Um ano da morte de
Maria e
Zé Cláudio e o veto de Dilma
José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, líderes do
projeto agroextrativista, Praia Alta Piranheiras, em Nova Ipixuna, no Pará, eram
emboscados em uma estrada e executados com tiros na cabeça há exato um ano. Por
denunciarem a ação de madeireiros ilegais, sofriam constantes ameaças e
intimidações.
Naquela mesma
tarde da morte, a notícia do assassinato foi lida no plenário da Câmara dos
Deputados, que estava discutindo como transformar o atual Código Florestal em
embrulho de peixe. Ouviu-se, então, uma vaia vinda das galerias e da garganta de
deputados da bancada ruralista, ali presentes.
Que a vida dos
mais pobres não vale o esterco que o gado enterra na Amazônia, isso é público e
notório. Ainda mais quando eles, através de sua união e organização, conseguem
mostrar que é possível crescer economicamente e ser sustentável. Ou seja, quando
provam que dá para respeitar leis ambientais, garantir renda própria e produzir
alimentos para a sociedade. E, se isso funciona, por que mudar leis? Para que um
novo Código Florestal?
Perdi as contas
de quantos assassinatos iguais a esses na Amazônia noticiei nos últimos anos. E
tenho medo de imaginar quantos mais ocorrerão em vista das centenas de
camponeses, trabalhadores rurais, sindicalistas, indígenas, ribeirinhos,
quilombolas que ainda estão marcados para morrer por defender seu pedaço de
chão. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) contabiliza a morte de mais de 800
pessoas em função de disputas por terra no Pará desde a década de 70.
Geralmente, apenas os casos que ganham atenção da mídia conhecem alguma solução.
E, ainda assim, depois de muito tempo. E, mesmo assim, parcialmente, como
Eldorado dos Carajás e Dorothy Stang.
A CPT, a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura e o Sindicatos dos Trabalhadores
Rurais de Nova Ipixuna divulgaram, nesta quarta, uma nota cobrando as
autoridades da punição aos responsáveis do caso diante da situação do caso na
Justiça e das condições em que se encontra o assentamento onde o casal de
agroextrativistas moravam. Segue um resumo:
Situação
dos réus:
Foram presos José Rodrigues Moreira (como mandante do crime),
Lindonjonson Silva e Alberto Lopes (executores). Não há previsão para
a realização do Tribunal do Juri.
Investigacão incompleta:
Conforme
escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, a
decisão do assassinato não foi tomada apenas por José Rodrigues. “Gilsão”
e “Gilvan”, proprietários de terras no interior do Assentamento Praia
Alta Piranheira, também estariam envolvidos no crime. Os dois não foram
indiciados e nem denunciados.
Problemas
não resolvidos:
Com a
repercussão internacional que o caso teve, o governo federal determinou que o
IBAMA fizesse um pente-fino na área. Fornos de fabricação de carvão foram
destruídos e as serrarias ilegais fechadas. Com isso houve a paralisação do
desmatamento da floresta por um tempo. O INCRA, por sua vez, fez um
levantamento para identificar a compra ilegal de lotes no interior do
assentamento, mas não retomou as áreas ilegais. Nenhuma política pública foi
implantada para melhorar a infraestrutura e a qualidade de vida das famílias do
assentamento. Nenhuma providência também foi tomada para incentivar o
extrativismo e a preservação da floresta. E, na medida em que as ações
repressivas vão diminuindo, os produtores de carvão e os madeireiros vão
retornando.
Ameaçados
de morte:
O governo determinou que a Força Nacional colaborasse na segurança dos ameaçados
após o assassinato. Foi disponibilizada proteção para quatro lideranças no Pará
até um mês atrás, quando a duas delas perderam a segurança. No Pará, onde o
programa de defensores dos direitos humanos está mais bem estruturado, não
consegue atender 50% da demanda a ele apresentada.
