Dia 12 de junho de 1968, o capitão
aviador Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho,
servindo no PARASAR, foi convocado a uma
reunião, foi recebido no gabinete do ministro da Aeronáutica pelos
brigadeiros Hipólito da Costa e João Paulo Burnier, que viria a se tornar
conhecido como torturador e assassino.
Sérgio
era admirado por indianistas como os irmãos
Vilas-Boas
e o médico
Noel Nutels.
Foi amigo de caciques como
Raoni,
Kremure,
Megaron,
Krumari
e
Kretire.
Os índios o chamavam "Nambiguá caraíba" (homem branco amigo). Aos 37 anos,
Sérgio Macaco
(como era conhecido na Aeronáutica) já tinha seis mil horas de
vôo e 900 saltos em missões humanitárias,
de resgate e socorro em geral. Todavia, o tipo de tarefa que lhe seria
proposta ali pelos oficiais não era nem um pouco digna ou solidária.
-O senhor tem quatro medalhas por bravura, não tem? - indagou
Burnier.
Sérgio respondeu afirmativamente. Então o brigadeiro continuou:
-Pois a quinta, quem vai colocar no seu peito sou eu. - Fez uma pausa.
-Capitão, se o gasômetro da avenida
Brasil
explodir às seis horas da tarde, quantas pessoas morrem?
Achando que a pergunta se referia apenas à remota hipótese de um acidente na
cidade do Rio de Janeiro,
Sergio
respondeu:
-Nessa hora de movimento, umas 100 mil pessoas.
Foi nesse momento que os dois brigadeiros começaram a explicar um terrível
plano terrorista das Forças Armadas e qual deveria ser a participação de
Sérgio. Os dois propuseram que ele, acompanhado por outros
membros do PARASAR, colocasse bombas na
porta da Sears, do Citibank, da embaixada americana, causando algumas
mortes.
Em seguida, viria a grande carnificina: queriam que dinamitasse a Represa de
Ribeirão das Lajes e, simultaneamente, explodisse o gasômetro.
As cargas, de efeito retardado, seriam colocadas pelo capitão Sérgio, que
depois ficaria aguardando, no Campo dos Afonsos, o surgimento duma grande
claridade. Aí, ele decolaria de helicóptero e aportaria no local da tragédia
posando de bonzinho, prestando socorro a milhares de feridos e recolhendo
mortos vítimados pela ação da própria Aeronáutica
Colocariam a culpa nos grupos esquerdistas que lutavam contra a ditadura.
Sérgio seria tido como herói por salvar as supostas vítimas dos "comunistas"
e receberia sua quinta medalha, enquanto a ditadura teria um pretexto para
aumentar a repressão a socialistas e democratas.
O capitão se negou a participar de uma ação tão vil. Declarou corajosamente
aos bandidos fardados:
-O que torna uma missão legal e moral não é a presença de dois
oficiais-generais à frente dela, o que a torna legal é a natureza da missão.
Outros em seu lugar simplesmente encolheriam os ombros e obedeceriam aos
superiores, iriam se desculpar dizendo que estavam apenas "cumprindo
ordens". Mas
Sérgio
era ético, íntegro, não tinha obediência cega a ninguém: seguia, acima de
tudo, sua consciência e valores. Era um homem de verdade: denunciou o plano
diabólico e evitou aquela que seria a maior tragédia da nossa história.
Foi perseguido pela ditadura, discriminado, removido para o Recife,
reformado na marra aos 37 anos, cassado pelo AI-5 e pelo Ato Complementar
19, curtiu prisão... só não puderam quebrar-lhe integridade e honra, sua
firmeza de ser humano. Sérgio se recusou a ser anistiado.
"Anistia-se a quem cometeu alguma falta", costumava dizer. "Não posso ser
anistiado pelo crime que evitei".
Em 1970, necessitando de um tratamento de coluna, aconselharam-no a não se
internar em unidade militar, pois certamente seria assassinado lá dentro.
Graças ao jornalista
Darwin
Brandão,
com auxílio do médico
Sérgio
Carneiro,
o capitão acabou sendo tratado clandestinamente no Hospital Miguel Couto.
Nos anos 90, o Supremo Tribunal Federal determinou indenização e promoção de
Sérgio
a brigadeiro. Tal sentença dependia, porém, da assinatura de
Itamar
Franco.
Itamar,
como se sabe, não é nenhum modelo de virtude e, não por acaso, foi vice do
corrupto Fernando Collor de Mello, que foi prefeito biônico
de Maceió durante a ditadura e se criou politicamente graças ao regime
militar...
Por seis meses, o presidente Itamar
Franco, mesmo
sabendo que
Sérgio
estava acometido de um câncer terminal no estômago,
guardou, na gaveta, a sentença do
STF
favorável ao capitão. Só a assinou três dias depois da morte do herói,
ocorrida em 4 de fevereiro de 1994.
Sérgio
Ribeiro Miranda de Carvalho
(cuja história é narrada no documentário "O Homem que disse Não" do diretor
francês Olivier Horn) foi enterrado no cemitério São Francisco Xavier no
Caju sem honras militares. É lembrado, entretanto, por todos aqueles que
valorizam vida, ética, honestidade, coragem.
Sérgio
provou que, ao contrário do que muitos dizem, uma pessoa pode mudar a
História: cada um de nós faz diferença no mundo.