O Decreto
Executivo ilegal anunciado pelo governo de fato acabou abrindo uma primeira
fissura na sólida unidade exibida até agora pelos setores econômicos e políticos
que conduziram o golpe de Estado. Uma surpreendente proposta de diálogo
apresentada pela empresa privada surgiu em um contexto de constante violação dos
direitos daqueles setores do povo hondurenho que se negam a aceitar a derrota
institucional do dia 28 de junho passado.
Pelo segundo
dia consecutivo a Resistência não pôde realizar a sua marcha habitual
pelas ruas de Tegucigalpa. Em cumprimento do Decreto Executivo que continua
restringindo as liberdades individuais e coletivas da população, e que parece
ser um novo e desestabilizante erro do governo de fato de Roberto Micheletti,
mais de 200 efetivos fortemente armados fecharam a saída para centenas de
pessoas que se concentraram em frente à Universidade Pedagógica.
Além do fato de
ser ilegal pela sua publicación na Gazeta Oficial antes mesmo da sua aprovação
pelo Congresso Nacional, o decreto abriu um profundo debate entre os setores que
conduziram e aprovaram o golpe de Estado.
Enquanto os
deputados e os candidatos presidenciais dos partidos tradicionais pediam a
Micheletti que reconsiderasse o conteúdo de tal decreto e a comunidade
internacional exigia uma solução definitiva para a grave crise causada pelo
golpe de Estado, de forma inesperada a empresa privada apresentou uma proposta
que retomava alguns dos pontos contidos no Acordo de San José e que deixa o
presidente Manuel Zelaya sem nenhum instrumento real para governar.
Nessa proposta,
apresentada pelo conhecido empresário Adolfo Facussé, seria aceita a
restituição do presidente Manuel Zelaya na Presidência, porém com a
condição de que se submetesse imediatamente aos tribunais de justiça.
Os novos
ministros seriam nomeados pelos partidos políticos proporcionalmente aos votos
obtidos nas últimas eleições e poderiam ser removidos apenas com o voto de dois
terços do Congreso, enquanto que o mandato das Fuerzas Armadas estaria a cargo
do gabinete do governo.
Uma força
multinacional, composta por uns 3 mil militares ou policiais do Canadá,
Panamá e da Colombia vigilaria o cumprimento do acordo, e a
comunidade internacional deveria respaldar incondicionalmente o desenvolvimento
das eleições do dia 29 de novembro, enquanto que Roberto Micheletti
passaria a ocupar um posto de deputado com a garantia de um trono vitalício.
Nas próximas
horas serão esperadas reações do presidente Zelaya e a Frente Nacional
Contra o Golpe de Estado.
Diálogo e repressão
Enquanto a
palavra “diálogo” continua satisfazendo os titulares dos principais meios
controlados pelos poderes econômicos de Honduras, a repressão contra o
povo hondurenho não cessa em nenhum instante.
Ontem, 29 de
setembro, efetivos da Polícia chegaram ao Instituto Nacional Agrário (INA)
com a aparente intenção de executar o desalojamento dos membros das organizações
camponesas e sindicais que há três meses mantêm uma ocupação pacífica da
instituição.
“Levando em
conta as constantes ameaças, as organizações camponesas e nós do Sindicato dos
Trabalhadores do Instituto Nacional Agrário (SITRAINA) nos mantemos
firmes na nossa resistência contra o golpe de Estado -declarou a Sirel Samuel
Sánchez, membro do SITRAINA, organização afiliada à UITA-.
Ocupamos as
instalações do INA em todo o país e pedimos o apoio internacional por
qualquer coisa que possa ocorrer nas próximas horas. “Vamos até o fim e sabemos
que tanto a UITA como outras instâncias internacionais nos darão o seu apoio”.
Durante uma
conferência da imprensa, os dirigentes da Confederação Nacional Camponesa (CNC),
Confederação Hondurenha de Mulheres Camponesas (CHMC) e o Conselho
Coordenador de Organizações Camponesas de Honduras (COCOCH) informaram
que “Nossa presença no INA é a única forma de garantir os direitos dos
camponeses, porque com esta toma estamos protegendo o cumprimento do Decreto
18/2008, com o qual se resolverá o tema da mora agrária, beneficiando com
títulos de propriedade mais de 300 mil camponeses -disse Ramón Navarro do
COCOCH-.
Sofremos
perseguição e repressão, e nós, camponeses, nos rebelamos contra um governo
ilegal e despótico. Estamos aqui defendendo os expedientes de milhares de
camponeses porque não acreditamos que um governo usurpador possa realizar uma
verdadeira reforma agrária.
Conseguimos
recuperar a terra para produzir alimentos, tivemos que abandoná-la com o sangue
do nosso povo -continuou Navarro- e não vamos permitir que nos oprimam
mais. Nosso movimento faz parte da Frente de Resistência e
se querem nos desalojar, a luta não terminará aqui, vamos nos mobilizar de outra
maneira”, concluiu.
Ofensiva judicial
A intenção de
deter a Resistência contra o golpe de Estado foi transferida também para
os tribunais, onde dezenas de fiscais e advogados conscientes estão tentando
neutralizar a onda repressora contra os que se manifestam contra o governo de
fato.
Ontem,
terça-feira dia 29, várias pessoas que foram desalojadas em frente à Embaixada
do Brasil foram acusadas de rebelião e enviadas à prisão.
No caso de
Agustina Flores López, irmã de Bertha Cáceres, membro do Conselho
Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH) e da
direção colegiada da Frente Nacional Contra o Golpe de Estado, só o fato
de fazer parte da Resistência foi classificado pela juíza como rebelião.
“Foi capturada
e atacada selvagemente, e agora querem condená-la sem nenhum tipo de prova.
Estamos diante de um experimento deste governo de fato para tentar desarticular
a resistência impondo o terror e o medo - disse Noelia Núñez, advogada de
Flores López-.
A justiça aqui
está cada dia mais cega. Um sistema inquisidor e opressor, e que em nada garante
que neste -como em muitos outros casos- considerará que as pessoas são perigosas
apenas pelo fato de integrar o Movimento de Resistência
Contra o Golpe.
Sinto-me
indignada como pessoa e profissional. Recusaram as medidas substitutivas e
enviaram-na à prisão -concluiu Núñez- e é um sinal claro de que estão
enviando à Resistência e a sua irmã como dirigente popular”.
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