No início do
ano, Osmarino Néris levou cinco tiros, disparados por
pistoleiro. Ele aponta mandantes, teme voltar para casa e
quer se aposentar pelo INSS.
Ele sobreviveu a um crime de encomenda em Parauapebas, no
sul do Pará. O sindicalista Osmarino Néris da Silva, o
Mazinho, 45 anos, quatro filhos, levou cinco tiros, em
janeiro deste ano, de um pistoleiro na porta da casa de uma
irmã, a quem ia visitar. Agora, precisa de ajuda, porque
ficou com algumas seqüelas do atentado. Toma remédio
controlado e enfrenta momentos de pânico e depressão. O
drama de Mazinho é o mesmo de outras pessoas marcadas para
morrer: sozinho e sem a proteção do Estado, ele teme ser
assassinado se retornar ao município onde mora sua família.
Vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Parauapebas e presidente da Cooperativa Mista dos Produtores
Rurais do Assentamento Valentim Serra, uma área com 21 lotes
disputada por três fazendeiros e 20 famílias de
trabalhadores sem-terra, Mazinho afirma que os mandantes de
sua morte continuam livres em Parauapebas, embora o homem
contratado para fazer o “serviço” esteja na cadeia.
Em Belém, onde chegou ontem para tentar obter do Instituto
Nacional da Seguridade Social (INSS) o reconhecimento de sua
incapacidade para o trabalho e a concessão de aposentadoria
por invalidez, Mazinho contou ser um homem desiludido e
assustado. “O que eu quero é justiça. E que a reforma
agrária seja uma realidade e não a farsa que é hoje no sul
do Pará”, disse o sindicalista. Ele fez duras críticas ao
Incra, afirmando que o órgão “joga trabalhador contra
trabalhador” e que está a serviço de partido político.
Quem atirou em você e qual o motivo?
Foi o pistoleiro Valdir Vieira da Silva, o “Valdinho”. Ele
chegou a dizer que teria de me matar porque já tinha
recebido metade da recompensa pelo crime, R$ 2,5 mil, dos R$
5,5 mil acertados com quem havia encomendado a minha morte.
Eu estava chegando na casa de minha irmã, a Kelly. Esse
pistoleiro estava escondido na saguão, entre a parede da
casa dela e um muro. Quando eu ia chegando, ele apareceu e
apontou logo a arma para mim. Ele tinha vindo de moto com um
outro indivíduo que ficou por perto esperando o resultado.
-E aí, o que aconteceu?
-Eu perguntei o que ele queria e ele respondeu que tinha
sido mandado por alguém para me matar. Cheguei a perguntar
quem tinha encomendado o serviço dele, mas respondeu que
morria sem revelar o nome. Na hora havia várias crianças por
perto. Elas se assustaram quando ele apontou a arma para
mim. E deu o primeiro tiro que pegou na minha cabeça, mas eu
fui em cima. Ele largou o revólver por um instante e eu me
atraquei com ele. O pistoleiro conseguiu se safar, pegou o
revólver de novo e disparou mais dois tiros. Cada um pegou
num lado de ombro. Eu estava perdendo sangue, mas continuei
lutando com ele. Temia que alguma bala pegasse nas crianças.
O Valdinho deu outro tiro no peito, perto da minha garganta
e depois mais outro na minha costela. Depois, pegou a moto
que estava com o outro cara e fugiu.
Eu estou com medo de voltar e ser morto. Estou
marcado para morrer. O pistoleiro me deu cinco
tiros e eu escapei. Os fazendeiros, porém, estão
livres e vão querer tentar me matar novamente.
Não tenho garantia de vida da polícia e até
minha família está ameaçada pelos fazendeiros.
Dias atrás ligaram para mim dizendo que pessoas
foram vistas rondando a casa de minha família.
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-Ninguém ajudou na hora um que estava lutando com o
pistoleiro?
-Não apareceu um filho de Deus para me ajudar. Passava muita
gente pela rua, mas todos ficaram com medo de interferir e
também levar um tiro. Eu fiquei perdendo muito sangue e uma
filha minha disse “papai, o senhor não vai morrer, porque é
muito forte”. Eu caí no meio-fio e um cunhado meu que vinha
chegando tratou de me levar para o hospital do Sesp de
Parauapebas. Lá, um médico ficou só cutucando os buracos das
balas. Quando vi que não estavam fazendo nada, eu disse que
se havia condições de salvar minha vida, que eles fizessem
logo alguma coisa. Disseram que eu estava muito nervoso. Fui
transferido para um hospital em Tucuruí. Quem salvou a minha
vida foi o dr. Castro, médico lá de Tucuruí. Ele fez três
cirurgias em mim. Se estou vivo hoje, mesmo doente, agradeço
muito ao dr. Castro.
-Quem mandou esse pistoleiro matá-lo?
