Brasil - Pará
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Matadores de Dorothy
no Tribunal |
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O julgamento dos pistoleiros Rayfran Neves e Clodoaldo
Batista será transmitido em tempo real pela internet e em
telões para quem estiver na frente do TJE
Dois
destaques particularizam a sessão planária do Tribunal do
Júri que acontece hoje, em Belém: a presteza no julgamento
dos acusados e o destaque internacional do Júri, que será
transmido em tempo real, via Internet, para o mundo todo. O
juiz que preside o Tribunal do Júri, Cláudio Augusto
Montalvão das Neves, e o promotor de Justiça que vai
sustentar o libelo acusatório contra os acusados, Édson
Augusto Cardoso de Souza, com a experiência de já haverem
participado de centenas de julgamentos pelo Tribunal do
Júri, evidenciam o “ineditismo” do feito. Segundo eles, os
réus Raifran das Neves Sales, o “Fogoió”, e Clodoaldo Carlos
Batista, o “Eduardo”, matadores confessos da missionária
americana Dorothy Mae Stang, assassinada com seis tiros, no
município de Anapu, na manhã do dia 12 de fevereiro deste
ano, sentam no banco dos réus para serem julgados depois de
exatos nove meses e 27 dias da ocorrência do crime. A
relevância do feito, evidenciam o juiz e o promotor, fica
patente quando se lembra que os criminosos que assassinaram
João Canuto, morto em 1985, somente foram a júri, em 2003,
18 anos depois.
Por outro lado, o interesse demonstrado pelo julgamento é
tanto, que além da transmissão em tempo real pela Internet,
um grande número de convites foi solicitado ao Tribunal de
Justiça do Estado (TJE) e ao Ministério Público. Para
atender aos pedidos, centenas de convites foram distribuídos
em Belém e em outras cidades brasileiras. Em decorrência
desse fato, o Tribunal de Justiça do Estado, prevendo a
insuficiência do auditório do Tribunal do Júri, com
capacidade limitada para 170 pessoas sentadas,
disponibilizou uma sala, no segundo andar do Fórum Cível da
Capital, com capacidade para 200 pessoas sentadas. A sala
estará equipada com dois telões que transmitirão todo o
julgamento.
Câmeras de televisão localizadas em pontos estratégicos do
plenário, vão permitir, aos assistentes uma visão completa
do plenário e de todos os atos processuais que acontecerão
no julgamento. Além disso, para as pessoas que não tiverem
acesso às dependências do TJE, o julgamento poderá ser
ouvido através de auto-falantes distribuídos na praça Felipe
Patroni, na frente do prédio do Fórum Cível da Capital.
Expectativa é o desmembramento do júri
A grande expectativa em torno do julgamento,
porém, volta-se para a possibilidade de desmembramento do
júri. Previsto inicialmente, tanto pelo juiz que presidirá o
júri como pelo Ministério Público, para acontecer em uma
única sessão do Tribunal do Júri, com o julgamento conjunto
de “Fogoió” e “Eduardo”, o júri agora corre o risco de ser
desmembrado. A possibilidade decorre do fato de haveram
surgido inesperadamente, na antevéspera do julgamento, dois
novos advogados, os capixabas Dalza Affonso Barbosa e Bruno
Barbosa Pereira, que vão patrocinar a defesa de Clodoaldo
Carlos Batista, o “Eduardo”.
O júri será desmembrado se houver discordância entre os
advogados de “Eduardo” e o advogado de “Fogoió”, Eduardo
Imbiriba de Castro, sobre apenas um dos sete jurados
sorteados para comporem o chamado Conselho de Sentença, que
tem a incumbência de decidir sobre o veredicto final do
caso. Se houver divergência, o júri estará automaticamente
desmembrado.
Caso isso ocorra, o juiz Cláudio Montalvão já marcou nova
data para o julgamento de Clodoaldo Carlos Batista, que
seria julgado em novo júri no dia 13 deste mês, na próxima
terça-feira. Para o juiz, que tem a competência de coordenar
os trabalhos de julgamento e calcular a sentença final com
base na decisão do Conselho de Sentença, o desmembramento
significa apenas mais trabalho, que seria demandado na
realização de novos preparativos para um novo júri. Para o
Ministério Público entretanto, que atua no feito como
promotor da ação penal, o desmembramento apenas mudaria, em
tese, a estratégia de acusação.
