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Violência ronda
ocupações de terra
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Tiroteios e
ameaças de morte
fazem parte
da rotina dos trabalhadores rurais
Enquanto cerca de 1,5 mil trabalhadores
rurais participavam, em Belém, do lançamento
da
Campanha Internacional contra a Violência no
Campo e do 17º Grito da
Terra, a violência rondava a zona rural no
Pará. Na quarta-feira, 30, houve tiroteio
contra 43 famílias que vivem há dez anos
numa área que está sendo desapropriada, em
Inhangapi, no nordeste do Estado. Mas um dos
participantes do evento, o trabalhador rural
Sinato Silva, 47 anos, casado, pai de um
filho ainda criança, disse que não tem medo
das ameaças dos pistoleiros que agem no Pará.
Sinato está na lista dos mais de 40 líderes
sindicais rurais marcados para morrer na
luta pela posse da terra.
Sinato ficou, em Belém, até sexta-feira para
participar do 'Grito da Terra', mas antes de
retornar, já recebeu um recado. 'Um
pistoleiro foi até a minha casa disfarçado
de sem-terra, pedindo para se cadastrar.
Mas, no final de tudo, deixou um recado:
quando eu voltar ele vai descobrir se sou
inteligente para bala', contou o agricultor.
Outro nome na linha de tiro da pistolagem é
o do sindicalista Antônio Gomes, 49 anos,
casado, pai de seis filhos. Antonio lidera
16 mil associados em Marabá, no sudeste
paraense. Depois de sofrer ameaças por
telefone, vários homens começaram a bater na
porta da casa dele, durante a madrugada. 'Já
chegaram de moto, de carro, mas como meus
vizinhos estão sempre em alerta, eles acabam
fugindo', contou.
A vida do sindicalista não é fácil. A esposa
vive chorando, os filhos, além de sofrerem
com a ausência do pai por causa do trabalho,
não agüentam a possibilidade dele sofrer um
atentado. 'Eles dizem que se eu morrer a
vida deles também acaba. É muito duro e
triste', lamenta. Mas Antonio está disposto
a cumprir o mandato até o fim, pela
confiança que os agricultores de Marabá
depositaram nele. A família só fica
tranqüila e sossegada quando ele chega em
casa.
Para que pudesse proteger-se contra as
ameaças que está sofrendo, Antônio denuncia
que recebeu um telefonema de uma tenente do
4º Batalhão da Polícia Militar, cujo nome
ele não recorda. 'Ela disse que eu teria que
mudar de identidade, de Estado e deixar tudo
para trás. Mas que proteção é essa? Tentaram
me obrigar a abandonar minha família e a
minha terra, tudo que construí aqui', disse.
Ele fez denúncias sobre as ameaças à
Delegacia de Conflitos Agrários e ao Governo
do Estado, e diz que está aguardando uma
resposta sobre as investigações.
Abordagem
Uma das ameaças que ele considera também
grave aconteceu durante conversa com um de
seus vizinhos. O sindicalista foi abordado
por um desconhecido. 'Ele disse que sabia
quem eu era, como se eu fosse um alvo. Falou
para me intimidar'. Depois disso, as filhas
e a esposa do sindicalista passaram a
receber ligações de homens ameaçando que se
ele não parar com as ocupações de terra e
largar o sindicato, pode sofrer um
'impedimento muito grave'. A família do
sindicalista não tem mais sossego, vive
sobressaltada e sempre com medo. 'Elas ligam
para o meu celular de hora em hora',
constata ele.
Para evitar ser surpreendido, Antônio não
fica sozinho no assentamento e nem no
sindicato. Deixou de voltar para casa à
noite, quando terminam as reuniões. E quando
viaja para as colônias, um grupo de
agricultores sempre o acompanha, para tentar
evitar uma surpresa ruim. Ele afirma que não
toma nenhuma decisão para ocupar uma área,
sem antes consultar se a terra é improdutiva,
ilegal, do Estado ou da União, com chances
reais de ser desapropriada.
Mulheres
Ela é do município de Tomé-açu, sempre
trabalhou com agricultura, tem marido e seis
filhos. Virou sindicalista há quase dez anos
e hoje é uma das trabalhadoras rurais que
responde pelo sindicato da categoria naquele
município. Com medo, pede para não ser
identificada, pois sofre ameaças de morte
dos pistoleiros que agem na região.
'Eles disseram para eu sair do sindicato que
se não vou me dar mal'. Agora a sindicalista
vive apavorada, evita sair à noite e não
anda mais sozinha. Quando vai para as
colônias, leva o maior número de
agricultores e sindicalistas junto com ela.
O drama da luta pela terra tirou a qualidade
de vida dela e da família. 'Os fazendeiros
chegam ao absurdo de espalhar boatos de que
eu fui baleada', conta.
Na porta do sindicato já deixaram cartas com
velas acesas. Assustado, o secretário do
sindicato nem recolheu a ameaça, que acabou
no lixo sem que conhecesse o conteúdo. Assim
como ela, todos os agricultores e
sindicalistas pedem que a Polícia Federal
investigue os casos, porque não suportam
mais tanta impunidade.
Balanço
Triste Realidade
Veja os números da impunidade quando o
assunto é a luta pela posse da terra, de
acordo com a Fetagri
590
casos
denunciados.
30%
sem inquérito.
Só em
6%
(38 casos)
há manifestação da Justiça.
Dos
40
marcados para morrer, só cinco
têm proteção policial. |
Jorge Herbert
Diario O Liberal
publicado 4 de junio de 2006
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