-Foi o vereador Altair (Altair Borba Soares), de Parauapebas,
que concorria à reeleição, mas perdeu, o Sérgio da
Anagráfica, e o dono do Frangão. São todos fazendeiros que
grilaram terras numa área da União em Parauapebas, a fazenda
Gameleira. O Altair criou dez lotes nessa área que já foi
desapropriada pelo Incra. Eu esperei três vezes que a
Bernadete (Bernadete Caten, superintendente do Incra em
Marabá) mandasse os trabalhadores ficarem na terra. O povo
chegou a ir comigo, apoiado pelo Assis, que é o presidente
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas.
-O que aconteceu com os fazendeiros supostos mandantes do
atentado?
-Nadinha. Estão todos soltos em Parauapebas. O pistoleiro
Valdinho é que foi preso. Eu quero agradecer à Polícia
Federal pelo bom trabalho que fez no meu caso. Foram os
federais que prenderam esse pistoleiro. Ele está na
penitenciária de Marabá, mas eu soube que os fazendeiros
estão tentando soltá-lo. Eu reconheci o Valdinho na cadeia
como o homem que disparou cinco tiros contra mim. Fico
revoltado em saber que não aconteceu nada com esses
fazendeiros.
-O que precisa ser feito para fazer justiça nesse caso?
-É prender não só quem apertou o dedo no gatilho, que foi o
Valdinho, mas também os que mandaram ele fazer esse serviço.
Eu quero justiça. Quem manda fazer, para mim, é pior do que
aquele que faz.
O Valdinho já matou outras lideranças de agricultores da
região e um sindicalista...
Ele confessou que matou o Soares (Soares da Costa Filho,
diretor do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Parauapebas)
e também matou o Carlito, que era líder dos sem-terra da
Fazenda Boa Sorte, do pecuarista Valdemar Camilo. O Soares
era um homem que podia ter os defeitos dele, mas ninguém o
via com rixa com qualquer pessoa.
-O Valdinho é um pistoleiro perigoso.
-Demais. Ele me disse que eu só não morri com os cinco tiros
que ele me deu, porque não preparou as balas com veneno,
como sempre fazia em outros crimes de encomenda. O Valdinho
contou que comprava as balas, fazia uma cruz na cabeça delas
e as colocava dentro de um vidro com veneno “mata tudo”
durante a noite para matar os outros no dia seguinte.
-O que aconteceu com as famílias que ocupavam a fazenda
Gameleira?
-Foram todas retiradas pelo Incra, que prometeu arrumar uma
outra área para elas, mas não fez nada disso. O problema é
que o Incra hoje está comprometido com partido político,
deixando de lado os interesses dos trabalhadores. Se os
sem-terra são ligados a algum vereador do PT, ficam na
terra. Se não são ligados, saem. O Incra também joga os
trabalhadores uns contra os outros. Há 21 pessoas que
receberam créditos do Incra, mas estão sem terra para
trabalhar. Como elas saíram da fazenda Gameleira, o Incra
tem que arrumar terra para elas.
-Por que o senhor não retorna e reassume seu cargo de
vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Parauapebas?
-Eu estou com medo de voltar e ser morto. Estou marcado para
morrer. O pistoleiro me deu cinco tiros e eu escapei. Os
fazendeiros, porém, estão livres e vão querer tentar me
matar novamente. Não tenho garantia de vida da polícia e até
minha família está ameaçada pelos fazendeiros. Dias atrás
ligaram para mim dizendo que pessoas foram vistas rondando a
casa de minha família.
Deixei documentos da cooperativa com o contador e preciso
que o Sindicato me forneça a documentação para eu pegar
benefício do INSS. O médico que me operou fez um laudo
dizendo que estou com problemas de saúde. Tomo remédio
controlado e não tenho condições de trabalhar. Como é que eu
vou viver e ajudar meus filhos? Nós estamos passando
necessidades. Tem dia que eu almoço, mas não janto. Não
tenho dinheiro para nada. Cheguei em Belém para tentar
resolver meu problema com o INSS. Eu dependia do sindicato,
porque estava à disposição dele. Agora preciso de uma
declaração dizendo isso ao INSS.
Sindicato denuncia crime e
divulga lista de “marcados”
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Itupiranga, Raimundo Costa Oliveira, denunciou ontem em
carta a O LIBERAL o assassinato do trabalhador rural
Domingos Santos da Silva, 46 anos, casado, pai de uma única
filha, que era membro da coordenação do acampamento na
Fazenda Mineira, ocupada por 85 famílias desde maio de 2001,
naquele município. Domingos foi assassinado por volta das
oito horas da manhã, na terça-feira, 8, em frente à sua
casa. O pistoleiro disparou cinco tiros de revólver calibre
38 contra o trabalhador e desapareceu em seguida.
