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Honduras

O “tartaruguismo” diplomático e
os seus interesses ocultos

Neste momento, o povo sua nas ruas pedindo democracia
E mudanças reais

 

No dia 3 de setembro deste ano o Departamento de Estado tornou público um comunicado1 no qual anunciou “o término de uma ampla gama de assistências ao governo de Honduras como resultado do golpe de Estado ocorrido no dia 28 de junho” assinalando, ao mesmo tempo, que a secretária de Estado, Hillary Clinton, tomou esta decisão “reconhecendo a necessidade de impor medidas mais fortes devido à persistente resistência, por parte do regime de fato, em adotar o Acordo de San José  para restaurar a ordem democrática e constitucional em Honduras”. 

Hillary Clinton y Manuel Zelaya

Oscar Arias

 

O porta-voz desta instituição, Ian Kelly, informou, além disso, que o governo norte-americano revogará os vistos de entrada no país para membros e promotores do regime de fato hondurenho e que, neste momento, não poderia “apoiar o resultado das eleições de novembro”.

 

Ainda que esta decisão da administração Obama deva ser considerada como algo positivo, que contribui para isolar ainda mais o governo provisório de Roberto Micheletti, não se pode esquecer o fato de que chega depois de quase 70 dias, durante os quais o regime golpista pode criar as condições necessárias para que dificilmente se possa restaurar a situação político-institucional, econômica e social vigente antes do golpe.

 

Além disso, o fato de não ter esclarecido o montante da ajuda suspensa ou encerrada após 28 de junho passado, de ainda estar estudando o caso Honduras para determinar se efetivamente se tratou de um golpe de Estado –o que obrigaria os Estados Unidos a suspender qualquer tipo de apoio financeiro ao país– e de seguir reconhecendo como única saída para o conflito a ratificação do Acordo de San José, desconhecendo dessa forma o posicionamento da Frente Nacional Contra o Golpe de Estado que pede o fim da militarização do país e o início de um processo de  reforma da Constituição, salpica de dúvidas e inquietudes a atitude demonstrada até o momento pela administração Obama.

 

Agências à espreita

 

Se, por um lado, o governo dos Estados Unidos suspender parte da sua ajuda ao governo provisório de  Honduras, por outro várias agências norte-americanas, que usam fundos dos contribuintes, continuarão com os seus financiamentos.

 

Segundo Bill Conroy, do The Narco News Bulletin, “A Corporação Desafio do Milênio2 continuou movimentando milhões de dólares em Honduras desde o golpe de Estado do dia 28 de Junho, e não é a única.

 

A Agência Estadunidense para o Desenvolvimento Internacional3 (USAID, na sigla em inglês) planeja fornecer a Honduras cerca de 47 milhões de dólares em fundos para o ano fiscal de 2009, o qual finaliza em 30 de setembro de 2009. Quase todo este dinheiro (43 milhões) continua programado para ser entregue como estava planejado anteriormente (antes do golpe de Estado)”, assinala Conroy.

 

Outras agências, muito conhecidas pelo seu apoio financeiro e logístico aos setores que se opõem aos processos de mudança em marcha em diferentes países da América Latina, continuam desenvolvendo normalmente seus programas.

 

O relatório da auditoria realizada pela USAID em junho de 20094 assinala, por exemplo, que esse organismo estabeleceu com o Consórcio para Processos Eleitorais e Políticos (CEPPS, na sigla em inglês), joint venture que envolve o International Republican Institute (IRI), o National Democratic Institute (NDI) e uma agência não governamental chamada International Foundation for Electoral Systems (IFES), um acordo de cooperação de 1,8 milhões de dólares, com o propósito de oferecer assistência técnica ao questionado Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) e a diferentes organizações da sociedade civil tendo em vista as eleições de novembro.

 

Por sua parte, a União Europeia se limitou a congelar 65,5 milhões de dólares de ajuda orçamentária, sem dar importância às múltiplas demandas, que provêm das sociedades hondurenha e européia, de suspensão de todo tipo de cooperação e de programas de apoio às instituições do Estado, a exclusão de Honduras das negociações do Acordo de Associação com a América Central (AdA) e a suspensão de Honduras do Sistema Geral de Preferências (SGP plus).

 

Estas medidas seriam um sinal que leva à real rejeição do golpe de Estado e à vontade de criar um precedente histórico para que nunca mais se repita uma tentativa golpista no continente.

 

Democracia: para que?

 

Diante de um fato tão transcendental como este golpe de Estado, que representa um retrocesso para o continente no seu caminho em direção à estabilidade, à democracia e a um possível processo de unificação, é necessário algo mais que as simples declarações de rejeição, que até o momento caracterizaram o comportamento destas duas potências econômicas.

 

O Acordo de San José, fortemente impulsionado por Hillary Clinton e aclamado por grande parte da comunidade internacional, tem o objetivo de restaurar a democracia no país, porém sem usar os mecanismos para reverter as medidas do governo de fato, que nestes 70 dias tratou de arrasar com os avanços econômicos, sociais e sindicais dos últimos anos.

 

Pretende restituir um Presidente “com pés e mãos atados”, tal como declarou há alguns dias a primeira dama Xiomara Castro, criar um governo de Unidade Nacional do qual participem os partidos golpistas, deixar a garantia de um correto desenrolar das eleições em mãos de um Exército repressor, torturador e assassino.

 

O Acordo de San José quer negar ao povo em resistência o direito a uma Consulta popular para instalar uma Assembléia Constituinte, e pretende oferecer uma anistia para os delitos políticos cometidos durante o golpe.

 

Por fim, um acordo que parece estar ajudando a alcançar o objetivo, já não tão oculto, deste golpe e de seus arquitetos: frear o processo de união centro americana, dar um sinal claramente intimidador aos governos progressistas da América do Sul, apresentar a ALBA e os seus projetos como o “mal” do novo século e, sobretudo, criar um precedente, um possível modelo segundo o qual o golpe de Estado é rejeitado, mas ao mesmo tempo consegue reverter as conquistas populares em direção a uma democracia com conteúdo social.

 

Diante desta ameaça e do “tartaruguismo” diplomático, as organizações populares continuam organizando a sua agenda, que não é a da comunidade internacional, nem a do presidente Manuel Zelaya, mas sim de quem continua suando nas ruas de Honduras.

 

As pessoas resistem e querem a volta de uma democracia que olhe em direção aos mais desafortunados, que mude o modelo explorador e que faça desta experiência de resistência a base para se construir uma Honduras do futuro.

 

 

 

Em Managua, Giorgio Trucchi

Rel-UITA

10 de setembro de 2009

 

 

 

Fotos:

1 - nicedeb.files.wordpress.com

2 - sipse.com

3 - aporrea.org

 

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