Senhor
Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Na próxima
segunda feira, dia 17 de abril, o Massacre de Eldorado dos
Carajás completará uma década. Tida como a mais violenta
ação do Estado contra os trabalhadores no Pará, o massacre
de Eldorado dos Carajás ocorreu na chamada curva do S, da
Rodovia PA 150. Tropas da Polícia Militar do Pará, do 10º
Batalhão (Parauapebas) e do 4º Batalhão (Marabá), com
aproximadamente 200 homens armados com metralhadoras, fuzis
e lançadores de bombas de gás lacrimogêneo, cercaram
trabalhadores rurais sem terra que obstruíam a rodovia,
reivindicando mayor agilidade na desapropriação da fazenda
Macaxeira, no município de Eldorado dos Carajás.
A fazenda,
com a área superior a 40 mil hectares, era utilizada somente
para pasto. Estava ocupada por mais de 1.500 famílias
ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), desde o dia 05 de novembro de 1995. Após cinco meses
sem respostas sobre a desapropriação da área, as famílias
iniciaram uma marcha rumo à Marabá.
Em 17 de
abril de 1996, após nove dias de caminhada, sem comida e
cansadas, as famílias bloquearam a rodovia PA-150, na altura
da curva do “S”. As negociações por alimento e
transporte foram interrompidas pela decisão do governo do
estado de liberar a estrada “a qualquer custo”.
Para isso, o então governador Almir Gabriel (PSDB) acionou a
Polícia Militar.
Comandada
pelo coronel Mário Pantoja e pelo major José Maria Oliveira,
as tropas da PM tentaram desobstruir a rodovia por meio da
força bruta. Vários disparos com arma de fogo foram
desferidos contra os trabalhadores rurais. O saldo foi
trágico: 19 pessoas mortas e 69 feridas. Nos últimos anos,
outras três pessoas morreram em decorrência dos ferimentos,
elevando o número de mortos para 22.
Os disparos
foram feitos durante cerca de 50 minutos, forçando os
trabalhadores a se dispersarem em pânico pela mata lindeira.
Laudos médicos revelaram que os corpos tinham, em média,
três a quatro tiros cada um, desferidos na região torácica e
na cabeça
Todas as
vítimas apresentavam ferimentos fatais de corte e formas
diversas de mutilação, tais como esmagamento do crânio. Onze
corpos mostravam tiros na nuca, provavelmente dados com a
vítima já imobilizada. Dentre os feridos à bala havia
mulheres e jovens.
Os laudos
periciais indicam que as ilegalidades cometidas pelos
policiais foram premeditadas e tiveram continuidade.
Além de
retirar corpos da cena do crime, os agentes participaram da
ação sem o crachá de identificação, o que pode significar
que estavam autorizados a desferir golpes fatais contra os
trabalhadores.
Encerrado o
massacre, o cenário era de guerra. A equipe de reportagem da
TV Liberal, presente no local, gravou a execução dos
trabalhadores. As imagens percorreram o mundo e chocaram a
opinião pública.
Importante
frisar, Senhor Presidente, que nenhum policial foi morto e
apenas um ficou ferido. Essa constatação é a mayor prova de
que os trabalhadores rurais sem terra são as grandes vítimas
da violência no campo, e não os responsáveis, como pretende
fazer crer os adversários da reforma agrária.
Dez anos
depois do massacre, a impunidade reina solta. Infelizmente,
isso não nos surpreende, uma vez que a investigação foi
realizada pela própria polícia do Estado do Pará, autora dos
crimes. Como é que a própria polícia pode se investigar? O
fato de ter sido a polícia que investigou a ação da própria
polícia talvez explique a acusação dos advogados das vítimas
e dos representantes do Ministério Público que atuaram no
caso de que o inquérito policial pouco contribuiu para a
elucidação dos crimes. Ao contrário, a atuação da polícia
teria atrapalhado, já que provas teriam sido desviadas,
desvirtuadas, apagadas.
