Brasil

Violência rural

A UITA filma um documentário na Amazônia

Chove esta manhã aqui, em Montevidéu, no sul do sul. Chove forte, fechado e cinza. Contudo, resulta impossível despojar-se das sensações que deixaram em nós as vivências de apenas uns dias, quando nos sufocávamos na poeira da estrada Transamazônica, no estado brasileiro do Pará, uns 600 quilômetros ao sul de sua capital, Belém.

 

Uma equipe da Secretaria Regional da UITA, integrada por Álvaro Santos, Emiliano Camacho e quem escreve, tinha chegado até ali dando o passo inicial de uma pesquisa de campo cujo resultado será um documentário de 20 minutos –já em processo de edição–, uma das peças essenciais da campanha internacional contra a violência rural no Brasil que será lançada nas próximas semanas de forma conjunta entre a UITA e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).*

 

Este plano de trabalho, elaborado com a colaboração da Federação de Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) do estado de Pará, começou a concretizar-se na cidade de Marabá, em cujas proximidades encontramos um dos filhos de Dedé, único sobrevivente do massacre, ainda impune, em que foram assassinados o próprio sindicalista Dedé, sua esposa e seu filho menor. Os assassinos foram soltos pela Justiça. Conhecemos a Fundação Agrária do Tocantins Araguaia, um centro de formação e capacitação profissional para jovens trabalhadores e assentados, onde se utiliza a chamada “pedagogia de alternância”, que consiste em permanecer 15 dias na escola e os outros 15 dias em suas casas cuidando das tarefas produtivas de suas famílias. Lá se desenvolvem também diversos projetos relacionados com a aprendizagem comunitária, a cooperação e a gestão dos recursos naturais.

 

A poucos quilômetros de Marabá, visitamos um acampamento com mais de 80 famílias de trabalhadores(as) sem terra que, há três anos, lutam pela posse de uma terra improdutiva, já ocupada três vezes, e da qual foram despejados outras tantas. Agora, alojam-se no que foram uns galpões para porcos cedidos por um assentamento vizinho, onde não tem luz, nem água.

Brasil

14-04-2005


O mundo deve conhecer nossa trágica realidade

A violência no campo e a ausência do Estado

Com Jair Krischke

 

Por

Gerardo Iglesias

 

 

Em Rondon do Pará, conhecemos Joel, viúva do dirigente rural Dezinho, assassinado há dois anos. Joel foi eleita posteriormente presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rondon e, devido às ameaças de morte que recebe constantemente, vive com guarda-costas para sua segurança 24 horas por dia.

 

Em Paraupebas, conversamos sobre o assassinato do dirigente rural Soares, com seu irmão e pelo seu companheiro de Sindicato, conhecido por Índio. Também recolhemos o testemunho da viúva de Antônio do Alho, ex-dirigente sindical rural e assessor da Secretaria Municipal de Agricultura da Prefeitura local, assassinado há apenas três meses. Antônio deixou quatro filhos, um deles, com apenas quatro meses de vida.

 

Após percorrermos um longo trecho pela Transamazônica, chegamos a Pacajá, onde conhecemos o caso de Dorival, um líder local ameaçado de morte, obrigado a abandonar sua lavoura para ter mais segurança na cidade.

 

Depois, chegamos a Anapú, a pequena cidade onde vivia a estadunidense-brasileira, Dorothy Stang, religiosa das “Irmãs de Notre Dame de Namur”, assassinada há poucos meses, depois de 25 anos de ameaças e intimidações constantes. Lá, conversamos com Janine, também estadunidense e religiosa, que partilhou de todas as lutas de Dorothy, durante os últimos 20 anos. A comunidade de trabalhadores sem terra nos deu testemunhos e lembranças sobre a religiosa assassinada, principalmente as de Chiquinho, presidente do sindicato de trabalhadores rurais local, filho espiritual de Dorothy, ex-candidato a prefeito pelo PT e, atualmente, ameaçado de morte pelo mesmo “consórcio” que assassinou a irmã Dorothy.

