MPT investiga esquema de trabalho degradante na
colheita do tomate |
Trabalhadores recrutados na fronteira entre Goiás e
Minas Gerais eram explorados em fazendas de Morrinhos
(GO). Procurador apura possível relação comercial entre
produtores e 4 empresas alimentícias, entre elas a
Unilever
O Ministério Público do Trabalho (MPT) desvelou
um esquema de trabalho degradante que se repete há pelo
menos dez anos na colheita do tomate em Goiás. "Gatos"
(empreiteiros de mão-de-obra) aliciavam trabalhadores em
Centralina e Uberlândia, em Minas Gerais, e em Caldas
Novas, Goiatuba e Itumbiara, em Goiás, para a safra na
região de Morrinhos (GO).
Segundo as informações dos contratadores ouvidos pelo
MPT, há indícios de que os produtores envolvidos no
esquema comercializam tomates para a Unilever Brasil,
em Goiânia (GO), e mais três empresas alimentícias de
Morrinhos: Cisal Indústria Sulamericana de Alimentos,
Conservas Olé, da empresa Ângelo Auricchio, e Dez
Indústria de Conservas Alimentícias. "Nós estamos
investigando para confirmar isso ou não", declara o
procurador do trabalho Antônio Carlos Cavalcante,
que investiga o caso.
A investigação em curso na Procuradoria Regional do
Trabalho da 18ª Região (Goiás) foi provocada por uma
ação trabalhista movida há seis meses por 161 colhedores
de tomate de Centralina contra fazendas de tomate de
Morrinhos. De acordo com a advogada Ângela Parreira,
responsável pela ação, nove fazendas que utilizavam
trabalho degradante já foram identificadas e, entre os
proprietários das terras, há sócios da Dez Indústria de
Conservas Alimentícias.
O número de trabalhadores que estão ajuizando a ação,
ressalta a advogada, deve crescer. "Começou com 161, mas
agora tem mais 44 pessoas. Eles queriam ser contratados
na safra do tomate deste ano, que começa agora, e
preferiram não se envolver. Mas em Morrinhos já disseram
que não vão contratar ninguém de Centralina, então eles
pediram para entrar também."
A empresa Dez, por meio de sua assessoria jurídica, se
comprometeu a preparar um pronunciamento por escrito
sobre o caso. A assessoria de imprensa da Unilever,
por seu turno, declara que compra tomate de produtores
fixos, nos municípios de Morrinhos, Goiânia e Patos de
Minas (MG) e que mais de 80% da colheita é mecanizada.
Afirma que a produção é controlada e há inclusive
fiscalização nas plantações. "Seguindo esses padrões,
não há infrações desse tipo", declara a empresa. E
adiciona que "com a postura que a Unilever adota,
certamente deixaria de comprar dessas fazendas [caso os
indícios forem comprovados pelo MPT]".
A informação sobre a possível conexão comercial com o
esquema pode estar desatualizada, contesta a Unilever,
filial da multinacional européia que produz genêros
alimentícios, artigos de higiene e de limpeza famosos
mundo afora. A fábrica do grupo em Goiânia foi comprada
em outubro de 2000; e as modificações se iniciaram a
partir de 2001. A assessoria de imprensa admite que a
empresa chegou a ter problemas em sua cadeia produtiva
anos atrás, que já foram devidamente resolvidos. O grupo
alega ainda que mantém projetos sociais que atendem os
trabalhadores rurais da região.
A Cisal afirma que deixou há mais de dois anos de
comprar tomate in natura e que atualmente compra apenas
polpa -no mercado interno ou importado da China.
Também está disposta a se adequar no que for preciso,
atendendo as exigências da Delegacia Regional do
Trabalho (DRT) e do MPT.
A denúncia ainda está sendo avaliada pela Conservas Olé.
