Brasil

Violencia cero en Pará

Pronunciamento

do Deputado Federal

João Alfredo (P-SOL/CE)

 

 

Sessão Plenária da Câmara dos Deputados

12 de abril de 2006

 

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

 

Na próxima segunda feira, dia 17 de abril, o Massacre de Eldorado dos Carajás completará uma década. Tida como a mais violenta ação do Estado contra os trabalhadores no Pará, o massacre de Eldorado dos Carajás ocorreu na chamada curva do S, da Rodovia PA 150. Tropas da Polícia Militar do Pará, do 10º Batalhão (Parauapebas) e do 4º Batalhão (Marabá), com aproximadamente 200 homens armados com metralhadoras, fuzis e lançadores de bombas de gás lacrimogêneo, cercaram trabalhadores rurais sem terra que obstruíam a rodovia, reivindicando mayor agilidade na desapropriação da fazenda Macaxeira, no município de Eldorado dos Carajás.

 

A fazenda, com a área superior a 40 mil hectares, era utilizada somente para pasto. Estava ocupada por mais de 1.500 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde o dia 05 de novembro de 1995. Após cinco meses sem respostas sobre a desapropriação da área, as famílias iniciaram uma marcha rumo à Marabá.

 

Em 17 de abril de 1996, após nove dias de caminhada, sem comida e cansadas, as famílias bloquearam a rodovia PA-150, na altura da curva do “S”. As negociações por alimento e transporte foram interrompidas pela decisão do governo do estado de liberar a estrada “a qualquer custo”. Para isso, o então governador Almir Gabriel (PSDB) acionou a Polícia Militar.

 

Comandada pelo coronel Mário Pantoja e pelo major José Maria Oliveira, as tropas da PM tentaram desobstruir a rodovia por meio da força bruta. Vários disparos com arma de fogo foram desferidos contra os trabalhadores rurais. O saldo foi trágico: 19 pessoas mortas e 69 feridas. Nos últimos anos, outras três pessoas morreram em decorrência dos ferimentos, elevando o número de mortos para 22.

 

Os disparos foram feitos durante cerca de 50 minutos, forçando os trabalhadores a se dispersarem em pânico pela mata lindeira. Laudos médicos revelaram que os corpos tinham, em média, três a quatro tiros cada um, desferidos na região torácica e na cabeça

 

Todas as vítimas apresentavam ferimentos fatais de corte e formas diversas de mutilação, tais como esmagamento do crânio. Onze corpos mostravam tiros na nuca, provavelmente dados com a vítima já imobilizada. Dentre os feridos à bala havia mulheres e jovens.

 

Os laudos periciais indicam que as ilegalidades cometidas pelos policiais foram premeditadas e tiveram continuidade.

 

Além de retirar corpos da cena do crime, os agentes participaram da ação sem o crachá de identificação, o que pode significar que estavam autorizados a desferir golpes fatais contra os trabalhadores.

 

Encerrado o massacre, o cenário era de guerra. A equipe de reportagem da TV Liberal, presente no local, gravou a execução dos trabalhadores. As imagens percorreram o mundo e chocaram a opinião pública.

 

Importante frisar, Senhor Presidente, que nenhum policial foi morto e apenas um ficou ferido. Essa constatação é a mayor prova de que os trabalhadores rurais sem terra são as grandes vítimas da violência no campo, e não os responsáveis, como pretende fazer crer os adversários da reforma agrária.

 

Dez anos depois do massacre, a impunidade reina solta. Infelizmente, isso não nos surpreende, uma vez que a investigação foi realizada pela própria polícia do Estado do Pará, autora dos crimes. Como é que a própria polícia pode se investigar? O fato de ter sido a polícia que investigou a ação da própria polícia talvez explique a acusação dos advogados das vítimas e dos representantes do Ministério Público que atuaram no caso de que o inquérito policial pouco contribuiu para a elucidação dos crimes. Ao contrário, a atuação da polícia teria atrapalhado, já que provas teriam sido desviadas, desvirtuadas, apagadas.