Laísa Sampaio, irmã de Maria do Espírito Santo, continua residindo no interior
do assentamento, recebendo ameaças e sem nenhuma proteção.
Dois
pesos, duas medidas:
O Incra
continua inoperante porque não tem recursos para a realização dos trabalhos e
porque vem sendo manipulado para fins partidários e eleitoreiros. Os
assentamentos continuam em estado de abandono: sem recursos para infraestrutura,
projetos produtivos, assistência técnica. Os investimentos do governo na região
estão centrados nos grandes projetos que beneficiam a expansão das grandes
empresas de mineração, do agronegócio, da pecuária e de grãos sem qualquer
perspectiva da melhoria de vida para a maioria da população. Com isso, a
expansão da fronteira de exploração rumo ao interior da Amazônia ganha fôlego
colocando em risco as áreas indígenas, as terras de ribeirinhos, os territórios
de quilombolas, os assentamentos de reforma agrária e as áreas de proteção
ambiental.
Agora que Dilma
Rousseff deve informar o que decidiu vetar do Código Florestal aprovado pelo
Congresso, parlamentares e representantes de associações de produtores jogam no
nosso colo uma chantagem: o país tem que optar entre passar fome na sarjeta do
mundo ou flexibilizar a legislação ambiental e ser feliz. Ou não ser tão severo
com quem usou escravos e evitar a demarcação de territórios indígenas a fim de
garantir sua soberania alimentar. Uma falsa escolha.
Não dizem nada
sobre respeitar as leis ambientais sem chance para anistias que criem a sensação
de impunidade do “desmata aí, que depois a gente perdoa”. Ou soluções que passem
pela regularização fundiária geral, confiscando as terras griladas, e a
realização de uma reforma agrária, com a garantia de que os recursos emprestados
pelos governos às pequenas propriedades – responsáveis por garantir alimento na
mesa dos brasileiros – sejam, pelo menos, da mesma monta que os das grandes. Por
preservar os direitos das populações tradicionais e de projetos extrativistas,
cujas áreas possuem as mais altas taxas de conservação do país.
Em outras
palavras, o projeto em Nova Ipixuna garante o sustento de centenas de famílias
com a produção de óleos vegetais, açaí e cupuaçu. Ao invés de procurar formas de
replicar esses modelos de sucesso, o Congresso Nacional criou maneiras de passar
por cima de suas riquezas naturais e da qualidade de vida das populações que os
mantém, rifando as leis que os protegem.
Por que? Siga
os lucros e surpreenda-se. Ou não.
Nesta terça,
a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda constitucional 438/2001,
que prevê o confisco de propriedades flagradas com escravos, em segundo turno –
devolvendo a matéria ao Senado. Foram 360 votos a favor, 29 contra e 25
abstenções. Votação que só foi possível por conta da mobilização popular e da
presença constante da imprensa jogando luz sobre o tema. Não sou eu que digo
isso, mas o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Moreira
Mendes (PSD-RO), em entrevista ao jornal Valor Econômico. Segundo ele, o ano
eleitoral pesa, uma vez que muitos parlamentares vão concorrer à eleição
municipal. Para ele, o voto contrário poderia ser entendido pela opinião pública
como concordância com o trabalho escravo.
Trabalhadores
rurais escravizados ou populações assassinadas por serem entraves a um
determinado modelo de desenvolvimento não geram cabelos brancos em parte dos
políticos. Mas a possibilidade de perderem seus cargos ou de serem criticados
dentro e fora do país, sim. Teremos eleições municipais, mas também teremos a
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. E
depois Copa. E Olimpíadas. Trabalhadores da construção civil, que estão
transformando o país em um canteiro de obras, já perceberam isso e vão às greves
por melhores condições de vida. O lado bom de alguém ser vitrine é que pode
virar vidraça.
E quando esse vidro se quebra, acreditem, o barulho tende a ser mais
ensurdecedor do que uma vaia contra ativistas mortos no Congresso Nacional.
|