Defender
quem defende os outros é uma tarefa arriscada. Vive-se sob
ameaças constantes. Às vezes, enfrenta-se a prisão
arbitrária. Em outras, paga-se com a vida. É também uma luta
para não ser compreendido. Esses militantes de direitos
humanos são rotulados de defensores dos bandidos, daquela
gente que faz o mal. É assim no mundo todo, conforme
relatório apresentado em setembro por Hina Jilani,
representante especial da Organização das Nações Unidas
(ONU).
Depois de passar por países como Sudão, Nepal, Colômbia e
Guatemala, chegou a vez de o Brasil ser visitado por essa
paquistanesa que, não por acaso, começou sua carreira como
advogada especializada em direitos humanos. De hoje até o
dia 20, a representante da Organização das Nações Unidas
(ONU) visitará Brasília, Pernambuco, Bahia, Santa Catarina,
São Paulo e o Pará. Deve agendar encontros com
representantes do governo federal, inclusive o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. A visita se transformará num
relatório preliminar a ser apresentado na Comissão de
Direitos Humanos da ONU em abril.
Duas organizações não-governamentais, Justiça Global e Terra
de Direitos, que denunciam falta de assistência aos
defensores de direitos humanos no Brasil, vão aproveitar a
passagem de Hina para lhe entregar um dossiê com cerca de 50
casos de violações, muitos deles recentes, e ainda longe de
uma solução. “A impunidade em relação às ameaças,
intimidações e crimes cometidos contra os defensores de
direitos humanos perpetua os abusos e facilita sua
repetição”, critica o dossiê.
Em São Paulo, Hina, que é advogada do Supremo Tribunal do
Paquistão, vai ouvir a história de Conceição Paganele,
presidente da Associação de Mães e Amigos da Criança e do
Adolescente em Risco. No dia 27 de junho, Conceição recebeu
um recado em seu celular: “Tô na febem para te rasgar, eu te
pego, panela véia é que faz comida boa.” Seguiram-se cercos
à sua casa, ameaças à sua família. Mas ela continuou o
trabalho junto da Febem.
No mês passado, em vez de receber apoio, foi acusada pelo
governador Geraldo Alckmin de ficar “o dia inteiro criando
problemas”. A presidente da Febem, Berenice Gianella,
afirmou que iria investigá-la para saber se ela não incitou
uma rebelião.
Na Bahia, Hina terá oportunidade de conhecer Ana Maria dos
Santos, que desde março de 2003 denuncia a ação de grupos
de extermínio na região do Recôncavo Baiano. Constantemente
ameaçada, teve de abandonar sua casa e dormir na Promotoria
Pública de sua cidade, Santo Antônio de Jesus, depois que
Gerson Bispo, uma das testemunhas que protegia, foi morto em
9 de outubro daquele ano.
Talvez a representante Hina Jilani já conheça bem a história
de Gérson Bispo. O jovem denunciava policiais militares
integrantes de um grupo de extermínio pela morte do irmão,
Antônio Carlos de Jesus Bispo, em agosto de 2002.
Nessa época, procurou a defensora Ana Maria. Por meio dela,
conheceu outra relatora da ONU, Asma Jahangir, que veio ao
Brasil investigar a prática de execuções sumárias. Dias
depois de prestar esse depoimento, Gérson foi morto com
dois tiros. A irônica ‘coincidência’ é que Asma e Hina são
irmãs.
Roteiro de crimes e impunidade que serão pesquisados por
Hina Jilani
São Paulo (Agência Estado) -
Confira a seguir algumas das denúncias que serão
apresentadas à representante especial da Organização das
Nações Unidas (ONU) Hina Jilani, durante sua visita ao
Brasil, com objetivo de produzir um relatório preliminar a
ser apresentado na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em
abril.
26 de outubro:
Perseguição e prisão do sem-teto Américo Novaes, que
liderava o acampamento Parque Oeste, em Goiânia.
20 de outubro: Assassinato de Cláudio Alves dos Santos,
ativista dos direitos dos homossexuais em Nova Iguaçu, Rio,
que havia participado da identificação de três gays
assassinados.
1º de outubro:
Assassinato do líder sindical Jair Antônio da Costa durante
manifestação contra o fim de 13 mil empregos na indústria
calçadista de Sapiranga, Rio Grande do Sul.
28 de setembro: Assassinato de Adamor Guedes, em Manaus.
Presidente da Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e
Travestis, foi espancado e ameaçado antes de ser morto.
18 de agosto:
Agressões sofridas pelos indigenistas missionários Gilce
Freire, Markus Breuss e Naira Reis feitas por fazendeiros
invasores de terra indígena em Santa Helena de Minas, em
Minas.
17 de fevereiro: Joaquim Bernardo Pereira, líder
comunitário, sofre ameaça de morte por lutar pelos
atingidos de uma barragem em Candonga, Minas.
28 de janeiro de
2004: Assassinato dos agentes de fiscalização do trabalho
escravo Nelson José da Silva, Erastótenes de Almeida e João
Batista Soares Lage, e do motorista, Aílton Pereira de
Oliveira, em Unaí, Minas
Jornal Oliberal
29-12-2005
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