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UITA e Contag lançam campanha contra
violência no campo |
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As mortes de trabalhadores rurais e lideranças sociais
ocorridas no estado do Pará em decorrência de conflitos
pela posse da terra estiveram no centro das discussões
durante o seminário internacional de combate à violência
no campo no Brasil, realizado na tarde desta terça-feira
(7), no auditório da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre. Os
assassinatos ocorridos no meio rural paraense motivaram
inclusive a gravação de um vídeo que será exibido em
vários países do mundo, por ocasião de uma campanha
internacional de combate à violência no campo, lançada
ontem, em Porto Alegre, numa iniciativa da União dos
Trabalhadores da Alimentação e Agricultura (Uita) e da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
De acordo com o vice-presidente da Contag, Alberto
Roque, a campanha tem o objetivo de sensibilizar a
opinião pública internacional para a questão das mortes
ocorridas no Brasil em decorrência da luta pela posse da
terra. "Queremos o fim dessa violência e da impunidade
que envergonha o Brasil", disse Roque, durante a
abertura do seminário internacional, que contou com a
presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e
do secretário geral da Uita para a América Latina, o
uruguaio Gerardo Iglesias, dentre demais autoridades;
lideranças rurais e trabalhadores ligados à Contag,
dentre eles dezenas das chamadas "viúvas da terra",
mulheres rurais que tiveram seus maridos vitimados pela
violência agrária.
Representando movimentos rurais da América Latina,
Gerardo Iglesias explicou que a campanha terá como
principal ferramenta um vídeo elaborado a partir de
imagens gravadas no Pará. São testemunhos de parentes e
vítimas de crimes provocados pelos conflitos agrários
que transformaram o estado numa referência nacional e
internacional de violência contra os trabalhadores
rurais e de impunidade em favor dos mandantes. "Até
novembro vamos fazer o lançamento da campanha em mais de
50 países no mundo", adiantou o secretário geral da Uita
durante o seminário, que ocorreu durante a Conferência
Internacional de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural
(CIRADR), que acontece até a próxima sexta-feira (10),
no centro de convenções da PUCRS.
Para o presidente do Centro de Estudos Rurais e de
Agricultura Internacional (Cerai), o espanhol Vicente
Garcês, um dos participantes do seminário contra a
violência, a questão dos conflitos e dos crimes no meio
rural está presente em quase todo o mundo e vem
recrudescendo devido às pressões do agronegócio.
"Atualmente, cerca de três bilhões de pessoas que vivem
no meio rural estão sendo expulsas, gradativamente, pelo
agronegócio", explicou. Garcês atribuiu a três fatores a
causa das mortes de trabalhadores rurais. "A concetração
de terra nas mãos de poucos é o primeiro fator. O
segundo é a pobreza decorrente desse processo. Por
último, destaco a impunidade causada pela ausência de um
sistema judiciário rápido e eficaz para castigar os
autores da violência", disse. "Nesse sentido é que está
a relevância da campanha que está sendo lançada agora",
completou o presidente da Cerai.
Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e
assessor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag),
Girolano Treccani, advogado que atua na defesa de
trabalhadores rurais, foi um dos expositores convidados
para dividir, juntamente com a ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, e com o presidente da Cerai, a
mesa de discussões que abordou a questão da violência e
da impunidade. Treccani avaliou que o estado do Pará,
por conta da independência e do poder financeiro e
político conquistado por alguns fazendeiros, vem
sofrendo um processo de ocupação massiva de suas terras.
Segundo ele, o movimento é semelhante ao ocorrido na
época da colonização da Amazônia, promovida pelos
governos militares. "A única diferença é que não mais
precisam (os fazendeiros) da ajuda do governo. Eles
expulsam os pequenos trabalhadores, derrubam as árvores,
colocam o gado ou plantam a soja", avaliou.
O cenário apresentado pelo professor da UFPA, de acordo
com ele, embasa os dados apresentados pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), que contabilizaram um total de
2015 conflitos agrários ocorridos no Pará, nos últimos
40 anos, envolvendo 17 milhões de hectares e mais de 800
mil famílias. "Os dados apontam a ocorrência de
conflitos agrários em 125 dos 143 municípios que
integram o estado", completou Traccani, que também
criticou o desinteresse e a morosidade da polícia e da
justiça paraenses. "Somente 30% dos crimes decorrentes
de conflitos agrários foram investigados pela polícia e
apenas em 3% desses casos a justiça se pronunciou",
revelou o advogado.
Girolano Treccani admite que muito foi feito pela
reforma agrária durante o governo Lula, mas ainda espera
mais do governo brasileiro, principalmente no que diz
respeito à contribuição da Justiça para a reforma
agrária. "O governo Lula assentou muito mais famílias em
três anos do que o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, ao longo de oito anos de mandato. Mais é
preciso, antes de mais nada, que a Justiça deixe de
proteger tanto a propriedade e passe a proteger mais a
vida", finalizou.
Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva destacou o
lançamento da campanha internacional contra a violência
no campo no Brasil como mais um instrumento de denúncia
e repúdio daqueles que, segundo ela, "acham que são os
donos do mundo". Citando Chico Mendes e a missionária
norte-americana Dorothy Stang, a ministra disse que o
Brasil necessita cada vez mais de instrumentos e de
pessoas com coragem para cobrar o enfrentamento do
problema pelo governo federal e pelos estados. "É
preciso não desistir e continuar nos desafiando a fazer
os governos tornarem-se cada vez mais presentes para
aqueles que ainda não contam com os governos. Esse é o
esforço que nos é exigido incessantemente pelo
presidente Lula", revelou a ministra, que destacou as
ações conjuntas de regularização fundiária, fiscalização
e preservação ambiental, promovidas pelo Incra e Ibama,
como medidas que estão acuando e enfraquecendo a
grilagem de terras públicas na região amazônica.
Gazeta do Oeste
7 de marzo de 2006
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