Grito dramático em defesa da
vida
Joelma
Costa - Ela sucedeu marido assassinado à
frente do Sindicato e diz que não quer
morrer
Viver assim não é viver, e sim lutar para
viver'. O desabafo foi feito ontem por
Joelma Costa, viúva de José Dutra da Costa,
o Dezinho, ex-presidente do Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará,
assassinado há seis anos. Ela participou da
programação de lançamento da Campanha
Internacional Contra Violência no Campo, no
auditório do Hotel Sagres, organizada para
denunciar o fato de que lideranças de
trabalhadores rurais ainda estão marcadas
para morrer no Estado, totalizando 40
pessoas, incluindo Joelma, como informou
Carlos Augusto Santos Silva, presidente da
Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras
na Agricultura do Pará (Fetagri), que
organiza a campanha. Joelma participou ontem
de uma mística sobre a violência no campo,
na abertura da campanha.
Aos 42 anos e com o semblante abatido, ela
contou que mora em Rondon do Pará e o marido
Dezinho foi morto em 21 de novembro de 2000,
após ter passado seis anos sendo ameaçado de
morte, por lutar pela reforma agrária. Um
homem chegou na casa dele pedindo ajuda, mas
na verdade tratava-se de um pistoleiro que
matou o sindicalista na frente de sua casa,
com três tiros. Desde que assumiu o cargo do
marido no sindicato, em 2002, Joelma é
ameaçada por meio de bilhetes, recados e
telefonemas e, no Hotel Sagres, estava sob
proteção policial, segundo informou Carlos
Augusto Silva.
Joelmadiz que não deseja a ninguém uma vida
sob ameaças. 'Eu não quero morrer. Estou
denunciando a morte do meu esposo, quero que
os mandantes cumpram pena pelo seu crime,
que até hoje está impune, continuo
denunciando, mas quero viver'. Histórias
como essas se sucedem no campo, como foi
lembrado ontem durante o lançamento da
campanha: os assassinatos dos líderes João
Canuto (Rio Maria), Expedito Ribeiro (Rio
Maria), 19 trabalhadores rurais em Eldorado
do Carajás, Rejane Guimarães (Mãe do Rio),
Euclides Paulo (Parauapebas), Dezinho (Rondon
do Pará), Ademir Alfeu Federici, o Dema
(Altamira), José Pinheiro, Cleunice Lima e
Samuel Lima (Marabá), Bartolomeu Silva (Brasília)
e irmã Dorothy Stang (Anapu).
No lançamento da campanha contra violência
no campo, foi exibido o vídeo 'Na Fronteira
do Medo', com depoimentos de familiares dos
trabalhadores rurais assassinados. Dois
documentários sobre os crimes contra
trabalhadores rurais serão utilizados na
campanha, que tem como slogan 'Corte este
mal pela raiz'.
Proteção
policial
Os 40 nomes de ameaçados de morte no Estado
vêm sendo denunciados pela Fetagri desde o
Grito da Terra Pará 2005 e serão também
abordados na programação de negociações do
Grito deste ano, nos dias 1 e 2 de junho,
com órgãos e instituições. Dos 40 nomes,
somente cinco têm proteção policial. O
combate à impunidade é o principal aspecto
apontado pela Fetagri para se evitar o
assassinato de trabalhadores rurais. A
entidade reivindica ao Tribunal de Justiça
do Estado a constituição de grupo técnico
multidisciplinar para acompanhar o andamento
de 109 processos de violência no campo em 20
anos.
Trabalhadores rurais defendem a necessidade
de reforma agrária.
A concentração de grandes extensões de terra
precisa ser alterada no Brasil para que o
país possa alcançar o desenvolvimento
sustentável. A afirmação é do diretor de
reforma agrária e meio ambiente da
Confederação dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag), Paulo de Tarso Caralo,
que participou ontem, no Hotel Sagres, da
abertura do Seminário Estadual de Políticas
Públicas para o Campo, que reuniu cerca de
500 trabalhadores rurais de todo o Estado.
Os dados divulgados pelo sindicalista
evidenciam a distorção flagrante nas
propriedades rurais brasileiras.
Cerca de 4 milhões de trabalhadores
vinculados à agricultura familiar detêm 88%
dos imóveis rurais, ocupando apenas 20% das
terras brasileiras, mesmo gerando em torno
de 80% dos empregos do País. No outro
extremo, 104.000 produtores, considerados
grandes proprietários de terra, ocupam quase
60% de todas as terras do país, o que
representa 238 milhões de hectares. Nesse
segmento, um grupo ainda mais reduzido, de
21.000 produtores rurais, detêm 150 milhões
de hectares de terra.
Para Paulo de Tarso, 'o Brasil só tem um
caminho para o desenvolvimento sustentável,
que é o campo, e isso só será possível com a
reforma agrária imediata'. O representante
da Contag disse também que o alto índice de
violência no campo é outro dado que 'a
sociedade brasileira não pode mais tolerar'.
Em todo o Brasil, há mais de 100 milhões de
hectares de terra passíveis de reforma
agrária e cerca de 6 milhões de famílias
esperando para serem assentadas, o que
significa mais de 20 milhões de postos de
trabalho no campo, apontou o sindicalista.
Outro palestrante de ontem foi o Francisco
Urbano, que representou a Secretaria de
Reordenamento Agrário do Ministério do
Desenvolvimento Agrário. Urbano falou sobre
a necessidade de implantação do programa de
crédito fundiário, um programa complementar
da reforma agrária, que garante
financiamento para os agricultores que
desejam adquirir a própria terra. O programa
foi aperfeiçoado do Banco da Terra, que já
existia no governo passado, mas agora
funciona com taxas de juros diferenciadas e
com o governo garantindo a infra-estrutura
das terras financiadas.
O Seminário de Políticas Públicas para o
campo é promovido pela Contag em parceria
com a União Internacional dos Trabalhadores
da Alimentação (Uita) e organizado pela
Federação dos Trabalhadores na Agricultura
do Pará (Fetagri). Hoje haverá oficinas nos
auditórios do Banco da Amazônia, da Ada e do
Cefet.l
5 de
junio de 2006
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