O promotor Édson Cardoso, que fará a acusação dos réus,
afirma que o possível desmembramento, tido por ele como
certo, não deverá mudar a atuação do Ministério Público.
Segundo o promotor, o caso está muito bem fundamentado, com
provas irrefutáveis e laudos técnicos e periciais
incontestáveis que atestam de maneira clara a autoria e a
materialidade do crime cometido. Portanto, afirma Édson
Cardoso, “a acusação não se perturbará diante do possível
desmembramento do júri. Estamos preparados para sustentar
contra os acusados as provas irrefutáveis que possuímos
contra eles e que foram colhidas de forma legal e na
observância de todos os pressupostos legais pertinentes à
coleta de provas materiais, testemunhais, documentais e
periciais”.
Da mesma forma o promotor de Justiça Sávio Rui Brabo de
Castro, integrante do Grupo Especial de Prevenção e
Repressão às Organizações Criminosas (Geproc), um grupo de
combate ao crime organizado, afirma que vai provar que o
crime praticado contra a missionária Doroty Stang foi
patrocinado por uma organização criminosa especializada em
grilagem de terras.
Defesa dos acusados mantida sob sigilo
A defesa dos acusados, que já estava sendo
mantida em segredo pelos advogados então contratados, agora,
com o afastamento da defensora pública Mariza Cantal,
substituída pelos dois advogados do Espírito Santo,
tranformou-se em uma incógnita. Anteriormente, ainda que
mantendo segredo sobre a estratégia de atuação, tinha-se
como certo que os defensores dos acusados insistiriam nas
teses da chamada “vitimologia”. Isto é, os advogados
tentariam provar que a freira, por seu suposto comportamento
de ativista dos direitos humanos e por sua intransigente
atuação em defesa dos interesses dos menos favorecidos,
teria induzido a propria morte.
Com isto, os advogados pretendiam desqualificar o crime dos
acusados para homicídio simples, que prevê penas mais
brandas, de seis a 20 anos de reclusão, uma vez que a
acusação pela qual respondem, de homicídio qualificado,
prevê penas que variam de 12 a 30 anos de reclusão.
Porém, diante da mudança dos defensores, do silêncio mantido
pelos novos advogados e o possível desmembramento do júri,
torna-se impossível prever como atuará a defesa dos
acusados.
No último dia 7, a advogada Dalza Affonso Barbosa esteve no
gabinete do juiz juiz Cláudio Montalvão, para apresentar-se,
junto com seu assistente. Na ocasião, ela garantou ao
magistrado que veio com o único intuito de patrocinar a
defesa de Clodoaldo, não sendo sua intenção adotar qualquer
medida que venha a prejudicar os trabalhos do júri. Cláudio
Montalvão acredita na advogada, mas o promotor Édson Cardoso
duvida que tudo ocorra da forma prevista.
A VÍTIMA
Dorothy
Mae Stang, 73 anos
Freira missionária da congregação das Irmãs de
Notredame, natural da cidade de Dayton, Estado
de Ohio, nos Estados Unidos e também
naturalizada brasileira. Filha de Herman Henry
Stang e Edna Mae McCloskey, residia no município
de Anapu, na rua Santa Lúcia, nº 116. Era a
maior liderança da luta em favor da implantação
de um Projeto de Desenvolvimento Sustentável
(PDS) em Anapu. Em razão de sua atuação em favor
do PDS, a religiosa tornou-se alvo da inimizade
e da hostilidade de fazendeiros da região que
lutavam contra o projeto. Eram inimigos
declarados da freira os fazendeiros Amair
Feijoli da Cunha, Vitalmiro Bastos Moura e
Regivaldo Pereira Galvão, que tinham interesses
comerciais nas terras do Lote 55, denominadas de
Gleba Bacajá, que seria absorvida pelo PDS.
Enunciados pelo Ministério Público, eles ainda
serão julgados pelos crimes de planejamento,
articulação e financiamento da empreitada
criminosa que culminou com o assassinato da
religiosa.
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OS EXECUTORES
Rayfran das Neves Sales, o “Fogoió”, 29 anos
Goiano, natural de Sítio Novo (GO), solteiro,
filho de Pedro Soares e Maria das Neves Sales.
