Segundo a Organização Internacional do Trabalho
(OIT),
o trabalho mata mais que a guerra. A cada ano
morrem
2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras (mais
de 5.000 por dia) em acidentes ou por causa de
alguma doença ligada ao trabalho, em compa-
ração com as 650 mil pessoas que morrem
nas guerras de todo o mundo em um ano.
Na Espanha, a brutal destruição de postos
de trabalho -já ultrapassou a barreira dos 4
milhões de desempregados, a cifra mais alta
de sua história- se entrelaça com uma brutal
destruição da saúde e da própria vida de milha-
res de pessoas. Assim, o país se situa nos pri-
meiros lugares em acidentes e em taxa de sinis-
tralidade na
União Europeia:
três trabalhadores
morrem a cada dia, 23 sofrem acidentes graves em
seu posto de trabalho e há 2.499 acidentes
leves.
A
sinistralidade no trabalho mata anual-
mente mais de 1.000 pessoas enquanto
trabalham.
Aonde este tipo de terrorismo silencioso se
alimenta para matar pessoas diariamente em cada
local e área de trabalho? A resposta não é
complicada: ele se alimenta nas altas taxas de
emprego temporário, na precariedade, na
subcontratação, na má-praxis, na negligência e
na indiferença dos empresários assim como na
falta de prevenção de riscos no trabalho,
características que são traços marcantes do
mercado de trabalho espanhol,
criador do maior número de ocupações precárias
da União Europeia.
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Isso explica também porque
3 de cada 4
trabalhadores apresentam desconfortos físicos relacionados
com as doenças osteomusculares, e porque
20 por cento do total de trabalhadores e trabalhadoras
desenvolvem sintomas de estresse.
Para o Instituto Sindical do Trabalho, Ambiente e Saúde (ISTAS),
“as condições de emprego, com as suas conotações de
temporariedade, flexibilidade e mobilidade extrema,
são a base
de uma progressiva deterioração das condições de trabalho,
com repercussões negativas na saúde dos envolvidos”.
Essas conjunturas são um fator determinante das condições de
trabalho, e a Espanha mostra claramente como a
exposição a riscos não é a mesma para trabalhadores e
trabalhadoras que têm um contrato permanente em comparação
com os que têm um contrato temporário. Vários estudos
revelam que os
acidentes no trabalho entre os trabalhadores com contrato
temporário superam os 50 por cento do total nos últimos anos.
As estatísticas mostram que
o número de
acidentes sofridos no trabalho por trabalhadores temporários
cresceu mais de 20 pontos percentuais durante a última
década em comparação com o aumento registrado pelo número de
empregados com contrato permanente.
Para
Joaquín Nieto,
especialista das CCOO em saúde no trabalho, “Em
muitas ocasiões são empregados trabalhadores eventuais ou
subcontratados para realizar as tarefas mais penosas ou
perigosas e, dessa forma, escapar das normas de proteção
contra riscos. As empresas contam com uma mão-de-obra
barata, dócil e disposta à máxima flexibilidade,
adaptabilidade e às exigências empresariais, devido ao
receio de perder o emprego”.
Para esses trabalhadores e trabalhadoras -em sua alta
porcentagem jovens e imigrantes- as condições de emprego
precárias se tornam muito mais complexas e dificultam a sua
participação na defesa da própria saúde e segurança. “A
precariedade deixa o trabalhador mais fraco diante do
empresário, e a chantagem é uma realidade. São frequentes os
trabalhadores temporários que fazem, por exemplo, mais horas
do que as estipuladas ou recebem um salário inferior, ou
aceitam serem registrados em uma categoria inferior à que
corresponde à sua qualificação profissional. Sacrificam tudo
na esperança de serem renovados”.
O modo de produção capitalista -complexo e
múltiplo em suas evoluções e manifestações-
não faz, desde sempre, mais que uma simples
coisa: uma contínua, enorme, programada
transfusão
das veias de um corpo social, a classe do
trabalho, para as veias de outro corpo social, a
classe do capital.
(Classe e Saúde, Giulio Maccacaro) |
Na Espanha, é tão absurda e caótica é a dimensão da
sinistralidade no trabalho que, no final do ano passado, foi
criada a Associação de Vítimas do Trabalho (AVT).
Este grupo enfatiza que “O cumprimento da Lei de Prevenção
de Riscos no Trabalho deve ser uma exigência para o
empresariado. A Inspeção de Trabalho visita cerca de 12.000
empresas anualmente para se certificar do cumprimento da lei
e avaliar a situação dos trabalhadores. Pouco eficiente,
pois
faltam
técnicos no Instituto Nacional de Segurança e Higiene no
Trabalho, que desde 1996 já perdeu mais de 30 por cento da
sua equipe.
A AVT se pergunta: Para
que criar uma lei que não pode ser levada a cabo?”.
Um estudo realizado pelas Comissões Operárias exige a
construção de uma estratégia espanhola em segurança e saúde
no trabalho, para visitar as cerca
de
300.000 empresas
que não têm representação sindical: as chamadas empresas
brancas. Ali, terra de ninguém, não havendo um sindicato,
tampouco existem representantes sindicais em matéria de
prevenção.
As mortes e
os acidentes de trabalho custam aproximadamente 12 bilhões
de euros por ano, isto é, 1,72 por cento do PIB.
O custo pelos dias de trabalho perdidos supera os 6,5
bilhões de euros e o da Cobertura de Riscos Profissionais
pelas Seguradoras e Previdência Social supera os 5 bilhões
de euros através das contribuições sociais. Este massacre
cotidiano “deveria ativar o alarme de uma vez por todas,
como ocorre com os acidentes de trânsito, entretanto, longe
de causar alarme, estes dados são silenciados”, a AVT
denuncia.
Os acidentes de trabalho mostram a parte visível da
problemática da saúde e das condições no trabalho. Um
relatório do ISTAS
calcula que os
acidentes representam aproximadamente 10 por cento da
mortalidade derivada do trabalho.
Por outro lado,
as Doenças Relacionadas com o Trabalho
-obstinadamente ocultas nos registros oficiais- causam pelo
menos 16.000 mortes por ano, “embora o máximo que se tenha
declarado tenha sido de cinco por ano” (isso mesmo, você leu
certo: 5), afirmou o diretor geral de Saúde no Trabalho do
Governo da Cantábria, Iñigo Fernández.
Mas há outro problema: um tendencioso subregistro de
Doenças Relacionadas com o Trabalho. “Na
Espanha são declaradas oficialmente apenas 17.000 doenças
profissionais, quando de fato há que reconhecer umas 90.000
patologias relacionadas com o trabalho, e o ruim disso é
que, se não são reconhecidas, não podem ser aplicadas as
políticas de prevenção”.
Ou seja, a doença profissional não é quase nunca mortal,
embora, “sejam declaradas mais de
17.000 pensões
de viuvez por doenças profissionais.
De igual modo, também não é compreensível que em um dos
países mais ruidosos da Europa, com mais
de 249.000
perdas auditivas severas declaradas, só sejam reconhecidas
551 destas doenças profissionais auditivas quando se estima
que, por motivos de trabalho, houvesse umas 5.400”,
adverte Fernández.
Como o ISTAS afirma, “a sinistralidade não é
consequência de uma maldição bíblica, nem um tributo
inevitável do trabalho. Os acidentes são o resultado da
ausência de algumas práticas preventivas conhecidas e
aplicáveis”.
São consequência também de uma ideologia empresarial na qual
o trabalho precário é concebido como uma oportunidade para
as pessoas de vida precária, ou seja: para todos os
trabalhadores e trabalhadoras.
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