 

De Anapú a Santarém, onde encontramos Ivete, presidenta do sindicato rural e ameaçada de morte pelos plantadores de soja e fazendeiros que têm se apropriado de milhões de hectares de terras, que antes eram mato, selvas tropicais, e que agora são pastagens e terras de cultivo em rápido processo de desertificação. Ivete vem de uma comunidade tradicional, que há anos cultiva e vive de produtos da selva. Ela nos guiou até duas comunidades “quilombolas” instaladas às margens do Rio Tocantins, no interior da Floresta. Lá, conhecemos as conseqüências da pressão que exercem os interesses dominantes sobre estas comunidades para que abandonem suas vilas e poder, assim, ficar com as terras do qual vivem. Os quilombos são comunidades de negros que se ocultaram na selva fugindo da escravidão, e, em muitas ocasiões, se misturaram com os grupos indígenas que encontravam em cada lugar. São moradores seculares dessas terras e sua permanência nela é uma das melhores garantias de que a mata perdure, pois vivem dela e a conhecem melhor que ninguém. A violência, contudo, os ameaçam constantemente.

 

Finalmente, a poucos quilômetros de Belém, encontramos a família de Rejane – seu viúvo e seus dois filhos – militante do movimento de mulheres camponesas da região, assassinada há dez anos em sua própria casa, na frente de seus filhos e sobrinhos pequenos. Seu assassinato, como todos os outros, permanece impune. Seu “carrasco” foi preso poucos minutos depois, mas a Polícia assegurou-se do seu silêncio, aplicando-lhe a chamada “lei da fuga”, quando, supostamente, o assassino quis escapar das dependências policiais: morreu no mesmo dia. O(os) autor(es) intelectual(is) nunca foi(ram) desmascarado(s). Sem dúvida, um comovente testemunho de amor com que esta baiana, inteligente, cálida e bela, impregnava tudo quanto fazia na vida.

 

Estas pessoas lutam na “primeira linha de fogo”, ali, onde os “grileiros”** queimam milhares e milhares de hectares de matas para apoderarem-se dessas terras sem nenhuma documentação – e quando os apresentam, sempre são documentos fraudados – e explorá-la durante os poucos anos que durará sua fertilidade, irremediavelmente condenadas à desertificação. A associação entre aventureiros enriquecidos, militares aposentados e na ativa, que têm fundado suas próprias dinastias feudais desde os anos da ditadura da década dos 60, os exportadores de madeiras nobres que têm arrasado quase 40% da melhor madeira da Amazônia brasileira e continuam avançando, os pecuaristas e plantadores de soja sobre enormes extensões de terras pirateadas, constitui um fator de poder tão forte que, com algumas honrosas exceções, impede a ação da Justiça, da Polícia e do sistema político local. A tradicional passividade do Estado – leia-se, cumplicidade e conivência dos sucessivos governos – até que sofreu algumas alterações, com a enorme repercussão internacional do assassinato da irmã Dorothy. O governo Lula tem mobilizado vários contingentes militares e da Polícia Federal, supostamente menos sensíveis às pressões locais. Na “trincheira” da luta pela terra e contra a impunidade – elementos chaves desta violência institucionalizada – as coisas não têm mudado muito. Talvez se respire um pouco melhor, mas o medo continua sendo o alfabeto com que se escreve a vida cotidiana.

 

Apesar disto, as pessoas entrevistadas têm decidido permanecer não só em seu “posto de luta”, mas, fundamentalmente, no lugar onde moram, onde querem viver.

 

O grito que ecoa no sul do Pará, como em todo o campo brasileiro, não é uma queixa, não é um lamento, mas é um grito que se conclama à vida e à riqueza com que ela se expressa nessas terras. Um grito tão fundo e forte que, mais cedo ou mais tarde, enterrará para sempre os mensageiros da morte, a ignorância e o egoísmo. Custe o que custar.

 

Carlos Amorín

© Rel-UITA

13 de outubro de 2005

 

 

* Rel-UITA agradece os apoios da FETAGRI e de César Ramos, Carmen Helena Ferreira e Paulo Caralo da CONTAG.

** Assim chamados porque, para fraudar seus títulos de terras dando-lhes aparência "envelhecida", os colocam em uma caixa com grilos cuja urina lhes dá um tom amarelado.

 

 

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