Brasil |
NOTICIAS
del mundo |
G-8:
Expectativas frustradas |
|
Terminou nesta sexta-feira,
8 de julho, a Cúpula do G8 - grupo dos sete países mais
industrializados, mais a Rússia -, marcada tragicamente
pelos atentados ocorridos na véspera em Londres, Inglaterra,
e acompanhada de perto pela sociedade civil mundial, que
organizou protestos em grande escala para pedir ações
concretas em relação à pobreza e às mudanças climáticas, os
dois principais temas na agenda de debates.
O documento produzido ao final
do encontro, realizado na cidade escocesa de Gleneagles, não
respondeu à altura os pedidos - ou exigências - de boa parte
das organizações e dos movimentos que apresentaram
reivindicações. "Acabaram de divulgar o documento final, e
ele é uma decepção geral", disse à Rets, por telefone, de
Gleneagles, o diretor regional da ActionAid Américas,
Adriano Campolina.
Nos dias que antecederam o evento, diversas manifestações em
diferentes partes do mundo mostravam que a sociedade mundial
está, sim, atenta e quer mudanças imediatas. Em 1º de julho,
a Chamada Global para Ação contra a Pobreza levou às ruas de
cerca de 72 países pessoas usando a faixa branca, marca da
campanha, e protestando contra a pobreza, numa tentativa de
sensibilizar os líderes do G8. No dia seguinte, 250 mil
pessoas tomaram as ruas de Edimburgo, capital escocesa, num
protesto também organizado pela Chamada Global.
No mesmo dia 2, o megaevento de rock Live 8, organizado pelo
músico Bob Geldof, aconteceu simultaneamente em nove cidades,
sendo visto, ao vivo ou pela TV, por uma estimativa de 3
bilhões de pessoas. Os nomes do show eram fortes. Em
Londres, onde ocorreu o concerto principal, o líder da banda
irlandesa U2 arrancou aplausos das 200 mil pessoas presentes
ao Hyde Park ao convocá-las a se engajarem na luta contra a
pobreza: "Não estamos pedindo caridade, mas sim justiça. Não
podemos consertar todos os problemas, mas aqueles que
podemos, devemos", conclamou.
Foi esta mesma Londres que assistiu, amedrontada, cinco dias
depois, às quatro explosões no metrô e em um ônibus. A
autoria dos atentados foi assumida pelo Grupo Secreto da
Jihad da Al-Qaeda na Europa, que advertiu Itália e Dinamarca
a retirarem suas tropas do Iraque e do Afeganistão. Além de
espalhar o terror, os atentados seviram para atrair as
atenções e mudar o foco e o discurso do encontro que
acontecia no país vizinho. Protestos chegaram a ser
cancelados por causa das bombas. "Após os atentados, a
reunião foi esvaziada, houve uma diminuição até na cobertura
da imprensa. Há um clima de solidariedade e de consternação
aqui em Gleneagles", contou Campolina.
Pauta
alterada
A pauta do evento na Escócia já estava desenhada antes de
seu início propriamente dito: mudanças climáticas e ajuda
para combater a pobreza na África eram as vedetes. Mas as
bombas na Inglaterra serviram para incluir o combate ao
terrorismo nas declarações dos líderes presentes ao evento -
tanto os do G8, quanto os convidados, como o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva - e nos documentos resultantes.
A presença do tema do clima é, em alguma parte, reflexo da
atuação do anfitrião do encontro, o primeiro-ministro
britânico Tony Blair, que vinha se destacando pela defesa
pública da necessidade de ação dos países industrializados
para conter as mudanças climáticas. Como atualmente ele está
na presidência do G8 e da União Européia, essa combinação de
fatores foi determinante para que este fosse um dos
principais temas do evento. "A atuação de Blair tem sido
essencial para esse assunto estar em debates internacionais",
reconhece o coordenador de Campanhas do Greenpeace Brasil,
Marcelo Furtado. "Mas ele acreditava que ia fazer os EUA
mudarem sua posição. E, nesse sentido, teve um erro de
cálculo", aponta.
