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Violência no campo diminui no país. Sudeste é exceção |
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Relatório
da Comissão Pastoral da Terra sobre Conflitos no Campo em 2007 indica diminuição
da violência em relação a 2006, com queda de 7% nos casos de conflitos. A
exceção é a região Sudeste, onde a violência cresceu e envolveu maior número de
pessoas.
Lançado nesta terça-feira (15), em Brasília, o relatório
sobre Conflitos no Campo Brasil 2007 da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
principal levantamento do país sobre a violência nas zonas rurais, trouxe uma
novidade em relação à série histórica do levantamento, que chega à sua 32ª
edição: de maneira geral, enquanto no país os conflitos tiveram uma queda de 7%,
houve um aumento dos casos no Sudeste.
Em questões de violência contra ocupação e posse, - despejos,
expulsões, destruição de bens e pistolagem em áreas de pequenos produtores,
populações tradicionais, assentamentos e acampamentos -, no Sudeste as
ocorrências tiveram uma pequena diminuição –
198 caso em 2006 e 190 casos em
2007-, mas o número de famílias atingidas aumentou de 17,3 mil para 19,8 mil no
mesmo período.
Nas outras regiões, o
número de famílias vitimadas caiu de 25,7 mil para 11,6 mil no Centroeste, 47
mil para 45,1 mil no Nordeste, 35,1 para 31,8 no Norte e 15,3 para 13,8 no Sul.
Quanto ao levantamento sobre violência contra a pessoa (que
inclui assassinatos, tentativas de assassinatos e ameaças de morte), o Sudeste
também foi a única região com aumento de ocorrências (234 em 2006 e 255 em
2007). Em relação especificamente ao números de mortes – 28 em todo o país -, no
período houve aumento no Centro-Oeste (de 2 para 5 casos), no Nordeste (de 6
para 9 casos) e Sul (de 0 para 2 casos), com destaque para os estados de Goiás,
Mato Grosso do Sul, Tocantins, Paraná, Maranhão, Bahia, Ceará e Rio Grande do
Norte. Na região Norte, historicamente campeã de assassinatos de trabalhadores
rurais, houve uma diminuição de ocorrências de 28 para 10 casos, resultado,
segundo a CPT, das intensas mobilizações sociais e de grupos de direitos humanos
após o assassinato da Irmã Dorothy Stang, em 2005.
Em relação ao trabalho escravo, na comparação entre 2006 e
2007 houve aumento de ocorrências no país de 262 para 265 casos.
Nas regiões Sudeste e Centroeste,
as ocorrências subiram de de 8 para 14 casos e de 29 para 43 casos,
respectivamente.
No Nordeste e no Sul, o número permaneceu estável no período, com 43 casos na
primeira região e 9 casos na segunda. No
norte, as ocorrências diminuíram
de 173 para 156 casos.
Por fim, o levantamento sobre conflitos pela água aponta um
aumento de ocorrências no Sudeste (de 6 para 23 casos), no Nordeste (de 13 para
24 casos), no Norte (de 11 para 21 casos) e no Sul (de 10 para 15 casos), e uma
diminuição no Centroeste (de 5 para 4 casos).
Sobre a característica dos grupos envolvidas em conflitos, a
CPT aponta que as comunidades tradicionais tem sido alvos potenciais da
violência: foram
vitimadas em 58% dos casos na Amazônia, 27% dos conflitos no Nordeste e 22% no
Sul. Desse total, as comunidades de remanescentes de quilombos estão envolvidas
em 20,6% dos conflitos por terra.
Já as famílias sem-terra envolvidas em conflitos são maioria no Centro-Sul (70%)
e no Nordeste (60%). Na
Amazônia, as famílias sem-terra representam 22% dos envolvidas em conflitos.
Modernização da
violência
De acordo com o geógrafo Carlos Walter Porto Gonçalves,
coordenador do Laboratório de Estudos em Movimentos Sociais e Territorialidades
da Universidade Federal Fluminense (UFF) e consultor da CPT na
elaboração do relatório, os dados sobre conflitos no campo em 2007 apontam para
uma mudança no perfil dos agentes da violência. O latifúndio improdutivo do
coronelismo arcaico dá lugar ao moderno agronegócio enquanto principal agente
promotor dos conflitos, sendo que as regiões com maiores possibilidades de
desenvolvimento de uma agropecuária de ponta, com uso de tecnologias de última
geração e alta lucratividade, têm sido palco prioritário do aumento da violência.
Porto Gonçalves
aponta como preocupante o aumento de 140% nos casos de expulsão de agricultores
de suas terras, bem como a ampliação do espaço de ocorrência. Enquanto em 2006
eram oito os estados com problemas de expulsão, em 2007 este número subiu para
14 estados, sendo que em 11 aumentaram as ações privadas sem intermediação do
poder público e ao arrepio da lei. Seis deles – Santa Catarina, Paraná, São
Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso – são claramente estados
onde a agricultura empresarial tem se consolidado, com perspectivas de
crescimento, avalia Porto Gonçalves.
“Observamos, mais uma vez, que a dinâmica imposta por esse
modelo de desenvolvimento agrário, baseado nos latifúndios empresariais
monocultores de exportação, ideologicamente chamados de agronegócio, têm a
violência como componente instituínte”, afirma o geógrafo.
Um indício deste novo paradigma
é o aumento da ocorrência de trabalho escravo no setor sucroalcooleiro, como aponta o coordenador da ONG Repórter Brasil,
Leonardo Sakamoto. Segundo o consultor do tema para o relatório, apesar do
trabalho escravo ainda ocorrer hegemonicamente na atividade pecuária em relação
ao número de ocorrências, o setor da cana foi responsável por 52% das pessoas
libertadas.
“A
conjuntura favorável no mercado internacional em relação à exportação de
commoditties agrícolas e minerais leva ao aumento do número da violência no meio
rural. Deste
modo, a publicação busca alertar a sociedade em relação as agressões que
acontecem no meio rural devido à política do governo federal, que privilegia o
agronegócio em detrimento da agricultura familiar e camponesa. Os dados
levantados pela CPT mostram que
não há como conciliar o agronegócio e a agricultura não-empresarial,
já que por parte dos grandes proprietários o uso da violência aparenta ser
indispensável”,
conclui a entidade.
Verena Glass
Agência Cartamaior
22 de abril de 2008
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