Dirigente do Tortura Nunca Mais cobra abertura de
arquivos oficiais e cita risco de país ser punido em tribunal da OEA
O grupo
Tortura Nunca Mais definiu como "mera encenação" a campanha publicitária
lançada pelo governo federal no último fim de semana. Os anúncios solicitam
aos brasileiros que tenham documentos ou informações sobre o período de 1964
a 1985 - a ditadura militar - que os doem ao Arquivo Nacional. Para o
Tortura Nunca Mais, a iniciativa é parte de uma estratégia para evitar que
em breve o Brasil seja condenado pelo tribunal da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados
Americanos (OEA), em Washington, em processos sobre desaparecidos
políticos.
Veiculada
em rádio, TV, jornais, revistas e internet, a campanha Memórias Reveladas
diz que o governo tem uma dívida com as famílias dos desaparecidos
políticos, e que elas "têm o direito sagrado de enterrar os corpos dos seus
entes queridos". Segundo o anúncio, permanecem desaparecidas 140 pessoas que
"lutaram e morreram por um Brasil mais justo". E faz um apelo: "Para
que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça".
A reação
dos familiares dos desaparecidos foi contundente, segundo Elizabeth
Silveira e Silva, tesoureira e ex-presidente do Tortura Nunca Mais do
Rio, cujo irmão (Luiz Renê Silveira e Silva) lutou na
Guerrilha do Araguaia e está na lista de desaparecidos:
" É uma
maneira de o governo dizer ao tribunal: "Fizemos o que foi possível fazer",
quando, na verdade, nada está fazendo " - Vemos a campanha como encenação
para aliviar um pouco as denúncias que constam do processo em andamento no
tribunal da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É uma maneira de o
governo dizer ao tribunal: "Fizemos o que foi possível fazer", quando, na
verdade, nada está fazendo.
Ela lembrou
que tempos atrás, quando o processo foi aberto na CIDH, a entidade
fez sugestões ao governo para que tomasse providências no sentido de evitar
que o caso chegasse ao julgamento na corte internacional. Uma delas seria
intimar para depor militares que serviram na época, para que revelassem o
que sabiam a respeito da repressão contra quem resistia à ditadura militar.
- O governo
deu de ombros, não aceitou a sugestão. Sequer explicou as circunstâncias das
mortes. E surpreende com essa campanha. Não vemos vontade política de que
esse episódio da História recente seja totalmente esclarecido.
Grupo duvida que apareçam documentos
relevantes
Para o
Tortura Nunca Mais, o governo deverá obter pouco material através da
campanha, pois as pessoas mais diretamente interessadas - parentes de
desaparecidos - só possuem dados que investigaram por conta própria ou com a
ajuda de entidades civis.
-Se alguém
tiver um documento oficial em mãos, trata-se de material roubado do governo
e, portanto, um crime. Por isso, é estranho esse pedido.
A posição
do grupo, segundo Elizabeth, é clara: o governo deveria dar o
primeiro passo. Antes de pedir aos brasileiros que doem documentos sobre os
chamados anos de chumbo, para que sejam compilados e posteriormente
divulgados pelo Arquivo Nacional,
o governo deveria abrir os seus arquivos secretos daquele período.
-Essa
iniciativa é fundamental para que essa nova campanha de aparência séria não
passe de uma brincadeira, de uma encenação.
José Meirelles Passos
O Globo
13 de outubro
de 2009