Pressão a testemunhas da morte do sindicalista em Rondon do
Pará foi o principal motivo alegado no pedido de
desaforamento do julgamento
O promotor de Justiça de Rondon do Pará, Mauro Mendes de
Almeida, pediu ontem ao Tribunal de Justiça do Estado (TJE)
o desaforamento para Belém do julgamento dos acusados pela
morte do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
daquele município, José Dutra da Costa, o “Dezinho”,
assassinado com três tiros pelo pistoleiro Wellington de
Jesus Silva, no dia 21 de novembro de 2000. O crime teve
repercussão nacional e internacional. De acordo com o
promotor, o homicídio praticado por Wellington de Jesus
Silva teve como mandante o também acusado Décio José Barroso
Nunes, o “Delsão”, e como intermediários Ygoismar Mariano da
Silva e Rogério de Oliveira Dias, tendo havido, em relação
ao mandante, “intensa e decisiva participação no crime”.
A motivação do crime tem ligação direta com os freqüentes
conflitos fundiários em Rondon do Pará e região vizinha. “O
executor, por meio dos dois intermediários, foi contratado
por “Delsão” para o fim exclusivo de promover a eliminação
física da vítima José Dutra da Costa, que, enquanto viveu,
lutou incansavelmente pelos direitos legais dos
trabalhadores rurais, objetivo não admitido por diversos
proprietários rurais da região, que freqüentemente utilizam
violência física desmedida como recurso para a resolução de
conflitos fundiários e trabalhistas”, afirma Mauro Almeida
no pedido de desaforamento encaminhado ao presidente do TJE,
desembargador Milton Nobre.
O pistoleiro foi preso em flagrante e confessou o crime,
contando em detalhes como matou o sindicalista. No decorrer
da instrução criminal, testemunhas de acusação confirmaram
novamente a participação de Wellington de Jesus Silva na
execução do crime. Para o promotor, a defesa do acusado
“nada produziu em termos de provas e evidências que
contradissessem, de forma efetiva e eficiente, a versão
sustentada pela acusação”.
Ameaças - Uma das razões para pedir a transferência do
julgamento para Belém, afirma Mauro Almeida, está no fato de
que as testemunhas de acusação estão sendo “alvo de ameaças,
pressão, constrangimento e tentativas de aliciamento”. Ele
cita como exemplo o que aconteceu com a testemunha Francisco
Martins da Silva Filho, que em seu depoimento judicial
afirmou, com clareza e objetividade, estar um dos co-réus, o
fazendeiro Décio José Barroso Nunes, o “Delsão”, exercendo
um misto de “pressão e aliciamento” para alterar o
depoimento da testemunha, visando isentá-lo de
responsabilidade pelo crime.
Num trecho de seu depoimento, Francisco Martins Silva Filho
relata que ao chegar na residência de seu pai tomou
conhecimento de que uma pessoa o havia procurado, a mando do
sr. Décio, dizendo que este precisava falar com o pai do
depoente ou com o próprio declarante. Foi dito que Décio
precisava conversar com o depoente, já que sua vida estava
nas mãos dele. A madrasta de Francisco Filho confirmou que
no recado o fazendeiro dizia que estava disposto a dar o que
o depoente quisesse para que ele não o denunciasse na
Justiça.
“Segundo orientação uniforme dos tribunais brasileiros,
redobrada preocupação deve ser dispensada à segurança quando
se trata de testemunhas que presenciaram a prática do crime
e que, por tal motivo, são imprescindíveis ao esclarecimento
dos fatos no plenário do Tribunal do Júri”, observa o
promotor. Ele assinala no pedido que uma das testemunhas
oculares do crime, Magno Fernandes do Nascimento -
testemunha do auto de prisão em flagrante e testemunha
judicial - foi assassinada menos de dois anos após o crime,
executada por pistoleiros em circunstâncias ainda hoje não
esclarecidas.