 

Em 19 de novembro de 2005, após três séries de julgamentos conturbados e um deles anulado, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará confirmou a sentença de primeiro grau que absolveu 145 policiais envolvidos na operação. Apenas os comandantes das tropas, coronel Mário Pantoja e major José Maria Oliveira, foram condenados. Ninguém está preso, pois os únicos condenados interpuseram recurso aos tribunais superiores e respondem o processo em liberdade.

 

Os grandes responsáveis políticos pelo Massacre de Eldorado dos Carajás, o ex-governador Almir Gabriel (PSDB) e o então secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, não sentaram no banco dos réus e sequer foram envolvidos formalmente no caso. Mais uma demonstração de que a impunidade é a regra, e não a exceção, quando se tratam de mortes no campo.

 

O Massacre de Eldorado dos Carajás não foi o único caso de assassinato de trabalhadores rurais no Pará. As estatísticas apontam aquele Estado como o mais violento da Federação, no que concerne aos conflitos coletivos pela posse da terra.

 

De acordo Comissão Pastoral da Terra (CPT), dos 37 assassinatos decorrentes de conflitos agrários registrados no Brasil em 2004, 40% ocorreram no Pará. Além disso, o Estado responde por 22% das tentativas de assassinato, 36% das ameaças de morte, 8% das ocorrências de tortura e 15% das prisões.

 

Outro levantamento realizado pela CPT do Pará e pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos Estados do Pará e Amapá (Fetagri), entidade ligada à Contag, registra a ocorrência de 751 assassinatos de trabalhadores, ativistas, advogados, líderes sindicais, religiosos e políticos ligados à luta pela terra, no período compreendido entre 1964 a 2004. Essa verdadeira guerra civil no campo não poupou mulheres (18 registros), idosos (seis pessoas maiores de 60 anos foram assassinadas) e crianças (onze casos). A mesma pesquisa revela que em 86,7% dos municípios do Estado do Pará ocorreram conflitos agrários, e em 58% deles foram registrados assassinatos de trabalhadores rurais ligados à luta pela terra.

 

A pistolagem no Pará atingiu níveis alarmantes e, em grande parte, está associada à grilagem de terras públicas, a crimes ambientais e à impunidade. Os assassinatos do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, José Dutra da Costa, o Dezinho, em 2000, e da missionária Dorothy Stang, no ano passado, são exemplos de crimes de pistolagem cujos mandantes têm envolvimento com grilagem, exploração ilegal de madeira e trabalho escravo.

 

É preciso compreender, Senhor Presidente, que a grande causa da violência no campo é ausência de uma efetiva política de reforma agrária, capaz de democratizar o acesso à terra, promover a regularização fundiária, garantir o cumprimento da função social da propriedade e coibir a apropriação ilegal de terras públicas por especuladores e fazendeiros.

 

Desconcentrar a propriedade da terra é o grande desafio do Brasil. Dados oficiais revelam que 1,6% dos proprietários com imóveis acima de mil hectares detêm 46,8% do total da área cadastrada pelo INCRA no País. No Pará, os imóveis de até 100 hectares representam 80% do total, mas ocupam apenas 20% da área do Estado. As grandes propriedades abrangem em torno de 52% da área total. Além disso, o Pará possui mais de 30 milhões de hectares de terras devolutas, grande parte delas ilegalmente na posse de particulares.

 

Os números da concentração fundiária e da grilagem de terras públicas nos levam à obvia conclusão de que tragedias com a de Eldorado dos Carajás somente serão evitadas com um amplo, massivo e imediato processo de reforma agrária.

 

Para finalizar, Senhor Presidente, faço um apelo ao Poder Judiciário paraense, para que mantenha as condenações do Coronel Pantoja e do Major Oliveira, bem como para que submeta os policiais absolvidos a um novo júri. Só assim o quadro de impunidade será revertido, em favor da Justiça.

 

Meu apelo dirige-se também ao Presidente da República, para que implemente a prometida reforma agrária, enfrentando as causas da violência no campo.

 

Justiça e reforma agrária! Eis a melhor maneira de homenagearmos os que tombaram e os que sobreviveram ao Massacre de Eldorado dos Carajás.

 

Muito obrigado.

 

 

João Alfredo

Deputado Federal

2 de junio de 2006

 

 

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