A intervenção de Luismar Ribeiro Pinto, da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), foi um momento de destaque na última
reunião do Grupo Profissional dos Trabalhadores Agrícolas da UITA, ocorrido em
Buenos Aires de 22 a 23 de outubro. A seguir transcrevemos uma síntese de suas
palavras, que demonstram que uma coisa é o êxito do agronegócio brasileiro e
outra, muito diferente, é a realidade sofrida pelos trabalhadores rurais.
“A
situação dos assalariados rurais no Brasil é muito difícil. Temos
aproximadamente 5 milhões deles, e quase 65 por cento estão na informalidade.
Um povo “caixa 2”
A
maioria dos trabalhadores com previdência social se encontra na região sudeste
do Brasil, nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio
de Janeiro. Mas a maior parte dos que não estão devidamente registrados se
encontra na região nordeste, que é a mais pobre do país.
Esta
informalidade vem ancorada aos contratos de trabalho por tempo determinado
abrangendo a maioria de nossos trabalhadores. Somente 2,8 por cento dos que
permanecem na informalidade contam com Previdência Social.
A
guerra surda
Existe também uma violência muito grande contra o trabalhador se considerarmos,
como tal, o trabalho escravo. De 1995 a 2011 foram resgatadas 43 mil pessoas
nesta condição. Nesse mesmo período, 600 mil trabalhadores estiveram envolvidos
em conflitos rurais. Deles, 458 mil lutavam pela terra.
Com
relação à violência direta sofrida pelos trabalhadores - estamos inclusive
desenvolvendo uma campanha junto à UITA sobre este terrível flagelo
social-, vemos que só em 2011 foram assassinados 29 trabalhadores.
Temos, atualmente, 145 companheiros ameaçados de morte e inúmeros líderes
sindicais com processos judiciais instaurados contra eles.
Há
uma criminalização progressiva de nossos líderes, principalmente na região
Norte, onde se destaca o estado do Pará.
A
violência no Brasil é seletiva, como bem disse Gerardo (Iglesias)
ontem, porque o alvo são aquelas pessoas com algum nível de liderança entre os
trabalhadores. A violência, além disso, é organizada, porque se percebe uma
participação ou omissão dos organismos do Estado, dificultando a investigação,
impossibilitando chegarmos ao mandante do crime.
O
Brasil possui um Poder Judiciário que fecha os olhos diante desta violência. A
impunidade é uma das grandes causas da violência neste país.
Nos
últimos 20 anos foram assassinados 1.385 trabalhadores rurais, dos quais 523
foram mortos no estado do Pará. Apenas 77 assassinatos foram levados a
julgamento, e destes apenas 15 mandantes foram condenados. Entre os executores,
cerca de 60 foram condenados. Entretanto, a maioria destes criminosos não
está presa.
Nos últimos 20 anos foram assassinados 1.385 trabalhadores rurais, dos
quais 523 foram mortos no estado do Pará. Apenas 77 assassinatos foram
levados a julgamento, e destes apenas 15 mandantes foram condenados. |
Portanto, esta impunidade gera um ambiente propício para o aumento da violência.
Os organismos do Estado, seja a Polícia ou a Justiça, não conseguem ou não
querem investigar e esclarecer os fatos.
A
instituição violenta
Outro fator que cria violência é a concentração da terra. Infelizmente,
inclusive durante os governos de esquerda, a concentração de terras continua
aumentando no Brasil.
Isto
é contrário a tudo aquilo que esperávamos conquistar como, por exemplo, uma
reforma agrária verdadeiramente democrática de acesso à terra.
A
região Norte sofre um avanço do modelo econômico porque o grande capital começa
a chegar ali com a palma africana (o dendê), a produção de madeira, mas
principalmente com a pecuária.
A
razão desta emigração é que com a entrada do capital internacional na produção
de etanol –que ocorre na região centro-sul- o gado e a produção de grãos estão
sendo expulsos para a região Norte do país.
O que prova que é o interesse do capital o que começa a se impor –ou já está se
impondo- nesta região.
