Muito se disse sobre as famílias que
controlam a economia - e por conseguinte
a política deste país centroamericano -
e de como teriam participado ativamente
do planejamento, execução e gestão do
golpe de Estado que, no dia 28 de junho
passado, destituiu o presidente
democraticamente eleito, Manuel Zelaya
Rosales. Os “grupos fáticos” de
Honduras, muitos deles de origem
estrangeira, parecem ser o verdadeiro
poder por trás do poder e, revisando a
história dos quatro anos de presidência
de Manuel Zelaya, é difícil entender
como tenha conseguido governar até seis
meses antes do término de seu mandato.
Para tentar entender a estrutura
econômica de Honduras, quem a
controla e como este controle se traduz
em um verdadeiro domínio da política
nacional, Sirel conversou com o
economista Martín Barahona,
ex-presidente do Colégio de Economistas
de Honduras.
-Como está estruturada a economia de
Honduras e quem a controla?
-A principal atividade econômica de
Honduras está no setor
terciário, com aproximadamente 40 por
cento do PIB. A indústria
representa entre 15 e 20 por cento e a
agricultura os restantes 40 por cento,
ainda que haja diminuído um pouco nos
últimos anos.
No país o domínio da economia está nas
mãos de empresas transnacionais que
controlam setores como o da
agroexportação e 50 por cento da
advocacia, enquanto que, internamente,
há três grupos que são os de
descendência árabe-palestina, os
asiático-chineses e os hondurenhos.
-Se fala muito das famílias e dos grupos
fáticos que dirigem a economia. Quem são
exatamente e quais setores econômicos
controlam?
-Não há um número específico de
famílias, como por exemplo em El
Salvador, onde se fala das famosas
14 famílias, mas sim um mapa que ainda
não está totalmente desenhado.
As famílias Facussé, Canahuati
Larach, Nasser, Atala,
Faraj y Kafie, controlam
grande parte do que é energia e
combustível, bancos, meios de
comunicação, supermercados, seguradoras,
importação de eletrodomésticos e roupa,
franquias de fast food e bebidas,
engarrafadoras, água purificada,
editoras, maquilas, várias corporações e
consórcios, entre outros.
Depois temos os grupos econômicos que
funcionam como holdings, como por
exemplo o Grupo Atlantide,
que surgiu como parte da diversificação
das empresas transnacionais bananeiras,
como a Standard Fruit Company, e
que controla bancos, locadoras de
veículos, companhias imobiliárias,
distribuidoras de produtos da cesta
básica, seguradoras.
Outro grupo é o que pertence a José
Rafael Ferrari e Manuel Villeda
Toledo, particularmente vinculado ao
controle quase total dos meios de
comunicação. Antes possuíam também
bancos e supermercados, porém decidiram
vender.
A familia Rosenthal –Grupo
Continental– atua principalmente no
setor jurídico, de seguros, alguns meios
de comunicação, indústrias de cimento,
construtoras e até uma criação de
crocodilos para a exportação de carne e
couro.
-Como este poder econômico se traduz em
um controle da política nacional?
-Estes grupos econômicos começaram e
fizeram crescer os seus negócios com
base em contratos com o Estado. Em
muitos casos, através da influência que
têm nos governos devido ao financiamento
de campanhas políticas dos diferentes
partidos. Outra maneira é através do
controle de instituições. Quase todas
estas famílias são “proprietárias” dos
diferentes poderes do Estado. No
Congresso, desde muitos anos, existem
pessoas que os representam, e agora têm
até parentes. Por exemplo, Marcia
Villeda, deputada liberal aliada do
presidente provisório Roberto
Micheletti, é a nora de Manuel
Villeda, um dos principais sócios de
José Rafael Ferrari.
-Que participação tiveram estas famílias
no golpe de Estado?
-Ainda que seja difícil ter provas
concretas, a participação foi direta.
Prova disto é o papel tendencioso que
julgou os meios de comunicação de
propriedade deles. Tomaram partido de
uma só posição e recusaram qualquer tipo
de debate. Também Miguel Andonie
Fernández, proprietário de várias
emissoras de rádio, que no passado foi
mais moderado, neste caso se curvou aos
golpistas.
-Reverter o golpe de Estado passa
necessariamente por uma negociação
indireta com estes grupos fáticos?
-Acredito que sim, porém é preciso levar
em conta também outro cenário. Se a
resistência conseguisse manter uma
grande força e se somasse uma verdadeira
pressão internacional, estes grupos
poderiam se ver neutralizados porque a
situação econômica lhes afetaria
diretamente. Se a situação de
instabilidade e não governabilidade se
prolongasse por muito tempo, além das
eleições, estes mesmos grupos sentiriam
que esta situação já não seria mais
rentável e poderiam se distanciar para
não causar um desgaste em nível
econômico e de imagem.
-Se falou muito da Quarta Urna e de uma
Constituinte para uma reforma da
Constituição. Acredita que em Honduras é
possível uma mudança da estrutura
político-econômica?
-Neste momento, através da Constituinte
não vejo possibilidade. Acredito que o
caminho deva ser eleitoral. Atualmente
temos um Partido Liberal dividido em
razão do golpe, e será aberto um espaço
para que o setor liberal que o recusou,
junto com outros grupos políticos e
sociais, possa conquistar porções
importantes do eleitorado. A candidatura
independente de Carlos H. Reyes
poderia ser a novidade e receber muitos
votos, talvez não para ganhar, mas sim
para ter uma forte representação no
Congresso, o que permitiria pressionar
para conseguir as reformas.
-Poderia ser um primeiro passo para se
chegar depois ao tema da Constituinte?
-Sim. A Constituinte a vejo como o
último passo. Primeiro é preciso tentar
reformar as instituições, o regulamento
interno do Congresso e outras leis.
Porém, sobretudo, é preciso ter um tempo
necessário para explicar à população do
que se trata, prepará-la. A formação
política dos hondurenhos é ainda muito
escassa e temos que trabalhar nisso.
-Como se sai desta situação?
-Se sai na medida em que os golpistas
não tenham tido a capacidade de
controlar a situação e de governar. Se
eles perceberem isto e sentirem a
resistência interna e a pressão
internacional, pode ser que em algum
momento aceitem uma volta condicionada
do presidente Manuel Zelaya, tal
como prevê o Acordo de San José. Tomara
que, em vista de futuras eleições, as
organizações políticas, sociais e
populares que se uniram na resistência
ao golpe saibam aproveitar esta coesão.
|