Em 19 de
novembro de 2005, após três séries de julgamentos
conturbados e um deles anulado, o Tribunal de Justiça do
Estado do Pará confirmou a sentença de primeiro grau que
absolveu 145 policiais envolvidos na operação. Apenas os
comandantes das tropas, coronel Mário Pantoja e major José
Maria Oliveira, foram condenados. Ninguém está preso, pois
os únicos condenados interpuseram recurso aos tribunais
superiores e respondem o processo em liberdade.
Os grandes
responsáveis políticos pelo Massacre de Eldorado dos
Carajás, o ex-governador Almir Gabriel (PSDB) e o então
secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, não
sentaram no banco dos réus e sequer foram envolvidos
formalmente no caso. Mais uma demonstração de que a
impunidade é a regra, e não a exceção, quando se tratam de
mortes no campo.
O Massacre
de Eldorado dos Carajás não foi o único caso de assassinato
de trabalhadores rurais no Pará. As estatísticas apontam
aquele Estado como o mais violento da Federação, no que
concerne aos conflitos coletivos pela posse da terra.
De acordo
Comissão Pastoral da Terra (CPT), dos 37 assassinatos
decorrentes de conflitos agrários registrados no Brasil em
2004, 40% ocorreram no Pará. Além disso, o Estado responde
por 22% das tentativas de assassinato, 36% das ameaças de
morte, 8% das ocorrências de tortura e 15% das prisões.
Outro
levantamento realizado pela CPT do Pará e pela Federação dos
Trabalhadores na Agricultura dos Estados do Pará e Amapá (Fetagri),
entidade ligada à Contag, registra a ocorrência de 751
assassinatos de trabalhadores, ativistas, advogados, líderes
sindicais, religiosos e políticos ligados à luta pela terra,
no período compreendido entre 1964 a 2004. Essa verdadeira
guerra civil no campo não poupou mulheres (18 registros),
idosos (seis pessoas maiores de 60 anos foram assassinadas)
e crianças (onze casos). A mesma pesquisa revela que em
86,7% dos municípios do Estado do Pará ocorreram conflitos
agrários, e em 58% deles foram registrados assassinatos de
trabalhadores rurais ligados à luta pela terra.
A pistolagem
no Pará atingiu níveis alarmantes e, em grande parte, está
associada à grilagem de terras públicas, a crimes ambientais
e à impunidade. Os assassinatos do Presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, José Dutra da
Costa, o Dezinho, em 2000, e da missionária Dorothy Stang,
no ano passado, são exemplos de crimes de pistolagem cujos
mandantes têm envolvimento com grilagem, exploração ilegal
de madeira e trabalho escravo.
É preciso
compreender, Senhor Presidente, que a grande causa da
violência no campo é ausência de uma efetiva política de
reforma agrária, capaz de democratizar o acesso à terra,
promover a regularização fundiária, garantir o cumprimento
da função social da propriedade e coibir a apropriação
ilegal de terras públicas por especuladores e fazendeiros.
Desconcentrar a propriedade da terra é o grande desafio do
Brasil. Dados oficiais revelam que 1,6% dos proprietários
com imóveis acima de mil hectares detêm 46,8% do total da
área cadastrada pelo INCRA no País. No Pará, os imóveis de
até 100 hectares representam 80% do total, mas ocupam apenas
20% da área do Estado. As grandes propriedades abrangem em
torno de 52% da área total. Além disso, o Pará possui mais
de 30 milhões de hectares de terras devolutas, grande parte
delas ilegalmente na posse de particulares.
Os números
da concentração fundiária e da grilagem de terras públicas
nos levam à obvia conclusão de que tragedias com a de
Eldorado dos Carajás somente serão evitadas com um amplo,
massivo e imediato processo de reforma agrária.
Para
finalizar, Senhor Presidente, faço um apelo ao Poder
Judiciário paraense, para que mantenha as condenações do
Coronel Pantoja e do Major Oliveira, bem como para que
submeta os policiais absolvidos a um novo júri. Só assim o
quadro de impunidade será revertido, em favor da Justiça.
Meu apelo
dirige-se também ao Presidente da República, para que
implemente a prometida reforma agrária, enfrentando as
causas da violência no campo.
Justiça e
reforma agrária! Eis a melhor maneira de homenagearmos os
que tombaram e os que sobreviveram ao Massacre de Eldorado
dos Carajás.
Muito
obrigado.
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