Udo Wahlbrink,
dirigente sindical da CONTAG, está preso em Rondônia, acusado de
“organizar a luta pela terra”. E não conseguimos libertá-lo. Já fomos aos
tribunais superiores e ele ainda está preso.
Há uma criminalização progressiva de nossos líderes, principalmente na
região Norte, onde destaca-se o estado do Pará. |
A
perseguição é muito grande. Percebe-se uma frequente e crescente criminalização
de nossos líderes rurais e sindicais.
A
violência legal
Os
trabalhadores também sofrem um ataque no Poder Legislativo. São vários os
projetos de lei que buscam flexibilizar as leis trabalhistas, ou seja, terminar
com direitos adquiridos desde 1940.
Recentemente foi criada a Lei das Cooperativas do Trabalho.
A
CONTAG se manifestou radicalmente contra porque, se por um lado trabalha com
as cooperativas de produção na agricultura familiar, por outro não admite uma
cooperativa de trabalho, pois no Brasil só serviram para legitimar o
que aqui chamamos “gato”, isto é, o intermediário da mão de obra que lucra com o
suor do trabalhador sem lhe garantir seus direitos.
Essas cooperativas vão prejudicar fortemente as negociações coletivas, porque
para a patronal será muito mais vantajoso contratar uma cooperativa sem vínculo
de dependência, negociar contratos individuais e não ter que entrar em acordos
dentro de uma Convenção Coletiva estadual nem regional.
Uma coisa como esta impactará fortemente na vida dos assalariados rurais.
Lutamos pela vida
CONTAG
realizou, em 2011, a primeira mobilização dos assalariados rurais. Conseguimos
levar a Brasília 5 mil assalariados rurais, sendo esta a primeira vez em 50 anos
que a CONTAG conseguiu fazer uma ação desta natureza para os assalariados
rurais.
A CONTAG
realizou em 2011 a primeira mobilização dos assalariados rurais.
Conseguimos levar a Brasília 5 mil assalariados rurais, sendo
esta a primeira vez em 50 anos que a CONTAG conseguiu fazer uma ação
desta natureza para os assalariados rurais. |
Têm
sido feitas manifestações todos os anos, mas são conjuntas com a agricultura
familiar. Esta foi a primeira vez onde o protagonista exclusivo da
mobilização foi o assalariado rural. E conseguimos apresentar uma pauta ao
governo federal, sendo nossa principal reivindicação a implementação de uma
política nacional de proteção para o assalariado rural.
Reivindicamos a escolarização, a qualificação, a requalificação e a recolocação
do trabalhador que está perdendo seus postos de trabalho como consequência da
mecanização. Esta é incentivada pelo próprio governo com financiamento do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), muitas vezes com
o dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do próprio
trabalhador, emprestado às empresas para adquirirem máquinas que substituirão
mais trabalhadores.
Estamos lutando por uma política que pense o conjunto da demanda dos
assalariados rurais. Essa proposta de política está sendo construída com o
governo federal, com muitos conflitos, mas está em processo, com possibilidades,
inclusive, de incluir aspectos como moradia, saúde, educação.
A
questão da moradia é delicada, porque 49 por cento de nossos assalariados rurais
vivem nas cidades, nas periferias das cidades. Aqueles que moram na zona rural
estão assentados em terras que não são suas, em terras de outros. Por isso, está
sendo estudado um programa de moradia nesta nova perspectiva, adaptado às
necessidades e condições deste trabalhador.
Exigimos do governo a criação de uma política de intermediação pública de mão de
obra para o campo, porque entendemos que o “gato” chega ao trabalhador quando o
Estado não se faz presente.
Queremos –e já existe um programa piloto criado- ajudar os trabalhadores que
vivem em um processo de migração constante dentro do país impedindo que caiam em
mãos do “gato” ou do trabalho escravo.
Também estamos trabalhando sobre a segurança alimentar. Já fizemos um estudo
revelando que 40 por cento dos trabalhadores da cana de açúcar e do café sofrem
insegurança alimentar.
Eles não dispõem da energia suficiente exigida pelo seu trabalho.
Ou seja, estamos lutando para concretizar políticas com soluções para estes
problemas enfrentados por nossos trabalhadores no Brasil”.
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