sob
sigilo pelo Planalto.
A propaganda é veiculada no horário nobre do rádio e da TV, além de ocupar
espaços privilegiados nas principais revistas de circulação nacional. O
projeto Memórias Reveladas estimula a população a entregar documentos
pessoais, com objetivo de reforçar as investigações que possam ajudar na
identificação dos corpos. Mas líderes de grupos envolvidos nas buscas
colocam em dúvida os resultados da iniciativa. Presidente do Tortura Nunca
Mais, Cecília Coimbra, ela própria uma ex-presa política, é enfática:
–É uma encenação para a sociedade. O governo não abre os arquivos e vem com
essa campanha pífia. Estão tentando tirar a responsabilidade do Estado e
repassar para a população.
Entre os 140
nomes de desaparecidos no Brasil, está o do gaúcho João Carlos Hass
Sobrinho, morto em 1972 na Guerrilha do Araguaia.
Em 37 anos de buscas, a irmã dele, Sônia Hass, já esteve três vezes
na região, conversou com moradores e participou da retirada de ossadas do
cemitério de Xambioá (TO). Está desiludida:
–Há anos não temos novidades. Duvido que essa campanha resulte na
localização dos corpos.
A desconfiança de Sônia é reforçada por Paulo Sérgio Pinheiro,
conselheiro da Organização dos Estados Americanos (OEA). À frente da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que estuda casos de tortura e
perseguição política, Pinheiro já sugeriu ao governo a criação de grupo
especial para analisar violações contra os militantes nos anos 1960 e 1970.
Para ele, campanhas de propaganda são úteis para transmitir conhecimento às
novas gerações, mas falham na solução do impasse.
O problema não se limita ao território brasileiro.
Outros 32
militantes teriam morrido no Exterior,
entre eles, cinco gaúchos. O projeto Memórias Reveladas não prevê ações para
localização desses restos mortais.
O próprio Planalto admite que a meta de encontrar os corpos dificilmente
será atingida com a campanha. Ligado ao Arquivo Nacional, o Centro de
Referência Memórias Reveladas é responsável pela administração do projeto e
trabalha com a expectativa de recolher 500 mil documentos até o fim do ano.
O órgão tem sede no Rio e recebe cerca de 10 e-mails por dia – a maioria com
críticas aos anúncios. Há seis anos, uma decisão judicial determinou que a
União abrisse seus registros sobre a Guerrilha do Araguaia. Depois de uma
série de derrotas na Justiça, o governo estruturou em julho um grupo para
começar as buscas na região, sem sucesso. E os documentos seguem sob o
carimbo de sigilo do Ministério da Justiça.
– A
União não tem condições morais de pedir ajuda à população se ela própria não
abre os arquivos – afirma o conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos
Humanos, Jair Krischke.