A fazenda Mineira teve duas reintegrações de posse em julho
deste ano. Os dois despejos contaram com forte aparato das
polícias militar e civil. Após a expulsão das famílias pela
polícia, o dono da fazenda contratou pistoleiros para atear
fogo nas casas e plantações. Toda a plantação e produção de
três anos foram perdidas.
O clima é tenso na área. As famílias acampadas
correm riscos de vida e várias lideranças do
Sindicato e do acampamento estão sendo alvos de
ameaças. O conflito pode se acirrar a qualquer
momento. É grande a preocupação das famílias
acampadas e das lideranças ameaçadas. Até o
momento, a atuação da polícia, tem sido apenas
de proteger o latifúndio do fazendeiro. A
maioria das mortes e ameaças a trabalhadores
rurais e lideranças sindicais na região não é
investigada, garante o sindicato.
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Por se tratar de uma grande propriedade, aparentemente
improdutiva, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Itupiranga e a Fetagri regional, há três anos, solicitam a
desapropriação.
“O Incra não tem se empenhado no sentido de desapropriar o
imóvel”, diz a carta do Sindicato. “O proprietário utilizou
meios não legais para fracionar o imóvel e colocá-lo abaixo
do módulo para desapropriação. O Incra tem se apoiado nesse
ato ilegal para justificar a não desapropriação. Se o órgão
tivesse cumprido seu papel, a morte teria sido evitada”,
afirma Raimundo Costa Oliveira.
O clima é tenso na área. As famílias acampadas correm riscos
de vida e várias lideranças do Sindicato e do acampamento
estão sendo alvos de ameaças de morte, afirma o
sindicalista. O conflito pode se acirrar a qualquer momento.
É grande a preocupação das famílias acampadas e das
lideranças ameaçadas. Até o momento, a atuação da polícia,
tem sido apenas de proteger o latifúndio do fazendeiro. A
maioria das mortes e ameaças a trabalhadores rurais e
lideranças sindicais na região não é investigada, garante o
sindicato.
O sindicato também relaciona nomes de 10 trabalhadores que
estariam sendo ameaçados de morte: Raimundo Costa Oliveira,
Presidente do STR de Itupiranga; José da Silva Abreu,
ex-presidente do STR; Manoel Monteiro dos Santos, também
ex-presidente do STR; e os acampados na fazenda Mineira
Raimundo Nonato Teixeira, Antonio Maurício da Silva, Antonio
Zuqueto Filho, Moizaniel Pereira de Sousa, João Francisco
Pinheiro, Antonio Francelino dos Santos e Félix Guedes
Macedo.
Protesto nos cinco anos
da morte de Dezinho
Manifestantes sem-terra prometem às ir ruas de Rondon do
Pará na manhã da próxima segunda-feira para lembrar os
cinco anos do assassinato do ex-presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Rondon, José Dutra da Costa, o
Dezinho, morto dia 21 de novembro de 2000, quando chegava na
casa dele.
A intenção de lideranças dos movimentos sociais, Fetagri,
CPT e Sindicatos local é promover uma grande debate em torno
dos avanços e retrocessos da reforma agrária, violência e
impunidade. O local do ato ainda está indefinido, não se
sabe que será algum ponto fechado, ou no meio da avenida
principal, como aconteceu em anos anteriores.
Os debatedores, de acordo com o coordenador da Fetagri,
regional sudeste, Francisco de Assis Solidade da Costa, têm
como objetivo levantar uma ampla discussão em torno da
reforma agrária. O ato está sendo coordenado pela viúva de
Dezinho, Maria Joel Dutra da Costa, que também está ameaçada
de morte por encabeçar o movimento de defesa dos
trabalhadores rurais.
Maria Joel anda dia e noite com seguranças em virtude dessas
ameaças. Antes de Dezinho ser assassinado, ele sofreu várias
ameaças de morte, até que um dia as ameaças se
concretizaram.
O pistoleiro Wellington de Jesus, que veio da Bahia
especialmente para fazer o “serviço”, está preso em Marabá.
Dezinho à época comandava várias ocupações de terra em
Rondon, dentre elas uma na fazenda “Tulipa Negra”
pertencente ao industrial madeireiro Delso Barros Nunes.
Delso Barros Nunes foi apontado pela polícia como sendo o
principal suspeito de ter mandado matar Dezinho. Ele ainda
chegou a ser preso, mas ficou apenas 13 dias recolhido no
Crama e foi solto por decisão do então desembargador Otávio
Marcelino Maciel e atualmente aguarda em liberdade um
provável júri popular.
Os manifestantes também prometem cobrar rapidez da Justiça
neste e em outros casos envolvendo a morte de sindicalistas
na região. Uma surpresa está sendo anunciada durante o
protesto. Suspeita-se que a “surpresa” seja a ocupação de
alguma fazenda em Rondon do Pará.
Carlos Mendes
Publicado em O LIBERAL 09.11.05
21 de novembro de 2005
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