Centenas de milhares de hondurenhos
voltaram a caminhar pelas ruas de
Tegucigalpa e San Pedro Sula, enviando
uma mensagem muito clara ao presidente
Porfirio Lobo Sosa: não pode haver
reconciliação sem castigo para os
golpistas e de um caminho em direção à
refundação do país através de uma
Constituinte. O presidente Manuel Zelaya
viajou para a República Dominicana com a
sua família, prometendo voltar logo e
continuar trabalhando pelas
reivindicações do seu povo.
“Impressionante” é a palavra exata para
descrever a grande marcha que, partindo
da Universidade Pedagógica de
Tegucigalpa, percorreu vários
quilômetros até chegar ao aeroporto de “Toncontín”,
no ponto exato onde, no dia 5 de julho
de 2009, foi assassinado pelo Exército o
jovem Isis Obed Murillo, a
primeira de tantas vítimas deste golpe
de Estado.
A originalidade e a fantasia do povo
hondurenho voltaram a brilhar através de
faixas, cartazes, bonecos com imagens
daqueles que a população identificou com
o golpe e cânticos entoados em coro sem
um só segundo de descanso.
Assombrosa a diferença entre esta
multidão alegre, mas ao mesmo tempo
excitada e consciente de haver mudado o
rumo deste país, e a triste e desoladora
cerimônia de investimento do novo
presidente Porfirio Lobo, que uma
vez mais tentou convencer o mundo de que
Honduras está começando a se
normalizar no marco da reconciliação.
“No dia de hoje o povo voltou a pedir a
refundação do país, e não somente veio
para se despedir do presidente Manuel
Zelaya” - disse Bertha Cáceres,
diretora do Conselho Cívico de
Organizações Populares e Indígenas de
Honduras (COPINH), ao Sirel.
O mais importante é que o povo
hondurenho amadureceu na sua
consciência, e é evidente como
diariamente, nas comunidades, as pessoas
estão trabalhando com este objetivo.
Algo mudou e o povo pede a seus
dirigentes que dêem atenção a esta
batalha ideológica que é um dos valores
mais importantes desta resistência.
Neste momento
–continuou Cáceres–,
no estádio os golpistas querem dar a
entender de que o povo está tranquilo,
que não há demandas nem lutas, no
entanto as pessoas souberam acordar, se
levantar e resistir apesar da repressão,
surpreendendo o mundo.
Não se pode subestimar tudo isto, porque
o povo trará mais surpresas diante da
tentativa de instalar um projeto de
dominação. “Ele os desafiou abertamente
e continuará desafiando”, concluiu a
diretora do COPINH.
Chegando ao aeroporto, na praça
rebatizada “Isis Obed Murillo”
pelo povo em resistência, as pessoas se
concentraram nas imediações da tribuna,
a poucos metros da pista de onde sairia
o presidente Manuel Zelaya.
Durante uma breve e emotiva cerimônia, a
ministra do Trabalho do governo
Zelaya, Mayra Mejía,
apresentou, em nome do Presidente, o
reconhecimento às duas “avós da
Resistência”, Dionisia Díaz e
Yolanda Chavarría, ao menino
Oscar Montesinos, que se dirigiu à
multidão nomeando, um por um, os mortos
pelas mãos dos corpos repressores, e ao
dirigente sindical e membro da condução
colegiada da Frente Nacional
de Resistência Popular (FNRP),
Juan Barahona.
“Foi uma mobilização gigantesca e
pacífica, na qual estamos exigindo ao
novo herdeiro do golpe de Estado que
convoque uma Constituinte” - disse
Barahona da tribuna.
Ao mesmo tempo estamos dizendo ao povo
hondurenho e ao mundo que a Resistência
é a força majoritária que temos em
Honduras, e é a esperança de mudança
e a alternativa real.
Não reconhecemos este governo por ele
ter sido eleito por um regime ilegal,
golpista e repressor. Além disso
–continuou Barahona– esclarecemos
que não estamos autorizando ninguém da
Resistência a fazer parte do governo e
de nenhum dos poderes do Estado.
Assinalamos também a vergonhosa decisão
dos golpistas de absolver o alto comando
do Exército e de decretar uma anistia
generalizada, pretendendo declarar a
impunidade, o esquecimento, o perdão, a
amnésia coletiva. O povo hondurenho não
irá permitir isso e exigimos castigo
para os criminosos do golpe de Estado.
“Não pode haver perdão, nem
reconciliação”, assegurou o dirigente do
FNRP.
Momentos de tensão foram vividos quando
um forte contingente de militares e
policiais se fez presente nas imediações
da concentração popular, escoltados por
dois carros com canhões de água. Depois
de uma intensa negociação os corpos
repressores decidiram desistir da
provocação.
Já na parte da tarde, chegou a notícia
de que o presidente Zelaya havia
saído da embaixada do Brasil com
a sua família, acompanhado pelo
presidente da República Dominicana,
Leonel Fernández, e pelo
presidente Porfirio Lobo.
Uma longa caravana de veículos percorreu
o caminho até o aeroporto, de onde
Manuel Zelaya voou para o país
caribenho, enquanto a multidão
emocionada o saudava com as suas
bandeiras e cantos.
“Vai voltar, certamente vai voltar, e
vai se integrar a esta luta do povo
hondurenho, porque o de hoje é apenas o
começo”, comentou um idoso olhando nos
meus olhos.
Lentamente as pessoas começaram a
abandonar o lugar, a maioria caminhando
alegremente, com uma energia
contagiante, enquanto que, da tribuna,
os Artistas em Resistência continuavam
cantando e dançando. Uma nova Honduras
nasceu… e começou a caminhar.
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