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Campanha contra
violência tenta
sensibilizar Judiciário |
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Junto
com entidade internacional, CONTAG lança Campanha
Internacional contra a Violência no Campo no Brasil. Nos
últimos 20 anos, cerca de 1,5 mil lideranças rurais
foram mortas. Houve 76 julgamentos e a condenação se deu
apenas em 16 casos.
A abertura de negociações junto ao Poder Judiciário é um
dos principais focos da Campanha Internacional Contra a
Violência no Campo no Brasil, lançada nesta terça-feira
(7) por iniciativa da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e da União
Internacional de Trabalhadores da Alimentação e
Agricultura (UITA), durante a II Conferência
Internacional de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural
(CIRADR) da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura (FAO).
A violência do campo, aponta Paulo Caralo, secretário de
Política Agrária e Meio Ambiente da Contag, é um dos
grandes entraves da reforma agrária. “Esse quadro é um
resultado da impunidade na Justiça e de ações dos
próprios governos por meio das ações das polícias”,
afirma. Nos últimos 20 anos, cerca de 1,5 mil lideranças
de trabalhadores rurais foram mortas em conflitos no
campo, de acordo com números da entidade. Desse total,
apenas 76 casos foram julgados e apenas em 16 deles
houve condenação. A campanha permitirá a ampliação do
alcance das denúncias e um reforço significativo no
sentido da cobrança, desde o Supremo Tribunal Federal
(STF), passando pela Justiça Estadual e pelo Ministério
Público. “No caso da Margarita Alves [líder sindical que
foi brutalmente assassinada em 1993, na Paraíba], por
exemplo, o processo simplesmente prescreveu”, observa,
acentuando o peso do problema da lentidão e da
conseqüente manutenção de milícias armadas privadas por
segmentos de fazendeiros espalhados pelo País.
Além disso, Caralo sustenta que a parcialidade de parte
do Poder Judiciário na conduta dos casos relacionados à
violência no campo é real. “Até algumas décadas atrás, o
Brasil era um país majoritariamente rural. Muitos juízes
de hoje são filhos do latifúndio”, argumenta. Nesse
contexto, le vê uma tendência ao pronto acolhimento da
Justiça -especialmente em foros estaduais- de qualquer
justificativa destinada a penalizar as lideranças
sindicais e os trabalhadores rurais.
A campanha também será importante para fortalecer o
processo de organização dos movimentos de base -está
sendo planejada uma continuidade das ações em nível
estadual e municipal-e para tentar sensibilizar a
comunidade internacional. De acordo com o
secretário-regional da UITA, Gerardo Iglesias, a
iniciativa deverá ser lançada em mais de 50 países até
novembro de 2006.
Dados apresentados por Vicente Garcez, do Centro de
Estudos Rurais e de Agricultura Internacional (Cerai),
com sede em Valencia, na Espanha, mostram que esse
processo ultrapassa fronteiras. Cerca de três bilhões de
pessoas que vivem no meio rural estão sendo expulsas
pelo agronegócio. Garcez atribui o recrudescimento dos
conflitos e o aumento da violência agrária a três
fatores: a concentração de terra, a pobreza e a
impunidade.
“Assim como o pessoal da Contag, somos todos vítimas”,
acrscenta Dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão
Pastoral da Terra (CPT) que, junto com outras entidades
como a Contag, fazem parte do Fórum Nacional pela
Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA). “Não se
combate a violência com mais violência. Escolhemos o
caminho da denúncia e lançamos, todos os anos, os
cadernos sobre conflitos no campo. A divulgação dos
dados afeta diretamente os fazendeiros e as milícias
privadas”.
O religioso ressalta ainda que o julgamento desses casos
na Justiça Estadual é uma maneira de camuflar a
impunidade. Hoje, na opinião dele, talvez o caso mais
escandaloso seja o da Terra Indígena Nhande Ru Marangatu,
no Mato Grosso do Sul ( PF despeja 700 no Mato Grosso do
Sul por intransigência do STF). Índios Guarani-Kaiowás
foram despejados de uma terra homologada por causa de
uma decisão do STF que deu razão ao direito absoluto da
propriedade. “[Essa decisão] Passa por cima da função,
inclusive cultural. É a ponta do iceberg do grande
absurdo que vivemos”.
Presente no debate de lançamento da campanha, a ministra
Marina Silva (Meio Ambiente) recordou a pronta ação do
governo federal no caso do assassinato da Irmã Dorothy
Stang, no ano passado, e chamou atenção para ações de
relevo como o trabalho intenso de regularização
fundiária que vem sendo promovido depois de um
interregno de mais de 30 anos e as operações da Polícia
Federal para desmantelar quadrilhas criminosas que vinham
atuando há 15 anos. Para a ministra, a “roda custa a
girar ao contrário”. “É preciso aprender a valorizar os
avanços e não apenas crucificar. O que de bom é feito,
não é dito. O que nem fizemos de ruim, a nós é
imputado”, reclamou.
Outro exemplo citado por Marina foi a pavimentação da
BR-163. “Por que acabou a pressa [para o início das
obras]? Talvez porque as terras já não estão mais
disponíveis para a grilagem”, complementou, sem esquecer
de confirmar o apoio do presidente Lula e a inspiração
na vidad daqueles que morreram. “Sei que a dor tem sido
maior entre integrantes dos movimentos sociais que
continuam perdendo entes queridos. Combater a violência
está acima de nós. É algo maior”.
Maurício Hashizume
Carta Maior
10 de março de 2006
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