Brasil - Pará

 

Operação Ananias

PF e Ibama desmontam esquemas
de fraude e corrupção no Pará

 

As 18 operações realizadas desde 2003 resultaram em quase 500 prisões. Mais de uma centena dos envolvidos ilegalidades eram do próprio quadro do Ibama. Ministra vê golpe na vértebra do crime; pesquisador pede maior controle social.

 

Quase 500 pessoas já foram presas nas operações conjuntas da Polícia Federal (PF) com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), desde 2003, com a deflagração, nesta sexta-feira (2), da Operação Ananias, no Pará. Do total de detidos em todas as 18 operações já realizadas, 113 trabalhavam no próprio Ibama.

 

Desta vez, foram desmontados esquemas de fraude e de corrupção na extração, no transporte e na comercialização de madeira envolvendo empresários, despachantes, advogados e servidores públicos. Ao todo, foram cumpridos 25 dos 37 mandados de prisão – 12 deles relativos a funcionários públicos: seis do Ibama, três da Secretaria da Fazenda (Sefaz) e outros três da Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam) do governo estadual do Pará -, bem como 40 dos 44 mandados de busca e apreensão em sete municípios paraenses (Altamira, Uruará, Belém, Santarém, Placas, Itaituba e Porto de Moz). Para se ter uma idéia do volume de recursos acumulados por meio dos desvios, um dos principais envolvidos no esquema mantinha indiretamente uma mansão avaliada em cerca de R$ 1 milhão (470 mil dólares aproximadamente), segundo informações da PF.

 

Madeireiros e despachantes contavam com a colaboração de funcionários públicos (que conferiam falsos créditos de madeira e emitiam notas fiscais frias a fim de facilitar a circulação e a venda de mercadorias das empresas) para encontrar brechas no novo sistema de controle eletrônico de circulação de produtos florestais, com base no Documento de Origem Florestal (DOF). O DOF permite o acompanhamento instantâneo das mercadorias e substituiu no ano passado a antiga Autorização de Transporte de Produtos Florestais (ATPF), emitida em papel.

 

O delegado da PF, Paulo de Tarso Teixeira, explicou em entrevista coletiva que o nome da operação foi inspirado no personagem bíblico (Ananias) que, em conluio com a sua esposa Safira, mentiu e não entregou ao apóstolo Pedro todo o dinheiro da venda de uma propriedade, ficando com parte dos recursos arrecadados na transação. Policiais detectaram que despachantes repetiram o golpe de Ananias, retendo parte da propina dos empresários destinada a corromper os servidores públicos. Também foram identificadas ações isoladas de venda de informações a madeireiros acerca de fiscalizações do poder público por parte de um técnico administrativo do Ibama que atuava como motorista.

 

A denúncia do esquema principal – que desembocou na detecção de crimes como formação de quadrilha, sonegação fiscal, corrupção ativa e passiva, prevaricação e lavagem de ativos - partiu de um próprio funcionário do Ibama de Altamira, no Pará, ainda em 2005. Com a implementação do DOF em outubro de 2006, as infrações foram detectadas pelo Núcleo de Gestão do Sistema e repassadas à PF.

 

Uma operação do porte da Ananias, que antes compreendia pelo menos de um ano e meio a dois anos de duração, pôde ser realizada em aproximadamente em seis meses, comparou Antônio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama. O controle em tempo real do fluxo permitiu o processamento de uma espécie de “malha fina” que detectou problemas, ainda segundo dados apresentados por ele, em nada menos que 30% das empresas do setor cadastradas no Sistema DOF que atuam no Pará. De acordo com as estimativas do Ibama, essa triagem tem evitado o transporte “potencialmente ilegal” de 180 mil metros cúbicos (9.150 caminhões) de madeira e de 197 mil metros cúbicos (3.940 caminhões) de carvão a cada mês.

 

Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, as operações em conjunto da PF com o Ibama têm sido “um dos grandes esteios” do trabalho da pasta, pois funcionam como um “golpe na vértebra do sistema criminoso”. O número total de operações (incluindo ações de pequeno e médio porte) da PF na Amazônia, salientou a ministra, saltou de cerca de uma média de 25 (até 2002) para cerca de 120 por ano. De 1989 até 2002, apenas 10 funcionários do Ibama foram demitidos por participação em atos ilícitos. Nos últimos quatro anos, 89 já foram demitidos e mais de 300 processos disciplinares foram instalados, graças aos bons funcionários e a renovação positiva decorrente dos recentes concursos públicos, complementa Marina. “Estamos atacando a infecção e não a febre”, afirmou, sem antes recomendar uma “boa dose de paciência” para enfrentar as “décadas de deterioração” e chamar a atenção para o fechamento de 1,5 mil madeireiras ilegais que perderam o registro e estão bloqueadas no sistema DOF. O volume de apreensão de madeiras ilegais atingiu 880 mil metros cúbicos e as cifras de multas aplicadas já somam R$ 2,8 bilhões.

 

Controle social

 

A pressão sobre a exploração ilegal da madeira tem aumentado na região, confirma Tarcísio Feitosa, que trabalhou durante 20 anos (1987-2007) junto aos movimentos sociais em Altamira e hoje se dedica a um projeto de mestrado em Belém, na Universidade Federal do Pará (UFPA). Tanto é assim que os madeireiros têm optado pelo tráfego noturno de cargas florestais para escapar das fiscalizações. Na opinião dele, porém, as lacunas ainda continuam enormes. No caso do carvão para a produção do ferro-gusa, por exemplo, a diferença entre o volume transportado legalmente com autorização do Ibama e a quantidade de carvão que circula pelas estradas é da ordem de milhões de metros cúbicos por ano.

 

A reincidência é outro problema a ser resolvido. De acordo com o diário paraense O Liberal, dois dos empresários detidos na Operação Ananias “já haviam sido presos em outras situações”. Anísio Teófilo, preso no distrito de Icoaraci (Belém), preside uma empresa madeireira e já tinha sido preso quando foi deflagrada a Operação Renascer, em dezembro do ano passado. Chester Gomes Pedro, preso em Altamira, também já havia sido detido pelo mesmo crime em junho de 2005, durante a Operação Curupira.

 

O caminho, para Feitosa, é um só: controle social. Apenas uma ampla intervenção das comunidades locais poderá garantir a preservação do patrimônio público em florestas e madeira. Ele sugere a constituição de espaços institucionais, como os conselhos das políticas públicas de saúde, para que a população possa participar ativamente do processo de gestão dos recursos naturais.

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