Brasil

 

Aracruz Celulose

Solidariedade com os povos Tupiniquim e Guarani na recuperação de suas terras ancestrais

 

Texto do manifesto conjunto da Rel-UITA e do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Brasil (MJDH) enviado ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Desde 1979, os povos indígenas Tupiniquim e Guarani do estado do Espírito Santo, no Brasil, estão lutando para que lhes seja reconhecido o direito constitucional de viver e desenvolver-se em suas terras ancestrais, ocupadas na atualidade pela empresa Aracruz Celulose. Em dezembro passado, após terem sido expulsos das aldeias que tentaram reconstruir dentro de suas terras, ação na qual 36 indígenas ficaram feridos, os índios Tupiniquim e Guarani ocuparam o porto Portocel, por onde a Aracruz embarca a celulose que produz.

 

Apesar do acordo alcançado naquela ocasião, e que levou os ocupantes a desocupar pacificamente o porto, os representantes das comunidades indígenas não foram recebidos pelas autoridades governamentais que haviam se comprometido a isso.

 

A Aracruz Celulose não hesitou, no ano passado, em lançar uma campanha publicitária desqualificando os índios Tupiniquim e Guarani e que precisou ser retirada devido às suas conotações racistas. Esta transnacional da celulose é a responsável pelo maior desmatamento da “mata atlântica” brasileira e pela sua substituição por espécies exóticas, particularmente pinheiros, acácias e eucaliptos. Os 11 mil hectares, reivindicados pelos povos indígenas e pelas organizações sociais que os apóiam, se constituem em uma das últimas áreas de floresta nativa ainda não desmatadas.

 

A Rel-UITA e o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Brasil estão solidários com a luta dos povos Tupiniquim e Guarani no Espírito Santo, e enviaram um manifesto fundamentado ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que a reivindicação é justa e exigindo a imediata aplicação da Constituição do Brasil ao caso.

 

 

 

Montevideo / Porto Alegre, 30 de janeiro de 2007

 

 

Exmo. Sr. Presidente da República Federativa do Brasil

Senhor Luiz Inácio “Lula” da Silva

Brasília/DF

 

 

Senhor Presidente:

 

A Secretaria Regional Latino-americana da União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação, Agricultura, Hotéis, Restaurantes, Tabaco e Afins (Rel-UITA), juntamente com o Movimento de Justiça e Direitos Humanos, vem respeitosamente a presença de Vossa Excelência para expor e requerer o que segue: 

 

As comunidades dos índios Tupinikim e Guarani do estado do Espírito Santo, representados por seus caciques e lideranças, estiveram na Capital Federal em dezembro do ano passado na expectativa de serem recebidos em audiência pelo Senhor Ministro da Justiça, Dr. Márcio Thomas Bastos, como parte do acordo celebrado com a FUNAI, quando da desocupação do porto de exportação da empresa Aracruz Celulose, invasora de suas terras ancestrais. Durante quatro dias esperaram em vão, não sendo recebidos se quer por seus assessores.

 

É bom lembrar, Senhor Presidente, de que através de seu Ministro da Justiça, Vosso Governo comprometeu-se publicamente, em reunião celebrada no mês de fevereiro pp., na Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, em regularizar as ditas terras até o final do ano de 2006, o que até hoje NÃO CUMPRIU !

 

Dispõem a Constituição Federal da República Federativa do Brasil,

 

-          DOS ÍNDIOS

 

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

 

1º -       São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

 

2º -       As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

 

3º -       O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

 

4º -       As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

 

5º -       É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

 

6º -       São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

 

7º -       Não se aplica às terras indígenas o disposto no Art. 174, inciso 3º e 4º.

 

Ao comentar essas disposições, particularmente os incisos 1º e 2º, ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 17ª ed., Malheiros, São Paulo, 2000, p. 826/827:

 

                                “Terras tradicionalmente ocupadas não revela aí uma relação temporal. Se recorrermos ao Alvará de 1º de abril de 1680 que reconhecia aos índios as terras onde estão tal qual as terras que ocupavam no sertão, veremos que a expressão ocupadas tradicionalmente não significa ocupação imemorial. Não quer dizer, pois, terras imemorialmente ocupadas, ou seja: terras que eles estariam ocupando desde épocas remotas que já se perderam na memória e, assim, somente estas seriam as terras deles (...)

 

                                  O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, em fim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com aterra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços amais amplos pelo qual se deslocam. Daí dizer-se que tudo se realize segundo seus usos, costumes e tradições”.

