Brasil

           

 

O ano novo
e os velhos desafios

  

 

O nascimento de um novo ano é sempre momento para refletir sobre os desafios que ainda persistem entre nós. Um deles, verificado não apenas no Brasil como em diversas outras nações capitalistas, é a crescente introdução das máquinas e tecnologias no mundo do trabalho. Trata-se de um fenômeno que, ao invés de favorecer as forças do trabalho, as estão destruindo e precarizando.

 

No caso da crescente mecanização verificada no campo, onde se destacam as usinas de álcool e açúcar e as áreas destinadas ao plantio de grãos e outras culturas, o que se verifica é a substituição em escala geométrica do homem pela máquina. E o homem, sem outra qualificação senão a do manejo da terra é expulso com a sua família para periferia das grandes cidades, onde, para sobreviver, é obrigado a atirar-se na informalidade ou a submeter-se às mais precárias condições de trabalho.

 

Relatório divulgado recentemente pela FAO (órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentos) constata que, entre 2006 e 2008, observou-se um aumento contínuo dos alimentos básicos. Eis o primeiro paradoxo: justamente nas áreas rurais, aquelas responsáveis pela produção de alimentos, vivem 70 por cento das que passam fome no mundo. E, pela primeira vez na história, mais de um bilhão de pessoas estão subnutridas no mundo inteiro. Isso representa cerca de 100 milhões a mais do que no ano passado e significa que uma a cada seis pessoas passa fome todos os dias. A crise ameaça os pequenos agricultores e as áreas rurais onde trabalham e vivem 70 por cento das pessoas que passam fome no mundo.

 

Quanto à crescente mecanização, a FAO indica que, paralelamente ao crescimento da fome, da subnutrição e da pobreza nas áreas rurais, há um próspero crescimento das vendas de máquinas agrícolas cada vez mais sofisticadas, muitas delas guiadas por robôs orientados via satélite (com o sistema GPS). Entre 2000 e 2005, o comércio mundial de máquinas agrícolas cresceu à razão de 6 por cento ao ano, muito mais do que a produção de comida no mesmo período (2,6 por cento ao ano) e o da população mundial (1,2 por cento ao ano). Entre 2005 e 2010, prevê-se um crescimento respectivo de 4,8 por cento, 2,5 por cento e 1,1 cento.

 

Ou seja, a relação é cada vez mais direta entre a crescente mecanização da agricultura e o aumento da fome, como consequência da concentração da propriedade (multiplicação de vastos latifúndios que exploram monoculturas) e da renda.

 

E quando não são expulsos do campo, são os camponeses pobres que formam o vasto exército de seres humanos forçados, quando podem, a vender sua força de trabalho por valores aviltantes em grandes plantações. Não raro, os “salários” situam-se no limite de dois dólares diários, valor que serve de parâmetro de linha de pobreza para o Banco Mundial.

 

É evidente que não se propõe a interrupção ou a redução do processo de mecanização e o retorno às práticas agrícolas rudimentares para resolver o problema da fome, mas colocar a máquina a serviço do homem, o que significa tratar alimento como algo sagrado para o ser humano e não como commodity, artigo de especulação negociado em mercados futuros, sem qualquer relação com a demanda real da população. O comércio da comida deveria ser submetido ao primado da segurança alimentar, priorizando o ser humano e não o lucro.

 

O que os grandes interesses econômicos procuram ocultar é a evidente relação entre a jogatina que se faz com o alimento e a tragédia que envolve 1 bilhão de seres humanos famintos e mais de 2 bilhões em estado de subnutrição e expostos a todo o tipo de doenças e epidemias causadas pela falta de proteínas.

 

Como se vê, o ano novo começa com um velho desafio: colocar a terra e a tecnologia a serviço do homem, de sua segurança alimentar e de seu trabalho, e não da ganância de poucos. Parece uma coisa simples, mas não é. Vai exigir muita luta e compromisso por parte dos governos que estarão doravante cada vez mais acossados por essa realidade.

   

 

 

Em São Paulo, Artur Bueno de Camargo*

Rel-UITA  l CNTA

30 de dezembro de 2009

 

 

 

 

 

(*) Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação (CNTA) e vice-presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de São Paulo.

 

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