Outra execução é atribuída a vingança
Logo depois de matar “Dezinho”, o pistoleiro Wellington
Silva foi imobilizado por populares, mas conseguiu se
desvencilhar de seus captores e fugir. Ele, porém, foi
alcançado e imobilizado mais adiante por Magno Fernandes do
Nascimento, o que permitiu a prisão de Wellington por
policiais militares logo em seguida. O assassinato dessa
testemunha seria, então, uma vingança praticada exatamente
por aqueles que tiveram sua atuação no assassinato de José
Dutra da Costa revelada. Magno, também conhecido por
“Careca”, foi abatido com tiros no peito e cabeça, por três
pistoleiros. Os criminosos invadiram a casa do lavrador,
onde ele dormia com a família, e depois de arrastá-lo até a
rua deserta, o executaram.
A assistente da acusação Maria Joel Dias da Costa, a Joelma,
que também testemunhou a morte de “Dezinho”, vem sendo. Ela
é viúva do sindicalista e hoje preside o sindicato que foi
dirigido por seu marido. Citando reportagens de O LIBERAL,
que o promotor classifica de jornal “insuspeito e de maior
credibilidade no Norte do Brasil”, ele mostra que Joelma
também corre risco de morte, o que impõe a transferência do
júri para a capital.
“Evidente que o temor das testemunhas não é difuso, genérico
ou abstrato. É concreto e personificado. Claramente as
testemunhas de acusação associam as ameaças e conseqüente
temor aos quatro acusados, com ênfase especial no executor e
no mandante, tendo em vista estarem os dois intermediários
em lugar desconhecido”, resume o promotor Mauro Almeida.
Tribunal de Justiça do Pará garante
julgamento
imparcial, diz Almeida
O Tribunal de Justiça do Pará, afirma o promotor Mauro Almeida, tem
se notabilizado, em nível nacional, pela capacidade de
garantir julgamentos corretos e seguros em casos conturbados
- como no caso “Dezinho” - em que são “patentes as ameaças e
crimes contra testemunhas de acusação, família da vítima e
potenciais membros do conselho de sentença. Um dos
expedientes de notória eficiência utilizados pelo TJE em
tais casos é o desaforamento do julgamento para Belém. “Ao
longo dos últimos 15 anos, diversas decisões do Tribunal,
marcadas pelo elevado grau de fundamentação técnica, têm se
norteado neste sentido. Em especial duas decisões sobre
pedidos de desaforamento guardam grande similitude com o
presente caso”. Ambas as decisões, “pelo seu brilhantismo”,
têm sido apontadas como referenciais nacionais em se
tratando de pedidos de desaforamento.
A primeira delas foi a decisão unânime das Câmaras Criminais
Reunidas do Tribunal de Justiça que deram origem ao acórdão
58824. Foi o pedido dedesaforamento 20053004213-0 cuja
relatora foi a desembargadora Raimunda Gomes Noronha. Esse
acórdão diz em certo trecho: “Além de tudo já mencionado,
restam caracterizadas as implicações de se realizar um
julgamento em local cercado por conflitos agrários, sem se
falar nas dificuldades na transferência de presos,
remanejamento de contingente policial, desconhecimento
estratégico da área por parte das organizações e autoridades
nacionais e internacionais, falta de condições adequadas do
Fórum e suas acomodações, dentre outras”.
Razões
- “Verifica-se, portanto, que há razões de ordem
pública que recomendam expressamente o desaforamento do
julgamento dos réus, pois caso contrário correria-se o risco
de pessoas inocentes serem alvo de pistoleiros, que toda
semana ceifam vidas pelos caminhos desconhecidos das matas e
vicinais da região”, acrescenta. A segunda decisão foi o
pedido de desaforamento para a comarca de Belém do processo
que tratava das emasculações e mortes de crianças de
Altamira.
No acórdão, o TJE diz: “Ameaças, insegurança das
testemunhas. Influências de familiares de alguns réus.
Provável parcialidade dos jurados. Possíveis manifestações
provenientes do clamor público que reina na comunidade.
Ausência de condições do município para ordenar
acontecimento de tão grande expectativa não só pela
comunidade de Altamira como pelos órgãos e entidades
nacionais e internacionais. Deferimento, à unanimidade”
Jornal Oliberal
29-12-2005
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