 

E ainda mais, tratando do indigenato e da posse permanente,

 

                                   “Essas considerações, só por si mostram que a relação entre o indígena e suas terras não se rege pelas normas do Direito Civil. Sua posse extrapola da órbita puramente privada, porque não é e nunca foi uma simples ocupação da terra para explora-la, mas base para seu habitat, no sentido ecológico de interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana. Esse tipo de relação não pode encontrar agasalho nas limitações individualistas do direito privado, daí a importância do texto constitucional em exame, porque nele se consagra a idéia de permanência essencial” (op. cit., p.828/829),

 

e ainda,

 

                                     “Quando a Constituição declara que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam a sua posse permanente, isso não significa um pressuposto de passado como ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis e indisponíveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat.

 

Se destinam (destinar significa apontar para o futuro) à posse permanente é porque o direito sobre elas preexistem à posse mesma, e é o direito originário já mencionado.

 

O reconhecimento do direito dos índios ou comunidades indígenas à posse permanente das terras por eles ocupadas, nos termos do art. 231 § 2º, independe de sua demarcação, e cabe ser assegurado pelo órgão federal competente, atendendo à situação atual e ao consenso histórico” (id., p.829/830),

 

e, sobre a demarcação de terras indígenas, bem assinala,

 

“De qualquer forma, não é da demarcação que decorre qualquer dos direitos indígenas. A demarcação não é título de posse nem de ocupação de terras. Como mencionamos há pouco, os direitos dos índios sobre essas  terras independem de demarcação. Esta é constitucionalmente exigida no interesse dos índios. É uma atividade da União, não em prejuízo dos índios, mas para proteger os seus direitos e interesses. Está dito: competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231)” (ib., p. 831).

 

Como já se disse Excelência,

 

                                                   “A terra é, para os povos indígenas, fonte e mãe da vida. O espaço vital, a garantia de sua existência e reprodução ou reconstituição enquanto povos, ou seja, como coletividades específicas diferenciadas.

 

A terra não é, como na mentalidade capitalista, somente fator econômico-produtivo ou um bem comercial, de propriedade individual, que pode ser adquirido, transferido ou alienado, segundo as leis do mercado.

 

A terra, na cosmovisão indígena, é mais que um pedaço de chão. Não é apenas base de sustento, mas lugar territorial onde jazem os ancestrais, onde se reproduz a cultura, a identidade e a organização social própria. Não é a terra que pertence ao homem, é o homem que pertence a terra. O que acontece à terra acontece aos filhos da terra.

 

Por tudo isso não é possível imaginar um povo indígena sem a terra que, por todas estas razões, não pode ser agredida por quaisquer medidas de ocupação capitalista e neocolonial (usurpação dos recursos naturais, depredação do meio ambiente, ecoturismo, biopirataria)”, como pontifica o bravo CIMI –Conselho Indigenista Missionário–, organismo vinculado com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil  (CNBB).

 

Por oportuno, é bom lembrar  que a empresa Aracruz Celulose, que se opõem aos direitos das comunidades indígenas, é a mesma que em 21 de dezembro de 2006 foi condenada por racismo e discriminação contra os povos indígenas Tupinikim e Guarani, numa ação promovida pelo Ministério Público Federal do Estado do Espírito Santo.

 

Também lembramos, Senhor Presidente, que no passado dia 20 de janeiro completou-se um ano da desocupação promovida pela Polícia Federal, em violenta e irregular ação, que destruiu, com a colaboração da Aracruz Celulose, duas aldeias reconstruídas dentro da terra indígena, ocasião em que treze índios foram feridos. E, estranhamente, apesar das desculpas governamentais, ninguém foi punido.

 

Ante ao exposto, requeremos que imediatamente se lhes imita na posse da área imemorial e lhes garanta ali a permanência, até a ultimação do procedimento demarcatório e homologatório, pela FUNAI e a UNIÃO FEDERAL.

 

Senhor Presidente, urge o imediato cumprimento da Constituição Federal (e, em decorrência, a legislação infraconstitucional), a qual Vossa Excelência jurou, pela segunda vez,  observar e fazer cumprir.

 

 

Estes os termos em que pede e espera deferimento.

 

 

 

                       Gerardo Iglesias                                             Jair Krischke

                 Secretario Regional UITA                               Secretario Geral do MJDH

 

 

 

 

 

 

© Rel-UITA

1 de febrero de 2007

 

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