O Greenpeace Internacional é uma das organizações que vinham
fazendo manifestações na Escócia. A intenção da ONG
ambientalista era fazer os representantes dos países
industrializados considerarem "uma declaração clara de que
os líderes do G8 aceitam as evidências científicas de
aquecimento global e o fato de que a maior parte do
aquecimento é induzida pelo homem, o que aumenta a escala de
urgência do problema".
Não foi isso que aconteceu. Dias antes do evento, o
presidente dos EUA, George W. Bush, também em declarações à
imprensa, já tinha deixado claro que não pactuaria um acordo
que incluísse compromissos de redução de emissões de CO2.
Ele demonstrou que não considerava a reunião do G8 o fórum
para essa discussão e que a ratificação do Protocolo de
Quioto (documento internacional específico sobre o assunto)
teria arruinado a economia dos EUA. Dos oito países
integrantes do G8, apenas os Estados Unidos não ratificaram
o acordo - que estabelece a meta de redução na emissão de
gases estufa em 5,2% em relação aos níveis registrados em
1990.
Dessa forma, a declaração final do evento teve de ser a mais
sutil possível com relação ao tema, com uma linguagem pouco
comprometedora. "A mudança climática é um desafio sério e de
longo prazo, que tem potencial para afetar todo o globo.
Sabemos que a necessidade e o uso crescentes de energia
fóssil e outras atividades humanas contribuem de grande
forma para o aumento das emissões de gases causadores do
efeito-estufa, que provocam o aquecimento da Terra", diz a
declaração oficial divulgada neste dia 8.
O texto desagradou organizações ambientais que acompanham o
assunto. Em uma entrevista coletiva após a divulgação do
documento, Stephen Tindale, do Greenpeace Internacional
disse que "a declaração adotada pelos oito países que mais
contaminam o planeta carece de objetivos concretos e de uma
agenda precisa", segundo informações do Estado de São Paulo.
Segundo Tony Juniper, da organização Amigos da Terra
Internacional, Bush "fez de tudo para desestimular a ação
internacional sobre a mudança climática".
Para Furtado, do Greenpeace Brasil, isso já era esperável.
"A reunião ficou esvaziada depois dos atentados. Além disso,
os EUA já tinham anunciado que não iam negociar esse tema. A
questão que permanecia era: o G8 vai ficar refém dos EUA? Ou
vai ignorá-lo e fazer alguma coisa? O que parece é que eles
optaram por mostrar um caminho, apesar da relutância. Dos
oito, sete concluíram que é preciso fortalecer medidas
urgentes e caminhar rumo a metas mais ousadas, reconhecendo
a importância do Protocolo de Quioto", afirma.
Ele indica ainda um detalhe de extrema importância, que não
foi aprofundado na Cúpula do G8. Segundo Furtado, a reunião
falhou ao não discutir o vínculo entre mudanças climáticas e
o desenvolvimento da África - seus dois principais assuntos.
"Basta ligar dois pontos que se percebe a relação", afirma.
"Isso foi ignorado pelos governos. As mudanças climáticas
são um entrave no desenvolvimento da África, por causarem
secas, inundações e outras destruições que causam impacto no
meio ambiente. É fundamental enxergar isso", aponta.
E isso leva ao outro tema no centro das atenções: a pobreza
na África. Os grandes concertos do Live 8 conseguiram -
especialmente por causa do apelo popular dos músicos
envolvidos - chamar atenção de boa parte da opinião pública
internacional para a questão. A mobilização que precedeu os
shows informava que a cada três segundos uma criança
africana morre por causas que podem ser evitadas e chamava
as pessoas a participar da campanha Make Poverty History (Faça
da Pobreza uma Coisa do Passado).
As vozes parecem ter sido ouvidas, em parte. O encontro do
G8 terminou com o anúncio de U$ 50 bilhões a serem
destinados para os países da África e com o compromisso de
perdão da dívida externa de alguns países. Porém as
aparentes benesses podem não ser tão transformadoras. "Anunciaram
U$ 50 bilhões de dólares até 2010. É pouco diante das
necessidades, e é tarde. Esse montante será destinado até
2010, quando, na verdade, seria preciso destinar tudo isso
agora. Além disso, cerca de metade não é dinheiro extra, é
dinheiro que já deveria ir para lá por causa de outras
obrigações ou acordos", esclarece Campolina.
