No dia 29 de dezembro de 2009, César
Silva, comunicador social comprometido
com a luta do povo hondurenho contra o
golpe de Estado, foi sequestrado e
brutalmente agredido e torturado por
desconhecidos que ele assegurou que eram
militares ou policiais, ainda que
vestidos à paisana. Segundo as
diferentes organizações de direitos
humanos de Honduras, este fato é parte
de uma estratégia repressora
impulsionada pelo governo de fato em
conluio com as forças repressoras do
país, para semear o terror entre a
população e os meios de comunicação que
não se dobraram às forças golpistas.
César
Silva, junto com Edwin Renán
Fajardo, o jovem de 22 anos
assassinado no dia 22 de dezembro de
2009, são autores de uma infinidade de
audiovisuais que têm sido material
imprescindível para relatar ao mundo a
tragédia do povo hondurenho depois do
dia 28 de junho de 2009 e também
organizar atividades de formação e
conscientização da Resistência em
diferentes bairros e colônias da capital
e do resto do país.
Durante
o seu sequestro foi encapuzado e
conduzido para fora de Tegucigalpa, onde
foi interrogado durante um dia inteiro
para que desse informações sobre
supostos depósitos de armas da
Resistência no país. Foi brutalmente
agredido e torturado, desnudado e quase
asfixiado, e no final foi liberado da
mesma forma como ocorreu com Walter
Tróchez, o defensor dos direitos
humanos assassinado poucos dias depois
do seu sequestro.
Sirel
se mobilizou em direção a algum lugar da
região centro-americana1
para se encontrar com César Silva,
o qual, imediatamente depois do seu
sequestro e liberação, decidiu escutar
os conselhos de amigos e amigas e deixou
o país com a família para salvar sua
vida.
-Como ocorreu o sequestro?
-Eu
vinha da zona sul do país onde havia
distribuído material audiovisual para
redes camponesas e, ao chegar na
capital, peguei um táxi para ir para
casa. Não podia imaginar que o meu
celular estava grampeado e que estavam
escutando todas as minhas conversações
nas quais indicava por onde eu estava
indo.
Ao
chegar próximo ao anel periférico, uma
caminhonete se aproximou do táxi e as
pessoas que estavam lá dentro sacaram as
armas e nos detiveram. Pensando que era
um assalto lhes disse que podiam levar o
meu equipamento, mas a resposta foi
contundente: “Não são essas merdas que
estamos querendo, é você, filho da puta,
que vamos levar”
Puseram-me na caminhonete, ameaçaram o
taxista para que esquecesse o que viu e
arrancaram com o carro. Primeiro me
obrigaram a colocar a cabeça entre as
pernas e quando já não agüentava mais,
me deram um soco na cara e me
encapuzaram. Depois de uma hora chegamos
em um lugar no campo e me prenderam em
um quarto totalmente escuro, e então
começou o interrogatório.
-O
que aconteceu depois?
-A
agressividade dos que me interrogavam
foi crescendo com o passar das horas,
ainda que houvesse sempre um dos
sequestradores que tentava ser mais
amável comigo, mas sabia que se tratava
de uma estratégia. Perguntavam-me onde
estavam as armas, por onde entravam no
país, quantas células estavam sob minha
responsabilidade e quais eram os
contatos internacionais.
Eu não
entendia o que eles queriam e lhes
repetia que era jornalista e que não
sabia de nada sobre armas. Logo
começaram a ficar nervosos e a me bater
fortemente na cara, no estômago, nas
costas e nos testículos. Despiram-me e
me jogaram água, depois me jogaram no
chão, puseram água no meu nariz e uma
cadeira no meu pescoço para me sufocar.
Sabiam
perfeitamente quem eu era, e em um
determinado momento falaram do material
audiovisual que eu estava produzindo com
o Renán Fajardo, e até mesmo o
mencionaram. Já durante a madrugada
tentaram me assustar ainda mais e em voz
alta começaram a planejar a minha morte,
mas no final decidiram me soltar.
Colocaram-me em um carro e quando
pararam, uma pessoa que estava sentada
do meu lado me deu um chute nas costas e
me jogou na rua.
Levantei-me e decidi denunciar o
ocorrido ao COFADEH para que
houvesse prova do que está acontecendo
em Honduras.
-Você perguntou qual era o motivo do seu
sequestro?
-Quando
a repressão já não acontece todos os
dias nas mobilizações, começam a gerar
capturas seletivas. No meu caso,
acredito que o trabalho que desenvolvi
com o Renán durante o fechamento
da Rádio Globo e do Cholusat
Sur-Canal 36 lhes provocou um grande
prejuízo aos golpistas, porque o nosso
material chegava a todos os cantos e de
alguma maneira ajudava a romper o
isolamento e a desinformação, que era o
objetivo do governo de fato.
Fazíamos material audiovisual focado em
tudo o que acontecia no país, relatando
a repressão, os assassinatos, a
violência e o distribuíamos para que a
Resistência o usasse para informar às
pessoas que já não conseguiam escutar ou
ver as noticias nos meios fechados.
No
final decidimos suspender este trabalho
porque começou a censura e a repressão
durante as atividades e houve vários
assassinatos entre os líderes da
Resistência que organizavam estas
atividades nos bairros e colônias.
-Por
qual razão você acredita que eles
decidiram não lhe matar?
-Acredito que nunca existiu u,ma ordem
para fazer isso, e sobretudo, porque
queriam usar o meu caso para propagar o
terror entre os colegas nacionais que
levam adiante um trabalho que, na
verdade machuca os golpistas. A mensagem
é para os demais: se fizeram isso comigo
podem fazer a qualquer momento com
qualquer outro jornalista. O que eles
querem é nos silenciar.
O que
realmente me preocupa é que existe uma
grande quantidade de colegas que se
submeteram aos poderes golpistas, se
venderam por umas moedas e dão o sangue
das pessoas em troca de um trabalho.
-Por
que você decidiu sair do país?
-Depois
do meu sequestro eu sabia que, a
qualquer momento, poderiam chegar na
minha casa e me matar. Além disso, os
organismos de direitos humanos e vários
amigos me disseram que já não queriam
mais ter fotografias de vítimas e me
aconselharam sair do país. Tomara que
seja algo momentâneo, porque o meu
desejo é voltar e poder continuar com o
meu trabalho.
Não
tenho medo, no entanto devo ser mais
cauteloso para não entregar a minha vida
assim tão facilmente. Que lutem um pouco
mais se querem me matar.
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