De acordo com a empresa, proprietários de fazendas que
abastecem a linha de produção estão sendo consultados em
função das denúncias. Os produtores são independentes,
mas muitos fornecem tomates regularmente todos os anos,
com contratos renovados safra após safra.
O procurador Antônio Carlos estabeleceu o prazo
de 17 de julho para que as empresas apresentem os seus
pareceres diante dos indícios colocados. Já houve uma
primeira audiência pública e duas outras já estão
marcadas ainda para este mês: dia 26, em Centralina, e
27, em Caldas Novas. "Se não houver acordo com um TAC
[Termo de Ajustamento de Conduta], vamos entrar com uma
Ação Civil Pública", avisa. O representante do MPT
quer que as empresas se comprometam a comercializar
apenas com fazendas que registrarem seus trabalhadores.
Esquema
antigo
Todos os anos, na época da safra, que acontece no Estado
principalmente no mês de agosto, os trabalhadores vinham
fazendo viagens diárias até as plantações da região de
Morrinhos (GO). Os gatos - até agora quatro deles já
foram identificados - organizavam o transporte, feito em
ônibus fretados, vans ou mesmo ônibus de linha, e
determinavam os destinos dos colhedores.
"Fizemos todo o trajeto com os trabalhadores. O ônibus
sai 3h da manhã do ponto. Eles costumam acordar às 2h,
2h30. Ficam na lida desde 6h até às 16h. Trabalham de
segunda à sábado, o dia todo", descreve a advogada
Ângela Parreira. O preço da passagem, botinas e
outras ferramentas de trabalho eram fornecidas pelo gato
e depois descontadas do valor que ele pagava aos
colhedores, a cada semana. Por lei, Equipamentos de
Proteção Individual (EPIs) e transporte até o
local de trabalho não podem ser cobrados. "Só não
descontava alojamento porque não tinha", descreve o
procurador do caso.
O pagamento por produção fazia com que os trabalhadores
se esforçassem para conseguir colher o máximo possível.
"Eles levam marmita, mas não têm horário para o almoço.
Almoçam em dez, 15 minutos, porque é por produção",
relata Ângela. "Tem gente de todas as idades, de
70 anos, de 57, até 17, sem carteira assinada. Tem
mulher, tem casal com filhos", complementa. "Sou
advogada trabalhista há 20 anos e me sensibilizei com
essa história."
O tempo médio de trabalho na colheita do tomate das 161
pessoas que apresentaram a ação chega a cinco anos.
"Alguns estão desde 1996, outros só trabalharam por uma
safra." A advogada dos trabalhadores garante que não
haverá problema em identificar quais são as fazendas em
que eles trabalharam e por quanto tempo. Segundo ela, os
colhedores ficavam de uma semana a um mês na mesma
fazenda. "É um grupo de fazendas grandes, uma do lado da
outra."
Para Antônio Carlos, "não dá para fazer pagamento
de rescisão e não resolver essa questão histórica." "O
que mais preocupou a gente é que são anos de degradação
e o aparelho estatal se tornou totalmente ineficiente,
por causa da terceirização."
Investigação
Inicialmente, quatro gatos já foram identificados e
serão acionados criminalmente. "Vou acionar pelo artigo
130 do Código Penal, porque não trabalham com EPI
e lá tem cobra e animais peçonhentos, e pelo artigo 207,
aliciamento de pessoas", explica Antônio Carlos.
Dois deles, já ouvidos pelo procurador, admitiram fazer
contratações para pelo menos oito propriedades.
Confirmadas as fazendas envolvidas no esquema, a
investigação também deve verificar a situação fundiária
das mesmas, que será conferida junto ao Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Paralelamente, o MPT conta com a colaboração da
Polícia Federal Rodoviária (PRF) para uma
operação conjunta que está fiscalizando a fronteira
entre os estados, impedindo a circulação de ônibus com
trabalhadores sem registro.
Beatriz Camargo
Reporter
Brasil
10 de
junho de 2007
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