Residente na rua Curuá Grande, nº 3932, bairro
Jardim Independente, Altamira. Responde, hoje,
perante o júri popular, em Belém, pela acusação
de haver assassinado, com seis disparos de arma
de fogo (revólver Taurus, calibre 38), a
missionária Doroty Mae Stang. O crime foi
perpetrado às 7h30 do dia 12 de fevereiro deste
ano, numa estrada vicinal da gleba PSD (Projeto
de Desenvolvimento Sustentável). O motivo do
crime, segundo o Ministério Público, teria sido
a promessa de pagamento de R$ 50 mil pela
execução da freira.
Clodoaldo Carlos Batista, o “Eduardo”, 31 anos,
Capixaba, natural de Afonso Cláudio (ES), casado,
lavrador, filho de Seir Tonoli Batista e Maria
das Graças Batista. Residente na travessa do
Mercosul, Gleba 55, Fazenda do “Tato”, no
município de Anapu. Responde hoje, perante o
júri popular, em Belém, acusado de “acompanhar e
incentivar” Raifran Sales, o “Fogoió”, no crime
que vitimou a missionária. Segundo o Ministério
Público, dois teriam sido os principais motivos
de sua participação no crime: trabalhar para o
fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o “Bida”,
tido como um dos mandantes da empreitada
criminosa, e a promessa de pagamento de R$ 50
mil.
Amair Feijoli da Cunha, o “Tato”, 37 anos
Capixaba, natural de Afonso Cláudio (ES), casado,
comerciante, filho de Aguiar Gonçalves da Silva
e de Denair Feijoli da Cunha. Residente na
travessa Sandro Scarparo, nº 300, bairro de Novo
Progresso, no município de Anapu. Recorreu da
sentença que o pronunciou como réu e aguarda
julgamento. O recurso foi indeferido à
unanimidade pela 2ª Câmara Crtiminal Isolada do
Tribunal de Justiça do Estado (TJE) em 7 de
novembro. O advogado do acusado, Oscar
Damasceno, anunciou que vai recorrer da decisão
para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em
Brasília. Ele é acusado de ser o intermediário
do crime, havendo contratado, sob a promessa de
pagamento de R$ 50 mil, os matadores Fogoió e
Eduardo. Está preso na Penitenciária de
Americano III.
Vitalmiro Bastos de Moura, o “Bida”, 35 anos
Goiano, natural de São Miguel do Araguaia (GO),
casado, agricultor, filho de Vital Gonçalves de
Moura e de Generosa D. de Moura, residente no
Acesso II, bairro de Premem, no município de
Altamira. O fazendeiro, que segundo o Ministério
Público encontra-se foragido, é acusado de ser
um dos mandantes do crime. Ele também recorreu
da sentença do juiz de Pacajá, Lucas do Carmo de
Jasus, que decidiu pronunciá-lo com réu, por
considerá-lo como um dos mandantes do
assassinato da missionária. O recurso, porém,
foi indeferido à unanimidade pela 2ª Câmara
Criminal Isolada do TJE, em 7 de novembro. Seu
advogado, Américo Leal, anunciou que recorrerá
da decisão ao STJ.
Regivaldo Pereira Galvão, o “Taradão”, 40 anos
Pernambucano, natural de Bodocó (PE), casado, fazendeiro, residente
no município de Altamira. Preso há sete meses na
Penitenciária de Americano III, o “Taradão”
protesta inocência. Segundo alega, ele teria
sido indiciado na fase final do processo, por
“intriga e disse-me-disse”, conforme afirmou o
advogado dele, Osvaldo Serrão, perante a 2ª
Câmara Criminal Isolada do TJE, que por maioria
de três votos a um, indeferiu, no dia 7 de
novembro, o recurso impetrado contra a sentença
do pronuncia do juiz de Pacajá. Segundo o
Ministério Público, porém, Regivaldo seria um
dos mandantes do crime, contribuindo com a
metade, R$ 25 mil, do dinheiro que pagaria o
assassinato da missionária. O restante seria
integralizado por “Bida”. O Ministério Público,
na denúncia contra ele, afirma que “Taradão”
tinha interesses financeiros no Lote 55, terras
que seriam absorvidas pelo Projeto de
Desenvolvimento Sustentável defendido pela
missionária assassinada. O Ministério Público
também o acusa de responder por outros
processos, entre os quais “trabalho escravo” e
“fraudes contra a extinta Sudam”.
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Jornal Oliberal
29-12-2005
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