Para o diretor da ActionAid Américas, os pontos relacionados
ao comércio são um "desastre completo". "Não foi
estabelecida nenhuma data para eliminação dos subsídios à
exportação agrícola - contrariando expectativas. Isso era o
mínimo que se esperava", enfatiza. A organização Christian
Aid se pronunciou após o encontro, considerando
insuficientes as ações destinadas à África. "Este é um
triste dia para a África e para o mundo todo. Tony Blair
disse que hoje é um começo e que não agradará a todos. Ele
está absolutamente certo, porque este pacote não vai retirar
os países pobres do terrorismo da pobreza, que mata 30 mil
pessoas por dia", posicionou-se a organização, segundo o
jornal inglês The Guardian.
John Hilary, diretor de campanhas e políticas da ONG
britânica War on Want, disse que, "com relação à dívida, o
que se obteve foi um décimo do que demandamos. Na ajuda,
apenas um quinto. No que se refere a comércio, regrediu-se
completamente. O G8 deu as costas aos pobres", informa o
mesmo jornal.
Campolina concorda: "Além de não terem aliviado as políticas
de subsídios agrícolas, apresentaram uma postura mais
agressiva quanto à liberalização de serviços e acessos a
mercados não-agrícolas. Querem estimular as privatizações e
entrar ainda mais nos mercados dos países emergentes".
Segundo ele, sobre a dívida externa dos países mais pobres,
não foi adicionado nada a mais do que já havia sido
anunciado, direcionado a somente 18 países. "Apenas
reafirmaram o que anunciaram semanas atrás, e isso só
resolve 10% do problema. Há pelo menos 60 países que
precisariam", revela o diretor da ActionAid.
Ou seja, o saldo do encontro foi menor do que se desejava e
esperava, nos seus dois principais temas. E, com a
ocorrência dos atentados em Londres, a luta contra o
terrorismo foi alçada à condição de terceira questão
central, desviando, temporariamente, a atenção dos
governantes. Mas organizações e movimentos sociais prometem
continuar as mobilizações para exigir as mudanças
consideradas necessárias nas declarações - e,
principalmente, nas ações - dos líderes mundiais.
"Não acho que os atentados vão diminuir os protestos. Vimos
o sucesso que foi a manifestação da Chamada Global de Ação
contra a Pobreza, no dia 2, que reuniu 250 mil pessoas em
Edimburgo. E não acho que devamos mudar nossas exigências e
nossa agenda só porque os governantes podem estar com os
olhos no combate ao terrorismo, pois as causas da pobreza e
da fome continuam as mesmas. Assim, têm de continuar",
enfatiza Campolina.
Segundo Furtado, os temas da mudança climática e da pobreza
não perderão espaço nas agendas dos governos. "Até porque
não são questões que recebem atenção apenas do G8, mas da
ONU. Politicamente, a agenda que vem após os atentados não
muda a necessidade de os países mais ricos olharem essas
duas questões fundamentais: mudanças climáticas (pois, se
não fizerem nada, podem inviabilizar a vida no planeta) e
desigualdade na África. Esses assuntos podem até ficar fora
do foco principal temporariamente. Mas vão voltar cada vez
mais fortes, pois as pessoas vão estar cada vez mais
desesperadas".
Para dar continuidade às mobilizações, dois outros eventos
de peso neste ano receberão protestos, manifestações e
atenção de organizações e cidadãos, assim como aconteceu com
a reunião de Gleneagles: a Cúpula de Revisão do Milênio, que
será promovida pelas Nações Unidas, em setembro, e a 6ª
Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio,
que acontecerá em dezembro, em Hong Kong, China.
Maria Eduarda Mattar
Convenio La Insignia / Rel-UITA
13 de julio del 2005
Fotos:
Indymedia.org
|